Por
Gracilene Pinto
Juca era “moço velho”, como se chama no interior do Maranhão o homem que não casou nem se amancebou. Diziam que o velho havia morado uns meses com uma moça muito bonita para os lados do Pará. Morena carnuda, descendente de índios; cabelos negros longos a descer sobre os peitos firmes e pequenos; cintura fina; coxas fornidas, bunda bem torneada, e se mostrava muito apaixonada por Juca. Porém, logo na primeira viagem que o homem precisou fazer, a mulher sentiu que seria dura a solidão de uma noite inteira sem uma costela a dividir a rede e convidou um sujeito para dormir com ela na própria casa onde morava com o companheiro. Dormiram juntos em uma das redes de Juca.
Em
situações desta natureza, o marido até pode não ser o primeiro a saber, mas
sempre termina sabendo. De um jeito ou de outro. E no caso em pauta, quando
Juca voltou de viagem não faltou quem lhe contasse todo o acontecido.
Juca,
um baixinho valente como o não sei o que diga, ao princípio sentiu vontade de
matar os dois. Ou, pelo menos, de dar uns tabefes na manceba, para que
aprendesse a respeitar cara de homem.
Onde
já se viu, uma sujeita vagabunda daquelas, a quem tirara de uma choupana
miserável e tratara com toda dignidade, como agradecimento lhe enfeitar a testa
com um par de chifres logo na primeira oportunidade, sujando seu nome e ferindo
sua dignidade ao impingir-lhe o epíteto de corno?! Só com sangue é que os
machos de verdade lavavam a honra em casos destes.
Porém,
Juca refletiu melhor. Pensou que se matasse um dos dois, ou os dois, seria
preso e iria estragar sua vida. E porquê? Por causa de uma mulher à toa, que
não lhe merecia sequer um olhar, um pensamento. Por outro lado, nem chegara a
casar-se com a rapariga, afinal. E se não casou, não era marido. Chifre quem
leva é marido, ora bolas! Se não era marido, também não podia ser corno.
Pensando assim, não havia qualquer desonra para ele na traição da sujeita, não
é mesmo?
Então,
como era Juca um homem temente a Deus, de grande religiosidade, daqueles que
não dormem sem rezar o Rosário de Nossa Senhora, pois até mesmo era membro da
Legião de Maria, além de cidadão honrado, seguidor das leis de Deus e dos
homens, mais kelseniano impossível existir, pois para ele o “dura lex sed
lex” era código de honra, pensou melhor e decidiu não fazer nada.
Quer
dizer, não fazer nada, vírgula. Juca tomou uma medida menos drástica.
Simplesmente, mandou a mulher embora e queimou a melhor rede da casa, uma peça
artesanal branca tecida com finíssima linha de algodão, com um varandão enorme
que trazia até o nome do dono no bordado de preenchimento. Verdadeira obra de
arte!
Tempos
depois, ao tomar conhecimento dos fatos, o irmão mais velho de Juca riu muito
caçoando da bobagem do mano em queimar uma obra de arte do tear como aquela.
Mandasse a mulher embora, mas deixasse a rede. Diminuiria o prejuízo.
(Trecho
do livro O QUARTO MARIDO de Gracilene Pinto)
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