Por
Abdon Marinho.
Abdon Marinho |
NUNCA
fui muito ligado à religião. Nascido em família católica pouco praticante e
morando num povoado de poucas casas, nenhuma igreja, a frequência aos cultos
eram quase nulas. Fui batizado por influência de minha mãe, devota de São
Francisco de Assis, que deu-me como padrinhos Absalão e Nazaré, farmacêuticos
de Gonçalves Dias.
Como
não há mal que não nos traga benefícios, a ausência de uma prática mais efetiva
da fé fez-me muito tolerante em relação a todos os credos.
Assim,
era comum, no oratório que tínhamos em casa fazermos uma oração e, em seguida,
irmos em alguma vizinhança acompanhar um ritual de umbanda que, no nosso
povoado, conhecíamos por “terecô”.
E,
acreditando e respeitando as diversas formas de fé, aprendi que essa é uma
relação pessoal e íntima, sobre a qual não cabe consideração de terceiros.
Sendo esta uma das razões de nunca ter escrito sobre essa temática. Uma outra
razão é o velho adágio de que sobre religião, futebol, não devemos discutir.
Tal
preâmbulo faz-se oportuno diante da necessidade de tratarmos, em caráter
excepcional, da tal polêmica de cunho jurídico e político envolvendo o que
jocosamente vem sendo apelidado em alguns veículos de comunicação, sobretudo,
as redes sociais como: “a farra das capelanias”.
A
primeira coisa que entendo importante assentar é que essa, diferente do dizem
alguns, não é uma questão religiosa ou de “perseguição” a esta ou aquela
denominação. Os que dizem isso, não estão sendo “fiéis” à questão central do
tema.
Como
sabemos as capelanias – neste caso, as militares –, são instituições seculares
e fazem parte da vida castrense, sem exagero podemos dizer, desde sempre.
Trata-se
de uma garantia individual consignada na Constituição Federal de 1988, logo no
artigo 5º., o que trata das garantias e direitos individuais. Consta lá: “VI -
é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias; VII - é assegurada, nos termos da lei, a
prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de
internação coletiva;”
Faço,
propositadamente, a citação dos dois dispositivos por entender que os mesmos se
completam: um diz ser inviolável a liberdade de consciência e crença e o outro
assegura que o Estado, nos termos da lei a prestação de assistência religiosa
nas entidades civis e militares de internação coletiva.
Por
conta do veredicto constitucional, o Brasil possui um acordo diplomático, desde
o ano 1989, com a Santa Sé no sentido de garantir um Ordinarato Militar para a
prestação de assistência religiosa aos católicos internados nas instituições
militares.
Logo,
não há que se falar em ilegalidade nas capelanias, pelo contrário, trata-se de
uma garantia constitucional que o Estado do Maranhão assegura.
O
que acredito tenha atraído a crítica dos opositores e, também, chamado a
atenção do Procurador Regional Eleitoral – que apura um possível abuso de poder
político por parte do governador que será candidato à reeleição –, seja o
excesso de capelanias, ainda mais, quase todas voltadas para às denominações
evangélicas.
Pelo
que se notícia são dezenas de pastores com salários elevados – dizem, até 21
mil reais –, para prestarem assistência religiosa aos militares (policiais e
bombeiros), nos presídios e – noticiou-se –, até na Polícia Civil, que não é
entidade de internação coletiva.
Faz
sentido o estranhamento, até em face de não termos tomado conhecimento que as
autoridades estaduais procuraram a Santa Sé ou o Ordinarato Militar do Brasil
em busca de sacerdotes para exercerem tal mister, quando sabemos que,
numericamente, a população católica ainda é superior à população das demais
denominações evangélicas.
Igualmente,
não se soube da nomeação de praticantes da umbanda ou praticantes dos demais
cultos afro-brasileiros para as tais capelanias.
Causa
ainda mais inquietação nos adversários e mesmo no Ministério Público Eleitoral,
sempre preocupado com a lisura e a equidade entre os candidatos, quando
aparecem gravações do governador, que será candidato, em eventos religiosos
tratando os ministros da fé como cabos eleitorais, elogiando o desempenho deste
ou daquele no pleito passado.
Não
está dito nas Escrituras que não se pode servir a dois senhores? Logo, ou se
serve a Deus ou a causa da política. A situação ganha ares de polêmica ainda
maior quando sabemos, por ser público e notório, que o governador integra um
partido que, doutrinariamente, se opõe a todas as formas de religião e, em
especial, as religiões cristãs.
Tratam-se
de incongruências intransponíveis. O Partido Comunista do Brasil - PC do B,
partido do qual o governador figura como uma de suas principais lideranças, que
como o próprio nome diz, se opõe ideológica e doutrinariamente à fé em Deus e
em Cristo.
Nos
países comunistas apoiados por ele (PCdoB) não existe permissão para a práticas
religiosas ou a mesma é restrita, sendo que na Coreia do Norte, que adota a
linha mais dura do comunismo, portar uma Bíblia ou mesmo entrar no país com uma
é crime que leva o infrator à prisão ou aos campos de trabalhos forçados.
Na
antiga União Soviética, berço inspirador do PCdoB, o Stalinismo, além da
proibição da fé, destruiu quase todos os templos religiosos, verdadeiras jóias
da arquitetura, de beleza e apelo histórico inquestionáveis.
As
pessoas esclarecidas, principalmente as que habitam fora do estado, não
compreendem como o governador ou estes líderes religiosos que lhe tercem loas –
e aqui não apenas os evangélicos –, ignoram ou fazem pouco caso da verdade
histórica – mas ainda atual –, da perseguição doutrinária e física dos regimes
comunistas às diversas práticas religiosas.
Ora,
temos líderes religiosos, aqui no Maranhão, que apoiam um partido que faz notas
de apoios e moções de congratulações a regimes que proíbem a religião, prendem
– e até matam – líderes ... religiosos.
Aí,
vemos uma deputada federal que se anuncia pré-candidata ao Senado da República,
dizer que as críticas feitas pelos opositores ao excesso de capelanias trata-se
de “perseguição” aos evangélicos.
É
um espanto a falta de percepção histórica da realidade. A dúvida que paira é se
são ignorantes ou espertos em demasia. Como não ficar espantados, também, com
um governador comunista que prostrar-se, de joelhos e sob chuva torrencial,
para receber benção de pastores evangélicos ou citando parte do livro de
Levíticos em inaugurações ou atos oficiais? Levíticos! O livro que traz as
lições para redimir os pecadores ou observar nos cultos. E são tantas regras.
Retornando
à questão das capelanias, o que tem gerando insatisfação, inclusive de outros
líderes religiosos, e atraído críticas de diversos setores da sociedade, não é
sua existência. Todos sabemos de sua importância, do seu sentido terapêutico
para aqueles que são submetidos a situação de internação.
O
que se questiona – e com razão–, é o excesso. Segundo li o Maranhão chegou, no
atual governo, a cinquenta capelanias, e há a promessa de amplia-las. O segundo
estado em número de capelanias tem apenas cinco. Diversos não tem nenhuma.
Mesmo no lúdico mundo das histórias em quadrinhos – primeiro lugar onde ouvi
falar em capelania –, não lembro de ter visto nas revistas do “Recruta Zero”,
mais que um capelão.
O
certo é que se fôssemos dividir o número internos pelo de capelães daria um número reduzido de
assistidos, situação que leva os opositores do governo a suspeitarem que seu
real objetivo é mais pecaminoso que celestial.
Seria
o caso de indagar se ao invés de termos tantos capelães custando tanto, se não poderíamos ampliar o
número de psicólogos, assistentes sociais, terapeutas, etc.? Estes, claro, devidamente concursados e ingressando no
serviço público pela “porta da frente”.
O
que se questiona são critérios para as escolhas destes religiosos para
exercerem estas capelanias, os cidadãos reclamam estes critérios, muitos até
pensam em largar seus afazeres para se dedicarem à teologia e assim galgarem
tais postos, pois o salário é atrativo.
O
que se questiona é o porquê destes “ministros da fé”, mais interessados na
salvação das almas que dos corpos, não exercerem suas funções sem onerar o
estado, já com as finanças combalidas?
O
que se questiona é, por que não nomear, sem maiores custos para o estado,
pessoas das corporações para exercerem essas capelanias? Decerto, temos, dentro
das mesmas, pessoas com capacitação suficiente para isso.
O
que se questiona é o impacto que tantas capelanias possam ter nos pilares da
vida castrense: a hierarquia e a disciplina. Como “encara” essa realidade um
oficial que passou anos “ralando” na carreira para galgar uma promoção, uma
melhoria no soldo, diante de pessoas que chegaram “ontem” e já galgaram tais
postos e soldos, sem nunca terem “ralado”?
Certamente
há um efeito deletério para a corporação que será sentido no médio ou longo
prazos. Não imaginava que as corporações ou mesmo os demais ambientes de
internação coletiva estivessem tão necessitados de amparo religioso.
Vendo
tais situações me socorre a lembrança de antigo político maranhense que certo
dia, dirigindo-se a mim, saiu-se com a seguinte tirada: — meu filho, quando
veres alguém “rezando” muito pode ter uma certeza: é alguém com muitos pecados.
No
caso do “excesso” de capelanias, tenho por mim que estamos diante de muita fé.
Ou muitos pecados. Essa resposta teremos com o tempo.
E
sendo certo que nada aos olhos de Deus se faz oculto, muitos pecados terão que
ser explicados a Ele.
Assim
é o que nos ensina o Evangelho de Marcos 4:22: “Porque nada há encoberto que
não haja de ser manifesto; e nada se faz para ficar oculto, mas para ser
descoberto”.
Abdon Marinho é advogado.
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