Por José Carlos Gonçalves
Em minhas andanças, invariavelmente ministrando aulas e imbuído de tamanha curiosidade, travei conhecimento com algumas crendices e práticas, que vieram somar-se às conhecidas de minha infância e adolescência e que se cristaliza(ra)m num "patrimônio inestimável", principalmente, do "povo baixadeiro".
O início de tudo, assustador, na
minha infância, foi eu ser submetido ao sulfato de sódio, às primeiras horas,
para que se processasse uma limpeza no corpo, e esperar ... "a
reação". Estava, assim, condenado a
"não botar a cara pra fora de casa". No entanto, o que mais me intrigava era a
função infalível da chave da porta principal da casa, guardada firmemente, na
mão, com o intuito de evitar o "baldear". Quão horríveis eram aquelas
situação e "gororoba"!
Mas ... "há gosto pra
tudo", e crenças para todos os gostos!
Fácil, então, é entender por que
no nosso cotidiano, "as manias" sucedem-se. E uma das mais comuns,
que nos acompanha, a bem da verdade, é o temor/terror de perdemos nossa mãe,
por deixarmos a "chinela emborcada"! Quando não muito, pode
causar-nos um "baita azar". Logo, é melhor não "se
arriscar-se"!
Nesse amálgama de sensações, encontram-se
algumas situações bem pitorescas como uso de "chás de bosta de cachorro e
de cu de barata", que "se não matam, engordam".
Um papel de destaque, nesse
cenário, têm as crianças (e suas diligentes mães), já que são protagonistas de
uma série de "procederes", que se apresentam fantásticos. De forma
que se encontram mães desesperadas, "sem saber mais o que fazer" com
as suas mijonas. Porém, isso é "moleza": basta que as banhem debaixo
de suas "redinhas", quando lavadas e “sorvadas" "à
buraçanga", para não mais encharcá-las nas frias madrugadas. Outras mães
buscam socorro no pilão, "socando" os seus "pequeninos",
por três vezes, às sextas-feiras, visando desencambotar-lhe as pernas. Há as
mães que colocam um "pintinho" nas bocas dos rebentos, permitindo,
assim, que "desenrolem" a fala. Já as mães, que precisando amansar a
brabeza, dão-lhes um banho com água
dormida "ao sereno". Como diziam os mais velhos, "é
batata!"
Entretanto, não acabou o
"arsenal"! Deparo-me, constantemente, com o "lado"
médico-científico, que socorre as mães e salva as crianças, "aos
montes". "Um verdadeiro tratado de medicina", em que as mães se
apoiam contrita e sabiamente. Assim, cura-se a "rutura do imbigo",
passando um pano, um "cueiro", "enroladinho”, por cima do
umbigo, e depois o deixando (o pano) debaixo de um "pote". Para acelerar
a cicatrização do umbigo, usa-se "a casa do marimbondo", invólucro
feito com terra, que em três dias o milagre está feito. Ninguém duvida da infalibilidade
da folha de coentro, morna, em forma de "um charutinho”, que, colocada
dentro do ouvido, ameniza, se não elimina, os incômodos causados pela otite. Já
as crianças, com dor de cabeça, são curadas com o leite e as folhas,
"novinhas", de pião roxo, colocados em suas "fontes". As
sementes de mamão, sim, senhor, são o melhor antídoto para lombrigas; e a
"tosse braba" é curada pelos "bons fluidos" de um cordão
feito com pedaços de tamboeira, do milho (...)
Infelizmente, algumas práticas
estão desaparecendo com o avanço da tecnologia, que torna cada um de nós um
cientista, um incrédulo, um indiferente. Por isso, já não se cospe no fogo, ao
degustar a deliciosa melancia, evitando a "enjoada" dor de barriga;
nem se toma, em jejum, "mijo" de vaca preta, curando a sufocante
asma; nem se "caça" melão de São Caetano, para eliminar a "pira
de cachorro"; nem se planta arruda, para,
embebida na cachaça ou tiquira, quebrar o mal olhado, desaparecer com a
"izipra", erguer a espinhela
caída, fechar a arca aberta; ou chá de buchinha, com suas mil e duzentas
utilidades; ou ... o uso do chá do bico do pica-pau!
Bom, isto é assunto para outra
crônica!
(*) José Carlos Gonçalves é professor e escritor.
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