segunda-feira, 21 de maio de 2018

A CRÔNICA DO DIA


HOJE É DIA DE... 



O rei da mentira

Dizem que passamos a metade da nossa existência mentindo. E que, com muita frequência, a mentira é necessária. Tão antiga quanto a humanidade, ela faz parte da nossa vida. Está presente nos jornais, nos livros da melhor literatura, em documentos de governo, nos discursos de políticos e, dizem, até na Bíblia.

Há um certo tempo uma pesquisa mostrou que os políticos são os maiores mentirosos. Depois, pela ordem, vieram os jornalistas, os comerciantes e os publicitários. Hoje  por certo teria os mesmos resultados. Certamente ao menos o maior percentual incidiria sobre os políticos. Em São João Batista, apesar de se ter muitos políticos mentirosos, tem-se também mentirosos que não são políticos.

Na maioria das vezes, a mentira não passa de uma bobagem. Mesmo assim, o maior teólogo da Igreja Católica, São Tomás de Aquino, deu-se ao trabalho de classificar a mentira em três espécies ou graus: a divertida, a utilitária e a daninha, capaz de causar graves prejuízos.

O nosso personagem se enquadra na primeira das espécies. Aprígio mentia com arte. Mentia de maneira cômica. Quem o via mentindo, morria de ri, enquanto ele contava de maneira séria suas lorotas. Quando o conheci ele beirava uns sessenta anos ou mais. Já era idoso. Mas sagico o bastante para montar num cavalo e ir até a sede de São João fazer suas compras. Ele se aviava no comércio de meu pai, Zé de Félix. Mas por onde passava deixava a sua marca registrada.

Morava pras bandas do Capim-açu. Era conhecido por demais nas redondezas. Constantemente era requisitado para contar das suas. De maneira que poucos sabiam quando ele de fato estava falando algo que não fosse, gabolice, sofismas, mentiras. Dizia ser amigo íntimo de Fidel Castro, ditador de Cuba, e que até o teria sido companheiro de luta na revolução cubana. Desta amizade e gratidão, o presidente cubano vez por outra mandava buscar e deixá-lo de helicóptero só para prosearem nos jardins do palácio do governo em Honduras. Também contava em suas pilhérias que visitava muito a Guatemala. Tinha também relações internacionais com seus governantes.

Aprígio ganhou fama de mentiroso. Mas nunca ligou pra isso. Quem o contrariasse nas suas falações estaria perdendo tempo, pois aquilo era a sua arte.

Contava que certa vez em andanças pela região amazônica, arrumou serviço numa empresa que abria a Transamazônica, a estrada que ligaria a região ao resto do país. Estava ele ali no acampamento em plena floresta na companhia de mais alguns serviçais, quando foram atacados por uma onça pintada grande e muito feroz.

Seus companheiros foram logo abatidos pelo feroz animal enquanto ele, valente, passou a lutar com a onça. Quando a onça já cansada, afastou-se um pouco, Aprigio se pôs a correr desesperadamente até buscar abrigo dentro de um tronco de uma enorme árvore. Entrou por entre a enorme árvore sempre subindo até acomodar-se. Lá recuperou as forças e quando já imaginava estar livre da onça, ouviu um esturro macabro e ameaçador que vinha da entrada da grande fenda do tronco da árvore. Era a onça que subia devagarinho para seu ninho, exatamente no oco da árvore. Segundo ele, Aprígio, respondera com um grito tão grande ao mesmo tempo em que segurou-se com força em algo que lhe parecera uma corda ou ponta de um cipó que rentia sobre sua cabeça. Ao mesmo tempo sentiu seu corpo ser arremessado para cima em direção a uma claridade que se avistava sobre a copa da grande árvore. Como um furação viu seu corpo ser arremessado ao ser puxado por aquilo em que se segurava. Aquilo lhe tirou do oco dá árvore e das garras da velha onça. Caído a léguas de distância, percebera que fora salvo ao se agarrar ao rabo de uma outra onça, provavelmente um filhote da velha pintada. Dizia que após esta aventura, pediu demissão do serviço e voltou pra casa.

Mentirosos desse grau podem desenvolver múltiplas personalidades. O nosso herói parecia ter muitas. De uma outra vez, o vi no comércio de meu pai. Estava com um filete de sangue a sair pelo canto da sua boca. Perguntei o que teria provocado aquilo. Prontamente respondeu: “Estava eu a descer apressadamente de um helicóptero em meu terreiro, após uma das viagens a Cuba, quando tropecei e caí, ferindo a boca”. Era simples assim.

Também é celebre aquela em que se encontrava numa missa pras bandas de Cajapió. Já era umas quatro horas da tarde. No horizonte formou-se um temporal. Escureceu de repente. Um vento forte anunciava que a chuva vinha com força e sem demora. Aprígio fora aconselhado a tirar os arreios do cavalo e que deixasse a chuva passar. Confiante no seu cavalo, rejeitou o convite. Montou-o e partiu ao mesmo tempo em que já se precipitavam os primeiros pingos da chuva. Aprígio disparou num galope para a sua casa que ficava a cerca de uns dez quilômetros do lugar da missa. A chuva com vento forte também corria atrás do cavalo e do cavaleiro. Por fim após desafiar a natureza, o nosso herói chegara em casa e apenas a garupa do cavalo estava molhada. A chuva continuou o seu curso, derrotada pela rapidez do cavalo de Aprígio.

Não há como negar, o mentiroso é um sujeito inteligente. Aprígio deixou nome na história. Hoje, virou até adjetivo com significação de mentiroso. A muitos que costumam inventar coisas, dá-se logo o nome de Aprígio ou Apriginho. Conheço muitos, mas nenhum com a sagacidade narrativa do velho contador de lorotas.

Como se vê, em qualquer caso, a mentira precisa ser bem contada. Ele era único em nosso lugar. Haverá sempre alguém que vai contar uma que ele contava.

De outra vez, inquiri-lo a contar uma rapinha.
- Não posso – respondeu ele.
- Por que? Perguntei meio preocupado com o semblante sério que ele fizera.
- Estou sem tempo. Vim aqui na sede só comprar um hábito para um criancinha que morreu.
Curioso, perguntei de que então teria morrido a tal criança. Ele respondeu-me já em retirada.
- A menina estava num aniversário e foi encher um balão desses de aniversário e o balão espocou causando a morte na criança.
Fiquei pasmo. Vi ali o quanto ele era mestre na arte de mentir.

Hoje Aprígio não está mais entre nós. Deve estar contando das suas em outro plano, mas ficou na história. E isto é uma verdade!

 (*) Crônica que integra o nosso primeiro livro em fase de construção a ser publicado em breve.


domingo, 20 de maio de 2018

Da Coluna de Jersan

João Batista Azevedo (Interino)


O tiro que saiu pela culatra

Quando o PSDB armou a cama de gato para o PT, após as eleições presidenciais em que o derrotado Aécio Neves, inconformado, começou a questionar na justiça a vitória de Dilma Roussef, que se reelegeu para o segundo mandato, certamente não imaginou que quase quatro anos depois seus alcaides também estivessem com as vísceras à mostra. Certamente imaginaram que forçando a barra e se estruturando nas mídias sociais, colocando aos poucos a população contra o ineficiente governo da presidenta Dilma, estivessem pavimentando a derrocada do PT, como em parte aconteceu, mas que sobretudo ressurgiriam como o maior partido do Brasil, e que seus expoentes da vez seriam realmente capaz de colocar o cambaleante Brasil nos trilhos do desenvolvimento. Enganaram-se redondamente. Colocaram tanta pólvora que o tiro saiu pela culatra. O Aécio Neves tão sujo como pau de galinheiro é hoje carta fora do baralho. Alckmin que posava de homem correto, anda atrapalhado com algumas denúncias também de corrupção no seu governo no Estado de São Paulo. O seu nome como o púlpito dos tucanos não ata nem desata, mesmo no estado que foi governador por quatro mandatos. O PSDB não somente errou no que arquitetou como fez ressurgir a figura de Lula, que se fez candidato, mesmo contra as ameaças e a consolidação de sua prisão. Hoje mesmo preso, Luiz Inácio Lula da Silva, contrariando todas as expectativas, continua imbatível nas pesquisas.


Que tiro foi esse?

O golpe engendrado por Aécio Neves e seus culiados tomou outro rumo e fez ser parida a figura estapafúrdia de Jair Bolsonaro. Na esteira de um discurso moralizador, a figura coronelesca de Bolsonaro foi quem ganhou vida diante da guinada à direita dada pelos tucanos.  O blablabá contra o “bolivarianismo”, o financiamento de “movimentos de rua”, “o sentimento anti-PT”, “anti-Lula” só fez crescer a mais bizarras das criaturas políticas do Brasil moderno. O bumerangue lançado por Aécio atingiu-lhe de morte. Fê-lo descer do céu ao inferno em tempo recorde. Por outro lado, para quem gosta desse estilo de político, Bolsonaro parece ser a coisa autêntica. Representa o antipetismo. É a extrema direita que o PSDB tentava esconder no armário. Para isso, claro, teve-se uma boa ajuda da imprensa e sua demonização contra o PT. De certo é que estamos na iminência de mergulhar num fascismo, não fosse o desbanque e a sistemática desconstrução das figuras de Lula e do PT, cuidadosamente orquestrada por parte daqueles que pensaram o poder para si.


Cafeteira: a fibra de um lutador

O ex-senador Epitácio Cafeteira foi desses políticos que os tempos atuais não produz mais. A exemplo de figuras emblemáticas da nossa política, ele foi mais um que deixou muitas histórias. Cafeteira entrou na política como deputado federal, candidato que foi nas eleições de 1962. Não se elegendo. Ficara na suplência. Assumiu ainda na mesma legislatura por ocasião de licença de seus titulares, neste caso específico José Sarney. Nesta condição, Cafeteira cuidou de propor uma emenda constitucional, dando autonomia política a São Luís e outras capitais. Os prefeitos eram nomeados pelo governador. A proposta foi aprovada e ele já terminou a interinidade na Câmara como candidato a prefeito sob o lema “Prometeu e Cumpriu”, que virou marca de sua gestão na capital.


Cafeteira, o político (I)

Eleito com esmagadora votação, Cafeteira, que assumira papel de opositor e que tinha um discurso hilário e ferino, tratou de impor sua marca. Construiu inúmeros postos de saúde e costumava andar em suas obras e repartições. Ficou célebre também a distribuição de brinquedos pelo Natal para as crianças nos bairros. Sempre simpático Cafeteira caiu no gosto do eleitor da capital e reinou imbatível sempre com esmagadora votação nas eleições a que concorreu. Como Governador, reaproximado desta feita com o então presidente José Sarney, Cafeteira fora eleito com cerca de 80 por cento da votação. Assim que assumiu o cargo de governador do Maranhão, em 1987, Epitácio Cafeteira encontrou um estado falido, devendo o funcionalismo público, fornecedores e prestadores de serviços. Cafeteira chamou inicialmente para a mesa as folhas em atraso e descobriu que a pior situação era dos funcionários lotados no interior. Com a ajuda do governo federal ajustou as finanças do estado, regularizou o calendário de pagamentos dentro do mês e com aumentos reais, progressões e vários outros benefícios. Nesta trajetória também lhe coube os mandatos de deputado federal nas eleições de 1974, 1978 e 1982. Foi senador de 1991 a 199, e de 2007 a 2015.


Cafeteira, o político (II)

O político carismático que arrastava multidões também teve seus momentos inglórios. Quando prefeito logo no início do mandato Cafeteira proibiu a realização de baile de máscaras, o que causou um alvoroço na cidade. Segundo o historiador Nascimento Moraes, muitas damas da alta sociedade   valiam-se   do anonimato e aproveitavam para tirar a desforra e cair na gandaia. Os bailes eram tradicionais e muitos não gostaram, sobretudo os frequentadores da “Gruta de Satã”, do “Bigorrilho”, e do “Berimbau”. A justificativa de moralidade do Cafeteria causou mesmo uma revolta dentre os carnavalescos. Segundo diziam, a proibição do uso de máscaras era para facilitar a identificação de subversivos pelas autoridades policiais. Este fato lhe rendeu sérias dores de cabeça inclusive no trato com a câmara de vereadores que instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar eventuais “irregularidades” em sua administração. Rendeu-lhe também o apelido de “Cafeteira da família dos bules”, dado pelo cronista Stanislaw Ponte Preta que o citou no livro Fepeapá (O Festival de besteiras que assola o país).
Como governador Cafeteira também foi acusado de enterrar 60 milhões numa obra mal entendida até hoje: o aterro do Bacanga.
Para alguns, Cafeteira foi “um déspota esclarecido dos tempos modernos”. Concentrador. “Reluzia o seu incontrolável estrelismo pessoal”, disse Buzar em um dos seus artigos. Em suas gestões nada saia do seu controle. Esse era o jeito sui generis de ser Cafeteira.

Em viagem

Estaremos a substituir o titular desta coluna, o amigo Jersan Araújo, no tempo em que ele estiver ausente de São Luis. O ilustre jornalista estará em breve “tour” pelos Estados Unidos. De volta ao Brasil, também passará alguns dias em sua aprazível Olinda dos Aranhas, em São João Batista. Boas férias, companheiro!

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Cafeteira, uma lenda da política


(*) Ribamar Corrêa

Uma foto divulgada na internet reacendeu o interesse pelo lendário ex-deputado federal, ex-prefeito de São Luís, ex-governador do Maranhão e ex-senador Epitácio Cafeteira, já entronizado na galeria dos mais ativos e mais importantes políticos do Maranhão nos últimos 60 anos, visto por muitos como o grande adversário do ex-presidente José Sarney. A foto mostra Cafeteira no que parece ser um leito hospitalar, sorrindo, tendo ao lado as duas pessoas mais importantes da sua vida: a esposa Isabel Cafeteira e a filha Janaína. O ar de descontração num ambiente tão formal causa a impressão de que, apesar dos problemas de saúde que vem enfrentando na última década seu estado de ânimo continua como sempre, muito elevado e dominando a postura de cidadão, chefe de família e de líder político vitorioso, apesar de alguns tropeços eleitorais.
O agora político aposentado Epitácio Cafeteira Afonso Pereira é uma figura ímpar, não apenas pelo seu desempenho político, mas principalmente pelas adversidades que teve de superar para construir uma carreira incomparável no cenário político do Maranhão, na maior parte do tempo em confronto aberto com José Sarney. Orador ferino com uma incrível capacidade de se comunicar com  a massa, foi suplente de deputado federal em 1962, conseguiu assumir a vaga e, de pronto, apresentou emenda à Constituição Federal restabelecendo a eleição para prefeito de capital, que na época era nomeado pelo governador. Fez uma campanha tão intensa dentro do Congresso Nacional que sua proposta foi aprovada por larga maioria. Essa vitória o colocou no centro da disputa para a Prefeitura de São Luís em 1965 e da qual saiu com uma vitória acachapante sobre o ex-prefeito Ivar Saldanha, apoiado pelo então governador Newton Bello.
O Maranhão vivia uma onda de euforia com a eleição do jovem governador José Sarney. Mas as idiossincrasias da política acabaram por colocar o prefeito de São Luís e o governador do Estado em situação de confronto. Com forte apoio popular e pesando bem cada movimento, Cafeteira se manteve de pé no embate com o governador. A briga chegou a tal ponto que Sarney teria sugerido aos militares a cassação de Cafeteira, que passou um período de duas semanas dentro do Palácio de la  Ravardière disposto a só entregar o cargo num conflito armado. Não aconteceu nem uma coisa nem outra e o prefeito saiu da guerra politicamente mais forte do que entrou.
A oportunidade de dar o troco em José Sarney (Arena) veio na eleição de 1970 para o Senado. Cafeteira (MDB) se candidatou exatamente para disputar a vaga com o ex-governador. A derrota para o Senado foi um golpe duro, que o deixou sem mandato por quatro anos. A reabilitação veio em 1974, 1978 e 1982, três eleições seguidas para deputado federal e com votação crescente a cada pleito.
O grande “pulo do gato” se deu em 1984, quando Sarney, rompido com o regime militar, criou a Frente Liberal e se aliou ao MDB em torno da candidatura de Tancredo Neves a presidente da República. A cúpula do movimento quis Sarney como candidato a vice, mas para isso ele precisava do aval do comando do PMDB no Maranhão. Hábil, Cafeteira não deixou que o então deputado federal Cid Carvalho e o futuro ministro Renato Archer, que junto com ele formavam a trindade pemedebista maranhense, criassem problema e antecipou seu apoio à filiação de Sarney ao PMDB maranhense, saindo do episódio com o compromisso de que, se Tancredo e Sarney fossem eleitos, os dois dariam apoio incondicional à sua candidatura do Governo do Estado. Tudo aconteceu como ele imaginou. Sua candidatura a governador uniu a sua forte liderança pessoal e o prestígio de Sarney no embalo do Plano Cruzado. A campanha o transformou num fenômeno eleitoral, pois pela primeira vez um candidato a governador no Maranhão bateu o patamar de 1 milhão de votos, o que representou quase 80% da votação, deixando o seu adversário, o então senador João castelo, com apenas 20%.
Cafeteira e Sarney conviveram harmonicamente até o último dia do mandato presidencial, tanto que fez questão de descer a rampa do Palácio do Planalto junto com Sarney em meio a vaias e aplausos. As divergências e o novo rompimento vieram com as eleições de 1990, sob a presidência de Fernando Collor, com quem Cafeteira flertou no primeiro momento. Sarney queria ser candidato a senador pelo PMDB do Maranhão. Cafeteira também, e se juntou a Renato Archer e Cid Carvalho, que o apoiaram. Sarney, que previra a reviravolta, usou o Plano B montado no Amapá. Os dois foram eleitos e se mantiveram em campos opostos.  Nos anos 90, Cafeteira amargou duas derrotas eleitorais, ambas para Roseana Sarney. A primeira em 1994, quando os dois foram para o segundo turno e ela o venceu por uma diferença de apenas 18 mil votos, o que ensejou uma briga judicial que não mudou o cenário. A segunda em 1998, quando Roseana Sarney se reelegeu no primeiro turno. Sofreu outra derrota em 2002, quando disputou vaga de senador com João Alberto.
As derrotas seguidas deixaram a impressão de que o caminho do político genial seria a aposentadoria. Ledo engano. Em 2006, surge uma nova aliança com Sarney, que o convidou para ser candidato a senador porque no seu grupo não tinha nome com força para enfrentar João Castelo, este aliado a Jackson Lago. Resultado: Jackson venceu a eleição para governador, mas Cafeteira derrotou Castelo, numa reviravolta espetacular. Cumpriu seu mandato enfrentando sérios problemas de saúde, entre eles um derrame que lhe tirou os movimentos das pernas e o obrigou a usar cadeira de rodas. Mesmo assim, participou da maioria das sessões do seu mandato de oito anos, sendo apontado como um dos senadores mais regulares daquela legislatura.
Político solitário, que sempre confiou mais na sua relação direta com o eleitorado por atos e gestos que muitos identificam como populistas, Epitácio Cafeteira deixou marcas fortes por onde passou como detentor de mandato. Na Prefeitura de São Luís, cuidou de atender a demandas da população mais pobre, o que reforçou a visão quase messiânica de largas faixas do eleitorado. Mas também tomou decisões polêmicas que ensejam críticas até hoje: suspendeu os bailes de máscara durante o Carnaval, uma tradição de São Luís e retirou os últimos bondes que circulavam, na Capital.
Como governador, Cafeteira realizou uma obra, que se não foi grandiosa, também não sofre críticas. Uma das mais importantes foi o Projeto Reviver, no qual foi realizada a grande base que, anos mais tarde, garantiria o título de Cidade Patrimônio Cultural da Humanidade. O governo Cafeteira foi movido por um claro senso de Justiça, pois nele as pessoas mais pobres se sentiram mais seguras, exercitando a cidadania. Para citar apenas um exemplo: como governador ele não permitiu que a Polícia Militar fosse usada para garantir o cumprimento de reintegração de posse em áreas de propriedade duvidosa.
Cafeteira também enfrentou denúncias e acusações, que tentaram colocá-lo no banco dos políticos de trajetória rasurada. Uma reportagem publicada pela revista Isto É em 1990 relatou uma situação que, se verdadeira, ligaria o então ex-governador e candidato a senador a um esquema de corrupção. Cafeteira reagiu com indignação, respondeu politicamente em tom agressivo e, para muitos, demonstrou que estava sendo vítima de uma armação. Enfrentou também o nebuloso Caso Reis Pacheco, que foi acusado de ter mandado dar fim a um funcionário da Vale que num acidente automobilístico matou o seu sogro e grande amigo, vereador Hilton Rodrigues. Localizado no interior do Pará, Reis Pacheco está vivo até hoje e afirma categoricamente que não foi vítima de uma tentativa de assassinato. Também do Caso Reis Pacheco Cafeteira saiu ileso, mantendo intacta sua história pessoal e política.
Além da família, Cafeteira tinha uma paixão: o xadrez, que joga com um grupo fechado de amigos. Seu fascínio por esse jogo é tão forte que ele em alguns momentos bancou, do próprio bolso, temporadas de Mequinho, um dos maiores enxadristas de todos os tempos, no exterior. Era também um homem  de gosto refinado, gostava de roupas bem talhadas, tinha sempre um pente ao alcance da mão e jamais relaxava o nó da gravata. Gostava também de carros de marcas europeias, como a alemã Mercedes. Nunca, porém, foi visto em atitude esnobe.
É esse Cafeteira que saiu da cena política e agora vislumbrava outra conquista: driblar os problemas de saúde para completar um século de vida. Não conseguiu, porém. Morreu aos 93 anos. Sua luta traduziu o clássico refrão da sua música de campanha para governador: “Cafeteira tem a fibra de um lutador. Cafeteira é povo unido, meu governador”.
 (*) Ribamar Corrêa é jornalista e editor do Blog Repórter Tempo. Este texto foi publicado em 06 de Junho de 2015. Republicamos hoje com adaptações.


sábado, 12 de maio de 2018

Carta para minha Dona


Hoje tive coragem para escrever algo sobre você minha mãe, e mais do que isso, escrever para você. E o faço com o coração apertado, os olhos marejantes e inundados num pranto que derrama pra dentro de mim. Mas também estou alegre, pois vi na tua partida, minha mãe, como era uma esposa honrada e justa para com o seu José, meu pai. Aquele 30 de agosto de 2014 nunca mais será esquecido por nenhum de nós teus filhos, familiares, amigos e demais pessoas que os conheceram. Afinal estava ali a partida de vocês. A prova do amor que ultrapassou a própria vida terrena e continuou nas dimensões celestiais. Pois estava escrito nas estrelas...

Vê-la ali naquele leito de UTI, entregue aos cuidados dos médicos, cortava-nos o coração. E já se passavam alguns dias e a sua reação era lenta. Como se a senhora quisesse esperar o desfecho da também cruciante situação de nosso pai, o nosso José, seu esposo. Logo a senhora, sempre atenta à presença de todos que estivessem em sua volta, estava ali aqueles dias num coma calmo, como se dormisse um sono merecido após um dia de muita lida, como nos velhos tempos na nossa velha casa do interior.

Naqueles dias de sucessivas dores, estavas ali separada de nosso pai, por força das circunstâncias, e ele, também naquela UTI, por certo reclamava a dor desta separação momentânea. Escondemos o quanto foi possível a dor de cada um. Mas por certo, o espírito que os unia, com certeza os mantiveram informados de tudo, sem que nós, meros mortais, soubéssemos dos desígnios de Deus.

E assim se fez o mistério da vida e da fé. E o que pra nós fora dor e imensa saudade, para a vida e para os céus fora a prova de que o amor existe e ele é sublime. Nosso pai, chamado às 0ito horas da manhã, certamente não quisera partir sozinho. Teria sido assim? Ou fora avisada pelos anjos e assim também quiseste acompanhar o seu José? O que por certo aconteceu nunca saberemos, mas foi a inconteste prova de uma amor que sobreviverá além desta vida, após à morte.

A dor foi muito grande, imensurável. Não me via perdendo nenhum de vocês, nem a meu pai, nem a senhora. Mas perder os dois assim no mesmo dia, era inacreditável. Mas fora assim a escolha de Deus...

Hoje minha mãe, te escrevo estas palavras para te homenagear neste dia. Para te confortar e te dizer que por aqui, as coisas vão indo como Deus quer. A dor de perdê-los nunca passou e não passará, mas nos refizemos na fé em Deus e na certeza de que tudo fora feito como assim estava determinado, com uma pitada de magia e encanto. Nós, os teus filhos, mantivemos o compromisso de estarmos unidos na fé, e na esperança. E estamos levando a vida, sempre pautados nos ensinamentos que vocês nos deram: o respeito, a honradez, a gratidão e a humildade.

Sabe mãe, tenho muitas outras pra te contar, mas falaremos em oração. Sei também, que como sempre foste bondosa, cuidadosa, estás a cuidar do nosso pai. Não se preocupem em demasia, mas cuidem daí dos nossos destinos aqui na terra. E que a senhora e o nosso pai tenham a luz eterna.

Um grande beijo, minha mãe.
                                                                       Teu filho
                                                                                              João.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

São Luís do meu imaginário: Reminiscências


(*) José Lemos


Você está ouvindo a mais poderosa emissora do Norte e do Nordeste do Brasil. ZYF23, ZYF24, Rádio Difusora do Maranhão. 44° 18′ a Oeste de Greenwich, 2° 32′  ao Sul do Equador. Ondas médias, Curtas e Tropicais...”
           
Era mais ou menos assim que se ouvia no vozeirão empostado de Fernando Sousa, grande locutor maranhense, o anúncio de que estávamos sintonizados na emissora de maior audiência de São Luís, e do Maranhão, do final dos anos sessenta e início dos anos setenta.  As emissões em Frequência Modulada (FM) ainda não haviam chegado à nossa terra. Apenas existiam nos grandes centros do Sudeste do Brasil. Além da Difusora, havia as Rádios Ribamar, Timbira, Gurupi e, bem depois, a Educadora.

            Além de Fernando Sousa, outros radialistas que fizeram história foram Murilo Campelo, que era piauiense (Rádios Atrações MC), Zé Branco, Guioberto Alves, Herbert Fontenelle, Mauro Campos, Rui Dourado, Leonor Filho, Jafer Nunes, Florisvaldo Sousa... Aos domingos às noites tinham as “paradas de sucesso”, onde se ouviam as 40 músicas mais tocadas durante a semana.  Uma cópia de um programa famoso das rádios americanas de então (que ainda existem nos dias de hoje, de nome America Top Forty). Épocas de Beatles, Jovem Guarda. Mas as músicas italianas e francesas também estavam nas “paradas de sucessos”.  Ficou famosa a Equipe 680 que comandava as jornadas esportivas da Difusora. Tinha uma música belíssima que era colocada antes, durante e o final das transmissões esportivas.

            Os times de futebol eram Sampaio Correa, Moto Club, Maranhão Atlético Clube, Vitória do Mar e Nacional. Sampaio, Maranhão e Moto se reversavam nas conquistas dos títulos estaduais. Eu era “boliviano” fanático. Daqueles de assistir aos treinos e saber decorado quem eram os jogadores do meu time. Sampaio e Moto sempre foram os maiores rivais no futebol maranhense. Mas as rivalidades das torcidas se limitavam aos gritos de gol, vaias... Nada de violência de torcidas organizadas. Aliás, essa figura nefasta não existia. É coisa da modernidade...
           
Os cursos ginasiais (últimos quatro anos do atual nível fundamental) e científicos (três anos do atual nível médio) eram feitos no Liceu, Escola Normal (que funcionava às tardes no mesmo prédio do Liceu e era apenas para moças que queriam ser “Normalistas”. Lembram da música do Nelson Gonçalves?) e Escola Técnica. As duas escolas públicas, cujos exames de admissão (espécie de vestibular para entrar no primeiro ano ginasial) eram disputadíssimos. Mas havia também os Colégios Maristas, São Luís, Atheneu. Havia os colégios religiosos. Os católicos eram o Rosa Castro e Sana Teresa (só para moças). O protestante era o Batista que ficava no João Paulo.

            A nossa patota do Liceu era estudiosa. Lá estavam o Herbert de Jesus, que hoje é poeta, escritor, contista. Os que fizeram Medicina: Maneco, Frazão (já falecido), Gualhardo, Gonçalves de Jesus (Espírita). Ivaldo, Pina (Designer). Érico e o Heliomar Scrivner Furtado (Engenheiros Civis). Eu fiz Agronomia em Belém. Todos nós fomos para o Cursinho Pré-Vestibular do Prof. José Maria do Amaral, estágio obrigatório para quem queria conquistar uma vaga nos concorridos vestibulares de então.

            Um detalhe que chama atenção, vendo os fardamentos dos colégios de hoje, eram os uniformes de todas as escolas de então. De muito bom gosto. A do Liceu no Ginásio (que tinha apenas garotos) era toda cinza. A calça tinha vinco azul claro nas laterais das duas pernas. A blusa no curso científico do Liceu era branca, mangas compridas, com dois bolsos com lapelas. Sobre a lapela do bolso esquerdo se liam as iniciais de Colégio Estadual (CE). Desenhado no bolso vinham uma, duas ou três estelas. Todos esses detalhes em azul. O número de estrelas denunciava o “primeiro”, “segundo” ou “terceiro” ano do curso cientifico. No pescoço, uma garbosa gravata azul, com o nó bem dado. Uma elegância só.

            Ao final das manhãs, ao terminarem as aulas, descíamos em patota a “Rua Grande” (Oswaldo Cruz) que era a principal rua do comércio em São Luís. Íamos apanhar os ônibus na Av. Magalhães de Almeida. O meu eu apanhava na esquina do Bazar Ferro de Engomar.  Também desciam as garotas dos demais colégios. Era época das minissaias. Ficávamos na torcida para que “um vento buliçoso”, não apenas “balançasse os cabelos” das garotas, como nos versos da bela Toada “Bela Mocidade” do Poeta Donato do Boi de Axixá, mas que também fosse “generoso” conosco. Íamos à loucura, quando isso acontecia. Bom demais!
            Essa é a São Luís que ficou no meu imaginário. Saí em busca da conquista dos meus sonhos e não mais voltei. Nasci com muita honra no Paricatiua, um belo povoado do município de Bequimão. Mas foi em São Luís que eu me preparei para ganhar e conhecer o mundo. Aí estão as minhas raízes, as minhas lembranças, as minhas primeiras frustrações.... Mas também estão algumas das minhas maiores alegrias da fase juvenil, convivendo com os meus pais, com o meu irmão, com os meus colegas de bairro e de Colégio. Tínhamos consciência 

(*) José Lemos é professor e natural de Bequimão.


domingo, 6 de maio de 2018

EM NOME DE DEUS: A POLÊMICA DAS CAPELANIAS.


Por Abdon Marinho.

Abdon Marinho
NUNCA fui muito ligado à religião. Nascido em família católica pouco praticante e morando num povoado de poucas casas, nenhuma igreja, a frequência aos cultos eram quase nulas. Fui batizado por influência de minha mãe, devota de São Francisco de Assis, que deu-me como padrinhos Absalão e Nazaré, farmacêuticos de Gonçalves Dias.

Como não há mal que não nos traga benefícios, a ausência de uma prática mais efetiva da fé fez-me muito tolerante em relação a todos os credos.
Assim, era comum, no oratório que tínhamos em casa fazermos uma oração e, em seguida, irmos em alguma vizinhança acompanhar um ritual de umbanda que, no nosso povoado, conhecíamos por “terecô”.

E, acreditando e respeitando as diversas formas de fé, aprendi que essa é uma relação pessoal e íntima, sobre a qual não cabe consideração de terceiros. Sendo esta uma das razões de nunca ter escrito sobre essa temática. Uma outra razão é o velho adágio de que sobre religião, futebol, não devemos discutir.

Tal preâmbulo faz-se oportuno diante da necessidade de tratarmos, em caráter excepcional, da tal polêmica de cunho jurídico e político envolvendo o que jocosamente vem sendo apelidado em alguns veículos de comunicação, sobretudo, as redes sociais como: “a farra das capelanias”.

A primeira coisa que entendo importante assentar é que essa, diferente do dizem alguns, não é uma questão religiosa ou de “perseguição” a esta ou aquela denominação. Os que dizem isso, não estão sendo “fiéis” à questão central do tema.

Como sabemos as capelanias – neste caso, as militares –, são instituições seculares e fazem parte da vida castrense, sem exagero podemos dizer, desde sempre.

Trata-se de uma garantia individual consignada na Constituição Federal de 1988, logo no artigo 5º., o que trata das garantias e direitos individuais. Consta lá: “VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;”

Faço, propositadamente, a citação dos dois dispositivos por entender que os mesmos se completam: um diz ser inviolável a liberdade de consciência e crença e o outro assegura que o Estado, nos termos da lei a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.

Por conta do veredicto constitucional, o Brasil possui um acordo diplomático, desde o ano 1989, com a Santa Sé no sentido de garantir um Ordinarato Militar para a prestação de assistência religiosa aos católicos internados nas instituições militares.
Logo, não há que se falar em ilegalidade nas capelanias, pelo contrário, trata-se de uma garantia constitucional que o Estado do Maranhão assegura.

O que acredito tenha atraído a crítica dos opositores e, também, chamado a atenção do Procurador Regional Eleitoral – que apura um possível abuso de poder político por parte do governador que será candidato à reeleição –, seja o excesso de capelanias, ainda mais, quase todas voltadas para às denominações evangélicas.

Pelo que se notícia são dezenas de pastores com salários elevados – dizem, até 21 mil reais –, para prestarem assistência religiosa aos militares (policiais e bombeiros), nos presídios e – noticiou-se –, até na Polícia Civil, que não é entidade de internação coletiva.

Faz sentido o estranhamento, até em face de não termos tomado conhecimento que as autoridades estaduais procuraram a Santa Sé ou o Ordinarato Militar do Brasil em busca de sacerdotes para exercerem tal mister, quando sabemos que, numericamente, a população católica ainda é superior à população das demais denominações evangélicas.

Igualmente, não se soube da nomeação de praticantes da umbanda ou praticantes dos demais cultos afro-brasileiros para as tais capelanias.

Causa ainda mais inquietação nos adversários e mesmo no Ministério Público Eleitoral, sempre preocupado com a lisura e a equidade entre os candidatos, quando aparecem gravações do governador, que será candidato, em eventos religiosos tratando os ministros da fé como cabos eleitorais, elogiando o desempenho deste ou daquele no pleito passado.

Não está dito nas Escrituras que não se pode servir a dois senhores? Logo, ou se serve a Deus ou a causa da política. A situação ganha ares de polêmica ainda maior quando sabemos, por ser público e notório, que o governador integra um partido que, doutrinariamente, se opõe a todas as formas de religião e, em especial, as religiões cristãs.

Tratam-se de incongruências intransponíveis. O Partido Comunista do Brasil - PC do B, partido do qual o governador figura como uma de suas principais lideranças, que como o próprio nome diz, se opõe ideológica e doutrinariamente à fé em Deus e em Cristo.

Nos países comunistas apoiados por ele (PCdoB) não existe permissão para a práticas religiosas ou a mesma é restrita, sendo que na Coreia do Norte, que adota a linha mais dura do comunismo, portar uma Bíblia ou mesmo entrar no país com uma é crime que leva o infrator à prisão ou aos campos de trabalhos forçados.
Na antiga União Soviética, berço inspirador do PCdoB, o Stalinismo, além da proibição da fé, destruiu quase todos os templos religiosos, verdadeiras jóias da arquitetura, de beleza e apelo histórico inquestionáveis.

As pessoas esclarecidas, principalmente as que habitam fora do estado, não compreendem como o governador ou estes líderes religiosos que lhe tercem loas – e aqui não apenas os evangélicos –, ignoram ou fazem pouco caso da verdade histórica – mas ainda atual –, da perseguição doutrinária e física dos regimes comunistas às diversas práticas religiosas.

Ora, temos líderes religiosos, aqui no Maranhão, que apoiam um partido que faz notas de apoios e moções de congratulações a regimes que proíbem a religião, prendem – e até matam –  líderes ... religiosos.

Aí, vemos uma deputada federal que se anuncia pré-candidata ao Senado da República, dizer que as críticas feitas pelos opositores ao excesso de capelanias trata-se de “perseguição” aos evangélicos.

É um espanto a falta de percepção histórica da realidade. A dúvida que paira é se são ignorantes ou espertos em demasia. Como não ficar espantados, também, com um governador comunista que prostrar-se, de joelhos e sob chuva torrencial, para receber benção de pastores evangélicos ou citando parte do livro de Levíticos em inaugurações ou atos oficiais? Levíticos! O livro que traz as lições para redimir os pecadores ou observar nos cultos. E são tantas regras.

Retornando à questão das capelanias, o que tem gerando insatisfação, inclusive de outros líderes religiosos, e atraído críticas de diversos setores da sociedade, não é sua existência. Todos sabemos de sua importância, do seu sentido terapêutico para aqueles que são submetidos a situação de internação.

O que se questiona – e com razão–, é o excesso. Segundo li o Maranhão chegou, no atual governo, a cinquenta capelanias, e há a promessa de amplia-las. O segundo estado em número de capelanias tem apenas cinco. Diversos não tem nenhuma. Mesmo no lúdico mundo das histórias em quadrinhos – primeiro lugar onde ouvi falar em capelania –, não lembro de ter visto nas revistas do “Recruta Zero”, mais que um capelão.

O certo é que se fôssemos dividir o número internos pelo  de capelães daria um número reduzido de assistidos, situação que leva os opositores do governo a suspeitarem que seu real objetivo é mais pecaminoso que celestial.

Seria o caso de indagar se ao invés de termos tantos capelães  custando tanto, se não poderíamos ampliar o número de psicólogos, assistentes sociais, terapeutas, etc.? Estes, claro,  devidamente concursados e ingressando no serviço público pela “porta da frente”.

O que se questiona são critérios para as escolhas destes religiosos para exercerem estas capelanias, os cidadãos reclamam estes critérios, muitos até pensam em largar seus afazeres para se dedicarem à teologia e assim galgarem tais postos, pois o salário é atrativo.

O que se questiona é o porquê destes “ministros da fé”, mais interessados na salvação das almas que dos corpos, não exercerem suas funções sem onerar o estado, já com as finanças combalidas?

O que se questiona é, por que não nomear, sem maiores custos para o estado, pessoas das corporações para exercerem essas capelanias? Decerto, temos, dentro das mesmas, pessoas com capacitação suficiente para isso.
O que se questiona é o impacto que tantas capelanias possam ter nos pilares da vida castrense: a hierarquia e a disciplina. Como “encara” essa realidade um oficial que passou anos “ralando” na carreira para galgar uma promoção, uma melhoria no soldo, diante de pessoas que chegaram “ontem” e já galgaram tais postos e soldos, sem nunca terem “ralado”?

Certamente há um efeito deletério para a corporação que será sentido no médio ou longo prazos. Não imaginava que as corporações ou mesmo os demais ambientes de internação coletiva estivessem tão necessitados de amparo religioso.

Vendo tais situações me socorre a lembrança de antigo político maranhense que certo dia, dirigindo-se a mim, saiu-se com a seguinte tirada: — meu filho, quando veres alguém “rezando” muito pode ter uma certeza: é alguém com muitos pecados.

No caso do “excesso” de capelanias, tenho por mim que estamos diante de muita fé. Ou muitos pecados. Essa resposta teremos com o tempo.
E sendo certo que nada aos olhos de Deus se faz oculto, muitos pecados terão que ser explicados a Ele.

Assim é o que nos ensina o Evangelho de Marcos 4:22: “Porque nada há encoberto que não haja de ser manifesto; e nada se faz para ficar oculto, mas para ser descoberto”.

Abdon Marinho é advogado.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

A CRÔNICA DO DIA


HOJE É DIA DE... 



SÃO GONÇALO E O MEU DIA DE DON JUAN

Nonato Reis

Todo homem, mesmo aqueles propensos à beatificação, tem a sua fase de transgressão. Uma onda de calor toma o corpo de assalto, cai na corrente sanguínea e causa um furor danado. O sujeito se joga no mundo igual cigano, sem parada certa; ou como símio, pulando de galho em galho. É uma vontade de viver tudo ao mesmo tempo, como quem, morto de sede, e com medo que a água se evapore antes de saciá-la, entorna o copo de um só gole. 
Eu, mesmo atrapalhado por uma timidez aguda, também tive o meu momento Don Juan. Mas isso foi há muito tempo. Já havia entrado para a universidade e a minha família acabara de se mudar em definitivo para São Luís. Mesmo assim, ligado às origens, não perdia uma oportunidade de visitar os parentes que deixara no interior. Vieram os Jogos Universitários, cerca de 10 dias sem aulas. Filósofo e Don Juan, meus colegas de faculdade e companheiros inseparáveis, foram curtir o recesso em cidades distintas. O primeiro em Alcântara, o segundo em Santa Inês. Eu me vi como o falcão solitário na imensidão do oceano. Botei a mochila nas costas e alcei voo para o Ibacazinho.
Eu tinha uma garota, cujo namoro já se arrastava por mais de um ano. Gostava dela, mas era uma relação certinha demais e vez por outras eu dava um suspiro e espichava o olhar para a estrada de terra batida. Lá adiante, no lugar chamado Vinagre, ia haver um baile de São Gonçalo, uma festa maravilhosa regida por violão e rabeca, em que os dançarinos evoluem com passos ritmados em sentido horizontal e vertical. Eu amava aquilo, e até hoje, quando tenho oportunidade, não perco um baile desse de jeito nenhum.
A festa de São Gonçalo compreende sete dias de preparação, com ensaios pela manhã, tarde e noite, e a representação no último dia. Dei as caras logo no primeiro ensaio. O dono da festa não me conhecia, mas logo fez amizade comigo e me escalou para ser o fogueteiro, aquele que ativa os rojões, assinalando o início e o final do ensaio. Eu me mudei para a casa dele, e lá era tratado feito um príncipe. 
Café da manhã na rede, lanche na hora certa, banho quente, presentes a toda hora, boas conversas e ótimas companhias.
A propósito, ele tinha uma filha, a Gabriela, que fazia dilatar as pupilas: morena clara, olhos verdes quase castanhos, cabelos compridos. Quando sorria surgiam duas covinhas que se costuma chamar de sinais de beleza.
Meus olhos se encheram por ela. Mas havia um problema que me doía os nervos. Estava noiva de um colega meu que, aliás, foi quem a apresentou para mim. Toda a família apostava na relação, menos eu. 
Dentro de mim começou então uma luta danada entre poder e querer, desejo e razão. Eu descobri logo que devia seguir o coração, mesmo que isso, depois, me custassem lágrimas. Mas era um nó difícil de desatar. Mesmo noiva, Gabriela vivia assediada.
Os homens todos só faltavam se ajoelhar diante dela. Pensei na teoria da diferenciação, e concluí que, se quisesse ter alguma chance, não podia seguir aquele cortejo. Tinha que ser singular, jamais plural.
Me fiz de “ausente” ao seu redor. Passei a me concentrar apenas nos deveres de fogueteiro. No dia do baile, a minha habilidade em soltar fogos já havia conquistado a admiração de meio mundo e eu me via rodeado de mulheres. 
Descobri que ali estava a chave para conquistar o olhar da garota: dar-lhe as costas e penetrar os olhos que me cercavam.
Uma menina bonitinha e provocante colou em mim feito mosca de bolo. Aquilo era demais e eu não podia me fazer de inocente. A namorada adoecera, queimava de febre; sequer fui vê-la. Ela é que veio ao meu encontro no meio da festa. Mas aí era tarde. Eu já flertava com três garotas, cada uma mais bonita que a outra, e nem me lembrava mais que tinha namorada. Entorpecido de festa, até Gabriela eu esquecera, momentaneamente.
Preocupei-me apenas em ser habilidoso a tal ponto que fizesse crer às meninas que eu estava apenas com uma e não com todas ao mesmo tempo. A solução engenhosa que encontrei foi ficar do lado de fora do salão. Sentei-me numa mesa comprida, formada de toras de palmeira, e fiquei ali ouvindo a música a distância. Quando dei por mim estava cercado dos olhares inquisidores das três garotas e mais o da namorada. Elas me fitavam com tal gravidade que seus olhos pareciam lâminas pontiagudas prestes a cortar-me a carne.
- Que papelão, cara! Eu doente e você no bem bom! Nunca pensei que o meu namorado fosse tão galinha. Você não vale nada.
Eu tentei me defender, mas engoli em seco as palavras. As outras meninas também resmungaram algumas coisas que eu não consegui entender, e logo saíram todas, me deixando às voltas com os meus demônios. Do som que animava a festa, a voz de Diana me alcançou em cheio: “Quando é noite de regresso você briga/Por qualquer motivo/Confesso que tenho vontade/ De ir para bem longe/Pra nunca mais te ver”.
Levantei-me decidido a sair dali. Foi quando Gabriela apareceu diante de mim e quis saber para onde eu ia. “Não interessa. Pra mim isso aqui já deu o que tinha que dar. Vou embora”.
- Vai nada! Daqui você não sai. Meu pai não vai deixar, e nem eu. 
Eu estava decidido. “Quem podia me segurar já está noiva e contra isso eu não posso fazer nada”. Aquilo saiu num sopro e quando me dei conta da bobagem que havia dito, não dava mais para retroceder. 
- Essa garota sou eu?
O que eu podia responder? Com raiva, peguei o boné que deixara em cima da mesa, coloquei-o na cabeça com a frente para trás e levantei. Mas ela se colocou na minha frente e falou, me olhando, com as mãos na cintura:
- Se eu topar, você fica?

Nonato Reis é jornalista, poeta e escritor.