sexta-feira, 30 de outubro de 2020

GUARANÁ JESUS: O XAROPE QUE VIROU "SONHO COR DE ROSA"

 Por Nonato Reis

 

O Guaraná Jesus, quem diria! Surgiu de uma tentativa de refrigerante à base de gengibre, amargo para danar. A história de sua criação remete a dois maranhenses, Jesus Noberto Gomes, o legítimo criador; e Sálvio Mendonça, uma espécie de conselheiro. Ambos nasceram praticamente na mesma época. Noberto, em Vitória do Mearim, em 1891; Sálvio, em Viana, em 1892. Norberto veio para São Luís aos 14 anos, à procura de emprego. Sálvio foi para a Bahia estudar Medicina.

O encontro dos dois se deu em São Luís em 1925, quando Norberto já era dono de farmácia e Sálvio, médico recém-formado. Dois anos depois surgia a fórmula que seria disputada por grandes marcas de refrigerantes, e a partir dos anos 2000 se tornou patrimônio da Coca-Cola. O Guaraná Jesus, de tal forma caiu no gosto dos maranhenses, que em São Luís chegou a bater em vendagem a própria Coca-Cola, líder mundial desse segmento.

1905. Ele desembarcou em São Luís, na Rampa Campos Melo, aos 14 anos, “sem dinheiro no banco ou parentes importantes”. Vinha do seu berço de origem, Vitória do Mearim, para, como se diz no interior, “ganhar a vida”. Jesus Norberto Gomes era pobre, não tinha nada, exceto a vontade de crescer e conquistar um lugar no mundo.

Queria trabalhar “em qualquer coisa e ganhar qualquer dinheiro”, como escrevera Sálvio Mendonça em seu livro “História de um menino pobre”. Sálvio, então médico recém-formado, quando conheceu Jesus Norberto, este já era proprietário da Farmácia Sanitária, em cujo laboratório gestaria a fórmula do famoso “Sonho Cor de Rosa”.

Seu primeiro emprego, espécie de zelador e officie-boy, foi na Farmácia César Marques. Lavava vidros, empacotava remédios e os entregava a domicílio. Inteligente, sagaz, com enorme tino empreendedor, em pouco tempo Jesus Norberto aprendeu a manipular as receitas e começou a se familiarizar com os processos de reações químicas em laboratório.

Aos 20 anos, deixou de ser empregado e tornou-se dono do próprio negócio, com a aquisição da Farmácia Galvão, na Rua Grande, que arrematou por três contos e 600 mil réis, dinheiro que economizara durante os seis anos de trabalho duro na farmácia César Marques.

A Farmácia Galvão estava praticamente falida: não tinha estoque, capital de giro, nem freguês, o que exigiu do novo dono suor e determinação.

Jesus Gomes trabalhava dia e noite no preparo de medicamentos injetáveis, cujas encomendas entregava pessoalmente a domicílio, independente de horário, de tempo bom ou ruim. Dor de dente, desarranjo estomacal, cólicas intestinais, o mal que fosse, ele sempre tinha um remédio para combatê-lo, que poderia ser iodo, gaiacol, elixir paregórico, porção de Ravier.


Quando Sálvio conheceu Jesus Noberto e os dois se tornaram amigos, a Farmácia Sanitária já funcionava na Rua de Nazaré, em instalações bem melhores do que as da Rua Grande. Ali Sálvio, a convite de Noberto, montou consultório num pequeno espaço cedido pelo proprietário. Atendia casos de doenças venéreas e problemas gástricos.

Começava a expansão das atividades de Noberto como empreendedor e sua farmácia assumiu ares de indústria farmacêutica, produzindo medicamentos injetáveis em larga escala.

Norberto cresceu como empresário, mas procurou manter um regime de cooperativismo com seus empregados, dando-lhes o direito de participação nos lucros da empresa, o que fazia do empreendimento algo compartilhado por todos. Em 1922, a Farmácia Sanitária já era estruturada com sessões de farmácia, drogaria e laboratório.

Sálvio sugere a Noberto que comece a fabricar águas gasosas e refrigerantes.

Em 1925, num galpão de fundo de quintal, na rua Nina Rodrigues, dá-se início à fabricação de “guaraná, cola-guaraná e gengibre”. "Seu Jesus", como era conhecido, havia comprado uma máquina de gaseificação da Alemanha para fazer magnésia fluida, só que ele não tinha autorização do Ministério da Saúde para preparar esse produto, que já era fabricado pela Farmácia Granado, no Rio de Janeiro.

Então lançou-se na tentativa de produzir um concorrente para o "ginger ale", refrigerante à base de gengibre fabricado na Ingaterra e muito popular no Brasil, especialmente em São Luís. Os primeiros produtos eram quase insípidos e amargavam pra chuchu. Noberto aprimora a fórmula, corrige o sabor. Os filhos dele experimentam e aprovam. Estava criado o embrião da bebida que faria história dentro e fora do Estado.

O Guaraná Jesus é talvez hoje o produto que mais se identifica com o Maranhão. No festival junino de anos atrás, organizado para celebridades no Convento das Mercês, o refrigerante foi a grande estrela do evento, dado de presente aos convidados como marca genuína do Estado. Acabou viralizado nas redes sociais pelo sabor único e inigualável. O que era reserva do Maranhão ganhou ares de preferência universal.

 Nonato Reis é jornalista.

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