segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

CONVITES INDIVIDUAIS E PREFERENCIAIS

 Por Edomir Martins de Oliveira

Aquela placa comemorativa era o símbolo de uma nova inauguração que o prefeito do município estava registrando: - uma bomba que puxava água para distribuição do precioso líquido. - Agora teremos água em abundância, dizia o povo feliz. A solenidade contou logo com discursos de pessoas que não pouparam elogios ao político.

Mas a inauguração tinha outra finalidade prioritária. A bomba nova, na verdade, atenderia aos anseios do cerimonial que contratara para o casamento de sua filha a realizar-se na semana seguinte, que lhe informara ser sabedora da falta d´água no município, e que sem água seria impossível trabalhar, pois teria muita louça para lavar, copos, taças, talheres, pratos, panelas, e muito mais.

O prefeito, estrategicamente, marcou a inauguração da obra em data próxima ao casamento da filha, porque poderia realizar os festejos deste com verba pública, justificando que era festa de comemoração de um feito extraordinário para o município: a solução da escassez de água nas torneiras.

O pai explicou a sua filha, que fariam a festa em dois salões: o primeiro com decoração na cor champanhe, que seria o dos convidados das famílias de ambos os noivos, e convidados especiais. O outro, salão rosa, ficariam os seus eleitores fieis, alguns bem humildes, que eram potenciais multiplicadores de votos. E a campanha para a sua reeleição se iniciaria daí a um mês, portanto, pensava o prefeito, esse casamento era uma estratégia política das mais brilhantes.

Ela, a filha, sabia que quando envolvia política, os desejos do pai ficavam até mesmo acima dos da família. E, assim, se resignou e se preocupou com o casamento e tudo que envolvia os preparativos para o salão na cor champanhe. A organização da festa no salão rosa não seria responsabilidade dela. Iniciaram-se as entregas dos convites, acompanhados de um convite menor de identificação, para entrarem no salão de festas. Os convidados, comentavam pelo convite com que foram honrados, que a festa deveria ser um encantamento para ninguém colocar defeito. E logo, confessavam estar felizes por terem sido convidados para um evento tão importante.

Mais felizes ainda ficavam quando se detinham no cartãozinho que acompanhava o convite, confeccionados em duas cores, champanhe e rosa, que lhes garantia a entrada. Então, alguns convidados conversando entre si, observaram essa diferença em seus convites e surgiu a pergunta do porquê disso. Muitos diziam que, com certeza, os na cor champanhe eram para qualificar as pessoas que iriam fazer discurso. Estes foram logo preparando-os para não serem surpreendidos. Outros diziam que em champanhe eram os convidados do noivo e em rosa os da noiva.

Eis que chegou o dia da festa!!! Igreja lotada, Pastor inspiradíssimo e noivos felizes, marcaram um lindo casamento, muito embora o atraso da noiva tenha passado de uma hora.

Após a bela cerimônia, os convidados chegaram ao local da recepção, e logo começaram a ver que alguns eram dirigidos pelo cerimonial para um salão, e outros, para o outro.

Vários convidados do salão rosa começaram a estranhar porque a banda ficava no salão champanhe, bem como os noivos e suas famílias. Para o ambiente do salão rosa, o atendimento dos garçons se limitava a distribuição aos convidados de Chopp, com a espuma tomando conta de três quartos dos copos descartáveis, cidra, sucos e refrigerantes. No salão champanhe, eram servidas bebidas tais como uísque, vinho e prosecco, além de uma equipe de barman para drinques diferenciados.

No salão rosa, os salgadinhos ficavam em cima da mesa, isto é, frios e sem reposição, enquanto que no champanhe eram servidos canapés finíssimos e salgados quentinhos.

No salão champanhe, o jantar tinha ficado definido com pratos a base de filé mignon e camarão, enquanto que no salão rosa seria servido uma macarronada à bolonhesa e uma galinhada, duas opções bem fartas, segundo o prefeito.

Contando com os seus eleitores humildes e muito fieis, ele tinha certeza de que não se rebelariam. Afinal, já estavam felizes demais com a deferência de terem sido convidados. Fez questão, por pura gratidão, segundo ele, de colocar caixas de som no salão rosa para que pudesse chegar até os seus convidados o som da banda com nitidez.

O tranquilizava também o fato dos salões não se comunicarem e, dessa forma, eles não poderiam fazer comparações, pois não teriam acesso ao salão champanhe, haja vista que as portas só eram abertas quando algum convidado mostrava o seu convite diferenciado.


Mas eis que o principal líder comunitário da cidade procurou o prefeito, e insistiu muito para fazer um discurso de cumprimentos aos noivos, que representava a manifestação de apreço que toda a região tinha pelo prefeito e sua família. O político não esperava por isso. Como dizer não? Tentou dissuadir o querido parceiro político da ideia, sem sucesso, pois o discurso havia sio preparado com outros líderes. Na verdade, representava um discurso de toda a base política do prefeito.

E assim não teve jeito. O rapaz teria que fazer o seu discurso. O prefeito, então, explicou que só poderia ir ao outro salão o orador e que o som do seu discurso chegaria a todos pelas caixas; que ele o chamaria no momento certo.

O prefeito apressou-se em ir ao salão vip para ver o que poderia ajustar para que as diferenças tão gritantes de tratamento pudessem ser minimizadas durante o discurso.

Os noivos não queriam ouvir discurso algum.  A noiva disse ao pai que isso seria muito constrangedor, mas para o pai a política sempre estava em primeiro lugar.

Eis que chega super animado o orador, conduzido pelo prefeito. A banda parou de tocar para o momento, mas os copos de drinks sobre as mesas, bem como as delícias servidas, não puderam ser removidos. Do palco, o orador sentiu também a decoração, a quantidade de garçons e tudo mais. Ficou muito decepcionado com a gritante diferença de tratamento. Era por isso que havia duas cores de convites.

O prefeito fez um preâmbulo apresentando o orador, passando-lhe a palavra. Fez questão de ficar ao seu lado no palco, pois queria usufruir de todas as honras. Enquanto o político falava, o orador observava tudo que acontecia no salão. Este era conhecido por ter o dom da oratória.

Iniciou a sua fala, sem puxar nenhum papel, e abriu o seu coração em um marcante discurso, parabenizando os noivos. Falou que a sua voz representava a de todos os demais convidados do salão rosa, que assim como ele ficaram super felizes pela deferência do convite. E o prefeito foi ficando todo feliz. Porém, o tom foi mudando, e o orador foi falando da sua decepção em detectar daquele palco que os convidados tinham tratamentos desiguais.

 Falou que os convites de cor rosa eram para aqueles de condição social desfavorecida e melhor seria que nenhum deles houvesse sido convidado. E por aí continuou, em um discurso improvisado, dizendo da sua decepção, enquanto o prefeito ia suando, ficando pálido, abaixando a cabeça, - "aqui estamos sendo tratados, neste casamento, como desiguais, porém, lembre-se, Prefeito, todos somos iguais perante as urnas, de onde sempre vem a resposta de insatisfação. Prefeito, reflita sobre o que diz a Bíblia em Tiago 2:9 – “Se, todavia, fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, sendo arguido pela lei como transgressores”. – “Corta o som, disse o Prefeito aos gritos. O orador terminou seu discurso”. Quando o líder voltou ao seu salão, foi aplaudido de pé pelos presentes, e os convidou a se retirarem ante aquela humilhante situação. Mas, nem todos o acompanharam, estavam esperando a galinhada e a macarronada à bolonhesa que seriam servidas. Não iam sair com fome.

A notícia de como transcorreu o casamento se espalhou. Consequentemente, o prefeito em baixa, não se reelegeu. E o orador? Quatro anos depois se candidatou à prefeitura, concorrendo com o ex-prefeito do casamento e mais quatro candidatos. Ganhou a eleição! Fez uma brilhante carreira política, se tornando um combativo e respeitado senador da República, sempre lutando pelos menos favorecidos.

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