(*) Ribamar Corrêa
Uma foto divulgada na internet
reacendeu o interesse pelo lendário ex-deputado federal, ex-prefeito de São
Luís, ex-governador do Maranhão e ex-senador Epitácio Cafeteira, já entronizado
na galeria dos mais ativos e mais importantes políticos do Maranhão nos últimos
60 anos, visto por muitos como o grande adversário do ex-presidente José
Sarney. A foto mostra Cafeteira no que parece ser um leito hospitalar,
sorrindo, tendo ao lado as duas pessoas mais importantes da sua vida: a esposa
Isabel Cafeteira e a filha Janaína. O ar de descontração num ambiente tão
formal causa a impressão de que, apesar dos problemas de saúde que vem
enfrentando na última década seu estado de ânimo continua como sempre, muito
elevado e dominando a postura de cidadão, chefe de família e de líder político
vitorioso, apesar de alguns tropeços eleitorais.
O agora político aposentado Epitácio
Cafeteira Afonso Pereira é uma figura ímpar, não apenas pelo seu desempenho
político, mas principalmente pelas adversidades que teve de superar para
construir uma carreira incomparável no cenário político do Maranhão, na maior
parte do tempo em confronto aberto com José Sarney. Orador ferino com uma
incrível capacidade de se comunicar com a massa, foi suplente de deputado
federal em 1962, conseguiu assumir a vaga e, de pronto, apresentou emenda à
Constituição Federal restabelecendo a eleição para prefeito de capital, que na
época era nomeado pelo governador. Fez uma campanha tão intensa dentro do
Congresso Nacional que sua proposta foi aprovada por larga maioria. Essa
vitória o colocou no centro da disputa para a Prefeitura de São Luís em 1965 e
da qual saiu com uma vitória acachapante sobre o ex-prefeito Ivar Saldanha,
apoiado pelo então governador Newton Bello.
O Maranhão vivia uma onda de euforia
com a eleição do jovem governador José Sarney. Mas as idiossincrasias da
política acabaram por colocar o prefeito de São Luís e o governador do Estado
em situação de confronto. Com forte apoio popular e pesando bem cada movimento,
Cafeteira se manteve de pé no embate com o governador. A briga chegou a tal
ponto que Sarney teria sugerido aos militares a cassação de Cafeteira, que
passou um período de duas semanas dentro do Palácio de la Ravardière
disposto a só entregar o cargo num conflito armado. Não aconteceu nem uma coisa
nem outra e o prefeito saiu da guerra politicamente mais forte do que entrou.
A oportunidade de dar o troco em José
Sarney (Arena) veio na eleição de 1970 para o Senado. Cafeteira (MDB) se
candidatou exatamente para disputar a vaga com o ex-governador. A
derrota para o Senado foi um golpe duro, que o deixou sem mandato por quatro
anos. A reabilitação veio em 1974, 1978 e 1982, três eleições seguidas para
deputado federal e com votação crescente a cada pleito.
O grande “pulo do gato” se deu em
1984, quando Sarney, rompido com o regime militar, criou a Frente Liberal e se
aliou ao MDB em torno da candidatura de Tancredo Neves a presidente da República.
A cúpula do movimento quis Sarney como candidato a vice, mas para isso ele
precisava do aval do comando do PMDB no Maranhão. Hábil, Cafeteira não deixou
que o então deputado federal Cid Carvalho e o futuro ministro Renato Archer,
que junto com ele formavam a trindade pemedebista maranhense, criassem problema
e antecipou seu apoio à filiação de Sarney ao PMDB maranhense, saindo do
episódio com o compromisso de que, se Tancredo e Sarney fossem eleitos, os dois
dariam apoio incondicional à sua candidatura do Governo do Estado. Tudo
aconteceu como ele imaginou. Sua candidatura a governador uniu a sua forte
liderança pessoal e o prestígio de Sarney no embalo do Plano Cruzado. A
campanha o transformou num fenômeno eleitoral, pois pela primeira vez um candidato
a governador no Maranhão bateu o patamar de 1 milhão de votos, o que
representou quase 80% da votação, deixando o seu adversário, o então senador
João castelo, com apenas 20%.
Cafeteira e Sarney conviveram
harmonicamente até o último dia do mandato presidencial, tanto que fez questão
de descer a rampa do Palácio do Planalto junto com Sarney em meio a vaias e
aplausos. As divergências e o novo rompimento vieram com as eleições de 1990,
sob a presidência de Fernando Collor, com quem Cafeteira flertou no primeiro
momento. Sarney queria ser candidato a senador pelo PMDB do Maranhão. Cafeteira
também, e se juntou a Renato Archer e Cid Carvalho, que o apoiaram. Sarney, que
previra a reviravolta, usou o Plano B montado no Amapá. Os dois foram eleitos e
se mantiveram em campos opostos. Nos anos 90, Cafeteira amargou duas
derrotas eleitorais, ambas para Roseana Sarney. A primeira em 1994, quando os
dois foram para o segundo turno e ela o venceu por uma diferença de apenas 18
mil votos, o que ensejou uma briga judicial que não mudou o cenário. A segunda
em 1998, quando Roseana Sarney se reelegeu no primeiro turno. Sofreu outra
derrota em 2002, quando disputou vaga de senador com João Alberto.
As derrotas seguidas deixaram a
impressão de que o caminho do político genial seria a aposentadoria. Ledo
engano. Em 2006, surge uma nova aliança com Sarney, que o convidou para ser
candidato a senador porque no seu grupo não tinha nome com força para enfrentar
João Castelo, este aliado a Jackson Lago. Resultado: Jackson venceu a eleição
para governador, mas Cafeteira derrotou Castelo, numa reviravolta espetacular.
Cumpriu seu mandato enfrentando sérios problemas de saúde, entre eles um
derrame que lhe tirou os movimentos das pernas e o obrigou a usar cadeira de
rodas. Mesmo assim, participou da maioria das sessões do seu mandato de oito
anos, sendo apontado como um dos senadores mais regulares daquela legislatura.
Político solitário, que sempre
confiou mais na sua relação direta com o eleitorado por atos e gestos que
muitos identificam como populistas, Epitácio Cafeteira deixou marcas fortes por
onde passou como detentor de mandato. Na Prefeitura de São Luís, cuidou de
atender a demandas da população mais pobre, o que reforçou a visão quase
messiânica de largas faixas do eleitorado. Mas também tomou decisões polêmicas
que ensejam críticas até hoje: suspendeu os bailes de máscara durante o
Carnaval, uma tradição de São Luís e retirou os últimos bondes que circulavam,
na Capital.
Como governador, Cafeteira realizou
uma obra, que se não foi grandiosa, também não sofre críticas. Uma das mais
importantes foi o Projeto Reviver, no qual foi realizada a grande base que,
anos mais tarde, garantiria o título de Cidade Patrimônio Cultural da
Humanidade. O governo Cafeteira foi movido por um claro senso de Justiça, pois
nele as pessoas mais pobres se sentiram mais seguras, exercitando a cidadania.
Para citar apenas um exemplo: como governador ele não permitiu que a Polícia
Militar fosse usada para garantir o cumprimento de reintegração de posse em
áreas de propriedade duvidosa.
Cafeteira também enfrentou denúncias
e acusações, que tentaram colocá-lo no banco dos políticos de trajetória
rasurada. Uma reportagem publicada pela revista Isto É em 1990 relatou uma
situação que, se verdadeira, ligaria o então ex-governador e candidato a
senador a um esquema de corrupção. Cafeteira reagiu com indignação, respondeu
politicamente em tom agressivo e, para muitos, demonstrou que estava sendo
vítima de uma armação. Enfrentou também o nebuloso Caso Reis Pacheco, que foi
acusado de ter mandado dar fim a um funcionário da Vale que num acidente
automobilístico matou o seu sogro e grande amigo, vereador Hilton Rodrigues.
Localizado no interior do Pará, Reis Pacheco está vivo até hoje e afirma
categoricamente que não foi vítima de uma tentativa de assassinato. Também do
Caso Reis Pacheco Cafeteira saiu ileso, mantendo intacta sua história pessoal e
política.
Além da família, Cafeteira tinha uma
paixão: o xadrez, que joga com um grupo fechado de amigos. Seu fascínio por esse
jogo é tão forte que ele em alguns momentos bancou, do próprio bolso,
temporadas de Mequinho, um dos maiores enxadristas de todos os tempos, no
exterior. Era também um homem de gosto refinado, gostava de roupas bem
talhadas, tinha sempre um pente ao alcance da mão e jamais relaxava o nó da
gravata. Gostava também de carros de marcas europeias, como a alemã Mercedes.
Nunca, porém, foi visto em atitude esnobe.
É esse Cafeteira que saiu da cena
política e agora vislumbrava outra conquista: driblar os problemas de saúde
para completar um século de vida. Não conseguiu, porém. Morreu aos 93 anos. Sua luta traduziu o
clássico refrão da sua música de campanha para governador: “Cafeteira tem a fibra de um lutador.
Cafeteira é povo unido, meu governador”.
(*)
Ribamar Corrêa é jornalista e editor do Blog Repórter Tempo. Este texto foi
publicado em 06 de Junho de 2015. Republicamos hoje com adaptações.
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