Por José Sarney
Nos ditados populares, nosso povo cunhou uma expressão para o momento em
que estamos numa situação difícil: no “mato sem cachorro”. Quando vejo as
dificuldades que estão sendo atravessadas pelo Presidente Bolsonaro, acho
que o Brasil está assim.
Estamos enfrentando duas crises: uma, interna, da falta de
recursos, recessão, no trincar da estrutura dos três poderes, Legislativo,
Executivo e Judiciário; a outra, de natureza mais grave, porque
estrutural, de mudança da humanidade, que está passando da sociedade
industrial para a sociedade digital e das comunicações.
Surgem novos
conceitos sobre valores secularmente sedimentados e novas palavras para
defini-los. A mentira é pós-verdade, fake news; novas definições surgem:
modernidade, sociedade líquida (as mudanças são de velocidades imperceptíveis),
a morte da verdade e da democracia representativa, a interlocução, na sociedade
democrática, das redes sociais, enfim, um mundo transformado e não em
transformação.
Na conjuntura, nosso País, saindo do sonho para o feijão, está com
58 milhões de desempregados, entre os que perderam as carteiras assinadas,
os desocupados, os que nunca procuraram empregos e os biscateiros.
Essa é a maior tragédia.
Sem emprego não tem contribuição previdenciária, não tem consumo, não
tem trabalho e, pior, não tem desenvolvimento e caímos na recessão. Esperávamos
que com o novo governo as expectativas melhorassem, os investimentos chegassem,
o Brasil crescesse.
Os otimistas calcularam um modesto crescimento de 3% neste ano. Os
economistas o abaixaram, pouco a pouco, e já está em 1,3%. Nosso Maranhão,
também atingido pela crise nacional, ano passado já cresceu como rabo de
cavalo, para baixo, menos -5,6% (o último ano de crescimento, 2014, foi mais
3,9%). Atualmente o nosso desemprego está mais alto, e apenas pessoas em
desalento — que desistiram de procurar trabalho — já são 560 mil, segundo o
IBGE.
Enquanto esse tsunami derruba tudo, o governo põe todas as
suas fichas na aprovação da Reforma da Previdência, necessária, pois sem
ela em 10 anos não teríamos dinheiro para sustentar os aposentados e nem como
pagá-los. Eu acho que é uma pós-verdade, para usar uma linguagem atual. No meu
governo a Previdência teve superávit em quase todos os anos. Por quê?
Porque o Brasil crescia a 5% ao ano, e o desemprego era em média 3,86%. E
empregados contribuem e dão recursos à Previdência. Assim, nosso maior problema
é crescer, desenvolver. É a experiência do “saber feito”, para citar Camões.
Até hoje não se repetiram os números de crescimento do meu mandato, PIB de
119,20%, e renda per capita de 99,11%. Quem quiser conferir vá na internet e
veja os sites da Fundação Getúlio Vargas e
do Banco Central.
E tudo mais está à espera da Reforma da Previdência, os investimentos
estatais pararam: saúde, educação, energia e transportes intermodais. A
Federação está desintegrada. Os Estados, falidos, uns mais, outros menos. Os
políticos, no paredão, e o Bolsonaro debaixo de uma fuzilaria sem trégua. Numa
síntese disso tudo está o Brasil. Ele é que apanha mais, aqui e lá fora.
Mas eu sou otimista e, quando presidente, afirmei quando veio o
vendaval: o Brasil é maior do que qualquer problema, maior do que o famoso
“abismo”. Nossa força, nossa riqueza, nosso povo vai superar tudo,
sairemos do “mato sem cachorro” e voaremos em “céu de brigadeiro”.
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