Por Marcondes Serra Ribeiro
Recordo-me dos tempos em que no
Sábado de Aleluia, também chamado de Sábado Santo, acontecia a tão esperada
Malhação de Judas ou Queima de Judas - um festejo popular que representava a
morte de Judas Iscariotes, o discípulo que traiu Jesus Cristo e, por isso
mesmo, mereceria a vingança representada folcloricamente por dolorosa morte.
Era uma comemoração alegre, bem
articulada em sua extemporaneidade e transposição à realidade, onde a
representatividade do ato da traição revestia-se de ansiedade e muita
curiosidade em saber qual figura ou personalidade da vida pública seria
contemplada com a vingança popular e amanheceria enforcado, pendurado em poste
ou árvore de local movimentado, com a devida placa de identificação, para ser
“malhado”, em ritual de queimação do boneco.
Os escolhidos pelos organizadores
da tradicional brincadeira eram especialmente as autoridades, os políticos identificados
como traidores da população, por seus atos corruptos e merecedores de serem
representados por bonecos de panos, confeccionados caprichosamente, com
detalhes na indumentária e nos acessórios, que os lembrassem bem.
Para dar mais ênfase à brincadeira,
era comum colocarem bombas no enchimento do boneco, que explodiam durante a
queima, sob a gritaria dos presentes. Interessante e bem aguardado antes da
queimação do Judas era a leitura de seu testamento, com as últimas vontades
quanto à disposição de seus bens, contemplativo de algumas pessoas da
comunidade, com itens especialmente adequados à cada uma.
Assim, eram “deixadas” dentaduras
- para quem estivesse banguela; dinheiro – para quem tivesse dívidas a pagar;
cintos – para quem andasse com as calças caindo; óleo de peroba – para quem
tivesse pouca vergonha; cuecas – para quem tivesse sido flagrado com as suas
rasgadas; óculos escuros – para quem gostasse de exibir-se com um e outras
coisas que se ajustassem ao herdeiro ou herdeira. Era uma alegre festividade
popular que não deveria estagnar no tempo!
Se a brincadeira prosseguisse e
chegasse aos dias atuais, não faltariam elementos que preenchessem os
requisitos da “homenagem vingativa”, pois autoridades corruptas existem em
profusão – verdadeiros “Judas”, traidores que caem no desagrado do povo.
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