Por Edomir Martins de Oliveira
Aquela placa comemorativa era o símbolo de uma nova inauguração que o prefeito do município estava registrando: - uma bomba que puxava água para distribuição do precioso líquido. - Agora teremos água em abundância, dizia o povo feliz. A solenidade contou logo com discursos de pessoas que não pouparam elogios ao político.
Mas a inauguração tinha outra
finalidade prioritária. A bomba nova, na verdade, atenderia aos anseios do
cerimonial que contratara para o casamento de sua filha a realizar-se na semana
seguinte, que lhe informara ser sabedora da falta d´água no município, e que
sem água seria impossível trabalhar, pois teria muita louça para lavar, copos,
taças, talheres, pratos, panelas, e muito mais.
O prefeito, estrategicamente,
marcou a inauguração da obra em data próxima ao casamento da filha, porque
poderia realizar os festejos deste com verba pública, justificando que era
festa de comemoração de um feito extraordinário para o município: a solução da
escassez de água nas torneiras.
O pai explicou a sua filha, que
fariam a festa em dois salões: o primeiro com decoração na cor champanhe, que
seria o dos convidados das famílias de ambos os noivos, e convidados especiais.
O outro, salão rosa, ficariam os seus eleitores fieis, alguns bem humildes, que
eram potenciais multiplicadores de votos. E a campanha para a sua reeleição se iniciaria
daí a um mês, portanto, pensava o prefeito, esse casamento era uma estratégia
política das mais brilhantes.
Ela, a filha, sabia que quando
envolvia política, os desejos do pai ficavam até mesmo acima dos da família. E,
assim, se resignou e se preocupou com o casamento e tudo que envolvia os
preparativos para o salão na cor champanhe. A organização da festa no salão
rosa não seria responsabilidade dela. Iniciaram-se as entregas dos convites,
acompanhados de um convite menor de identificação, para entrarem no salão de
festas. Os convidados, comentavam pelo convite com que foram honrados, que a
festa deveria ser um encantamento para ninguém colocar defeito. E logo,
confessavam estar felizes por terem sido convidados para um evento tão
importante.
Mais felizes ainda ficavam quando
se detinham no cartãozinho que acompanhava o convite, confeccionados em duas
cores, champanhe e rosa, que lhes garantia a entrada. Então, alguns convidados
conversando entre si, observaram essa diferença em seus convites e surgiu a
pergunta do porquê disso. Muitos diziam que, com certeza, os na cor champanhe
eram para qualificar as pessoas que iriam fazer discurso. Estes foram logo
preparando-os para não serem surpreendidos. Outros diziam que em champanhe eram
os convidados do noivo e em rosa os da noiva.
Eis que chegou o dia da festa!!!
Igreja lotada, Pastor inspiradíssimo e noivos felizes, marcaram um lindo
casamento, muito embora o atraso da noiva tenha passado de uma hora.
Após a bela cerimônia, os
convidados chegaram ao local da recepção, e logo começaram a ver que alguns
eram dirigidos pelo cerimonial para um salão, e outros, para o outro.
Vários convidados do salão rosa
começaram a estranhar porque a banda ficava no salão champanhe, bem como os
noivos e suas famílias. Para o ambiente do salão rosa, o atendimento dos
garçons se limitava a distribuição aos convidados de Chopp, com a espuma
tomando conta de três quartos dos copos descartáveis, cidra, sucos e refrigerantes.
No salão champanhe, eram servidas bebidas tais como uísque, vinho e prosecco,
além de uma equipe de barman para drinques diferenciados.
No salão rosa, os salgadinhos
ficavam em cima da mesa, isto é, frios e sem reposição, enquanto que no champanhe
eram servidos canapés finíssimos e salgados quentinhos.
No salão champanhe, o jantar
tinha ficado definido com pratos a base de filé mignon e camarão, enquanto que
no salão rosa seria servido uma macarronada à bolonhesa e uma galinhada, duas opções
bem fartas, segundo o prefeito.
Contando com os seus eleitores
humildes e muito fieis, ele tinha certeza de que não se rebelariam. Afinal, já
estavam felizes demais com a deferência de terem sido convidados. Fez questão,
por pura gratidão, segundo ele, de colocar caixas de som no salão rosa para que
pudesse chegar até os seus convidados o som da banda com nitidez.
O tranquilizava também o fato dos
salões não se comunicarem e, dessa forma, eles não poderiam fazer comparações,
pois não teriam acesso ao salão champanhe, haja vista que as portas só eram
abertas quando algum convidado mostrava o seu convite diferenciado.
Mas eis que o principal líder comunitário da cidade procurou o prefeito, e insistiu muito para fazer um discurso de cumprimentos aos noivos, que representava a manifestação de apreço que toda a região tinha pelo prefeito e sua família. O político não esperava por isso. Como dizer não? Tentou dissuadir o querido parceiro político da ideia, sem sucesso, pois o discurso havia sio preparado com outros líderes. Na verdade, representava um discurso de toda a base política do prefeito.
E assim não teve jeito. O rapaz
teria que fazer o seu discurso. O prefeito, então, explicou que só poderia ir
ao outro salão o orador e que o som do seu discurso chegaria a todos pelas
caixas; que ele o chamaria no momento certo.
O prefeito apressou-se em ir ao
salão vip para ver o que poderia ajustar para que as diferenças tão gritantes
de tratamento pudessem ser minimizadas durante o discurso.
Os noivos não queriam ouvir
discurso algum. A noiva disse ao pai que
isso seria muito constrangedor, mas para o pai a política sempre estava em
primeiro lugar.
Eis que chega super animado o
orador, conduzido pelo prefeito. A banda parou de tocar para o momento, mas os
copos de drinks sobre as mesas, bem como as delícias servidas, não puderam ser
removidos. Do palco, o orador sentiu também a decoração, a quantidade de
garçons e tudo mais. Ficou muito decepcionado com a gritante diferença de
tratamento. Era por isso que havia duas cores de convites.
O prefeito fez um preâmbulo
apresentando o orador, passando-lhe a palavra. Fez questão de ficar ao seu lado
no palco, pois queria usufruir de todas as honras. Enquanto o político falava,
o orador observava tudo que acontecia no salão. Este era conhecido por ter o
dom da oratória.
Iniciou a sua fala, sem puxar
nenhum papel, e abriu o seu coração em um marcante discurso, parabenizando os
noivos. Falou que a sua voz representava a de todos os demais convidados do
salão rosa, que assim como ele ficaram super felizes pela deferência do
convite. E o prefeito foi ficando todo feliz. Porém, o tom foi mudando, e o
orador foi falando da sua decepção em detectar daquele palco que os convidados
tinham tratamentos desiguais.
Falou que os convites de cor rosa eram para
aqueles de condição social desfavorecida e melhor seria que nenhum deles
houvesse sido convidado. E por aí continuou, em um discurso improvisado,
dizendo da sua decepção, enquanto o prefeito ia suando, ficando pálido,
abaixando a cabeça, - "aqui estamos sendo tratados, neste casamento, como
desiguais, porém, lembre-se, Prefeito, todos somos iguais perante as urnas, de
onde sempre vem a resposta de insatisfação. Prefeito, reflita sobre o que diz a
Bíblia em Tiago 2:9 – “Se, todavia, fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado,
sendo arguido pela lei como transgressores”. – “Corta o som, disse o Prefeito
aos gritos. O orador terminou seu discurso”. Quando o líder voltou ao seu
salão, foi aplaudido de pé pelos presentes, e os convidou a se retirarem ante
aquela humilhante situação. Mas, nem todos o acompanharam, estavam esperando a
galinhada e a macarronada à bolonhesa que seriam servidas. Não iam sair com
fome.
A notícia de como transcorreu o
casamento se espalhou. Consequentemente, o prefeito em baixa, não se reelegeu.
E o orador? Quatro anos depois se candidatou à prefeitura, concorrendo com o
ex-prefeito do casamento e mais quatro candidatos. Ganhou a eleição! Fez uma
brilhante carreira política, se tornando um combativo e respeitado senador da
República, sempre lutando pelos menos favorecidos.
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