terça-feira, 27 de outubro de 2020

27 DE OUTUBRO DE 1965: 55 ANOS DE UMA GRANDE TRAGÉDIA...


O dia era 27 de outubro. O ano era 1965. Uma terça-feira. Naquela tarde-noite muitos eram os passageiros que se dividiram nas três lanchas que estavam ancoradas no Porto de Raposa. Naquela época o Porto de Raposa era um grande escoadouro de mercadorias e um dos mais movimentados da região, pois por ali transitavam muitos dos comerciantes dos municípios de São João Batista, São Vicente de Férrer, Matinha, Cajapió ou mesmo quem estivesse por ali só de passagem e que desejassem chegar até a capital do estado, São Luís, por via marítima.

Naquela terça-feira três lanchas estavam presas aos seus ancoradouros: Fátima, Maria do Rosário e a Lancha Proteção de São José. Todas estavam com suas lotações completas, fato que era comum naqueles tempos. Quase sempre excediam suas capacidades, pois era intensa a movimentação de cargas e passageiros.

Ao zarparem do Porto de Raposa, juntas, seguiram com destino à capital do estado. O enfrentamento do mar aberto era uma tarefa para mestres experientes. A escuridão da noite punha à prova a coragem de quem sabia e de quem nem tinha a ideia do quanto era perigoso aquela travessia. Mesmo assim, entre grunhidos, cacarejos, vozerios e o ensurdecedor barulhos dos motores, a viagem seguia. Até que de repente, não mais que de repente, na altura da localidade Tauá Redondo, já próximo do Porto de Itaqui, em plena baia de São Marcos, a tragédia.

A lancha Proteção de São José chocou-se com uma croa, que na linguagem dos embarcadiços era tão somente arrecifes de pedras. Em questão de minutos a lancha partiu-se, proporcionado a maior tragédia marítima, até hoje, ocorrida no Estado do Maranhão. Mais de uma centena de mortos entre homens,  mulheres e crianças. Poucos foram os sobreviventes. Fora um dia de luto estadual.

Alguns poucos sobreviventes, ainda vivos, estão a lembrar do maior naufrágio da nossa história. Pedrinho Duarte e sua esposa Dona Marinete, que inclusive foi a única mulher a se salvar, perderam a sua primeira filha, que nem tinha ainda dois meses de vida, mas se  salvaram perdidos um do outro. Pedro de Geraldo,  Sandáia, e Quidinho (estes  já falecidos), além também de Batista de Pacherá, são alguns dos que tiveram a sorte do salvamento.

Pedrinho Duarte, mais conhecido como Pepê, ainda morador de São João Batista, certa vez em entrevista narrou momentos da tragédia: “"Eu estava casado recentemente, logo veio minha primeira filha, só que teve algumas complicações de saúde, aí tivemos que levar minha filha e minha esposa a São Luis, já que o sistema de saúde no município era muito precário.  Estavam na embarcação, nós três da família, e alguns amigos que hoje ainda estão vivos, é o caso de Quidinho (já falecido, mas vivo quando da entrevista), Batista e outros... 

Por volta das 23:00 horas alguns dos passageiros já estavam deitados em redes na lancha, só que eu estava distante de Marineth ( sua esposa ), quando ouvir o primeiro barulho forte, tipo um choque com alguma coisa... não demorou muito para ouvir o segundo barulho, foi quando levantei procurando minha filha e a esposa, não olhei mais elas a partir daquele momento, foi desespero total. Pessoas gritando e sem podermos fazer nada, já que era noite. Marineth ao cair na água, conseguiu se apegar em um tonel. Com ela estavam mais cinco homens, agarrados ao mesmo, acredito que eles foram fundamentais para não deixar ela desistir, assim conseguiram chegar ao seco. Das mulheres que estavam na lancha, apenas Marineth sobreviveu ao naufrágio", relembra Pepê.

Continuando o relato, o sobrevivente diz mais: “"Eu estava perdido, sem saber pra onde ir, foi quando Batista chegou próximo de mim, ele sabia nadar melhor do que eu.  Não estava mais conseguindo nadar de cansaço, pedi que ele dissesse a minha família que eu tinha morrido, achava que não ia conseguir sair vivo, mas mesmo assim continuei a nadar na escuridão da noite sem saber ao certo pra onde e deixando pra trás um desespero. De repente vi que meu amigo Batista havia se distanciado de mim, fiquei a vagar sozinho. Teve outro momento que estava nadando em pé, senti um peixe de porte grande passar perto de mim, a água ficou gelada no momento, foi aí que pensei o pior... continuei a nadar sem rumo, por volta das seis horas da manhã tive contato com lama de uma ilha.

Pedrinho continua o relato. "Começamos a resgatar amigos e outras pessoas que se encontravam no local, só que meu pensamento estava na família, a todos que eu olhava, perguntava se tinham visto a minha esposa, Marineth, a resposta era que não. Mas em momento algum, perdi a esperança e sempre achei que ela estivesse viva. Fomos sair na Estiva, lá tive que pedir dinheiro emprestado pra conseguir chegar em São Luis, conseguimos alugar uma Kombi, para transportar as pessoas”.

Em meio a emoção Pedrinho conclui: “Ao chegar no Plantão Central em São Luis, encontrei com uma multidão de pessoas que procuravam informações de possíveis sobreviventes. Estafado e pesaroso fui levado para casa de alguns parentes. Estava na casa de um amigo, foi quando passou um JEEP, coloquei o rosto pra fora da janela, o veículo já estava passando e tinha apenas uma mulher,re conheci que era Marineth, a minha esposa. Chorei e dei mil graças a Deus. Havíamos sobrevivido a essa grande tragédia”

Entre os mortos, uns mais, outros menos conhecidos.  O número exato de vítimas ninguém nunca soube ao certo, pois naqueles tempos não havia lista de passageiros e nenhum controle. Ademais as lanchas transportavam pessoas de outros municípios como São Vicente de Férrer, São Bento e Matinha.

E assim, naquele fatídico fim de noite de terça-feira, de 27 de outubro de 1965, São João Batista chorou seus mortos. Desde então se reverencia a memória daqueles que sucumbiram nas águas da baia de São Marcos, na maior tragédia das embarcações. E já se vão 55 anos.

Na legislatura de 1989 – 1992, por iniciativa do então vereador Zezi Serra, foi sancionada a Lei Municipal que tornou o dia 27 de outubro, dia do naufrágio da lancha Proteção de São José, como feriado municipal.

(Texto original escrito em 2011 e publicado neste Blog. Atualizado e acrescentado de relatos dados em entrevista ao Blog de Jailson Mendes)

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