segunda-feira, 1 de abril de 2019

PONTE DO SÃO FRANCISCO: ACERTOS E CONTRADIÇÕES


Por Nonato Reis (*)

A Ponte do São Francisco ou ponte Governador José Sarney foi um sonho de gerações. Desde o final do século XIX freqüentava o imaginário de governantes e cidadãos, como marco para ampliar os horizontes de São Luís, então circunscritos ao núcleo histórico e ao corredor Monte Castelo/Olho d’Água. Integrou o Plano de Expansão do engenheiro Ruy Mesquita, lançado em 1958, que por meio dela projetara a cidade moderna. Este artigo tem por base a monografia de Natércia Cristina Freitas Moraes, apresentada em 2006, como pré-requisito para graduação no curso de História, da Universidade Estadual do Maranhão, e contribuições do historiador Joaquim Aguiar.
A primeira tentativa de construir a ponte do São Francisco ocorreu no mesmo ano em que foi lançado o plano de Ruy Mesquita, abastecida com recursos da União.
Por erro de engenharia, porém, o projeto acabou frustrado e as estacas de concreto fincadas na lama do Rio Anil tombaram sob a força das correntezas. Só dez anos mais tarde a idéia seria retomada, dessa vez de forma planejada.
O lapso temporal entre o início das obras da ponte e a sua inauguração em 1970 gerou interpretações diversas, ganhou as páginas dos jornais da época, virou chacota, ensejou vasta literatura. O poeta e escritor Carlos Chagas, talvez o maior cronista maranhense de todos os tempos, escreveria dois livros sobre o tema: “O Discurso da Ponte”, lançado em 1959, e “O caso da Ponte do São Francisco”, cinco anos depois. “Com pincel comprido ou curto,/pinte-a seja como for:/se a ponte é feita de furto,/torne a ponte furta-cor”, imortalizaria em versos o poeta, numa sátira aos diversos governantes que construíram a ponte apenas em falas e fotos para revistas.
No livro “São Luís, cidade radiante”, do arquiteto e urbanista José Antônio Viana Lopes, que será lançado este mês, há uma passagem em que o historiador Carlos Lima refere-se ao episódio como “o escândalo da verba aplicada em hipotética ponte, que não passou de três ou quatro sapatas, tão mal assentadas que a maré deslocou”.
A ponte sobre o Rio Anil constituía o eixo da política modernista de José Sarney, que planejava expandir São Luís para o São Francisco, a Ponta d’Areia e toda a faixa litorânea ao longo da baía de São Marcos. Assim, em 13 de junho de 1968, o jornal O Imparcial noticiava o início das obras interligando a Beira-Mar ao São Francisco, com traçado em concreto de 890 metros de extensão e recursos da ordem de 5 bilhões de cruzeiros antigos.
José Sarney queria algo que simbolizasse a sua filosofia modernizante e a ponte constituía um emblema desse esforço estrutural, tanto que, no início era chamada de “Ponte da Esperança”. Ao ser concluída, o apelo da vaidade pessoal falou mais alto e ela foi batizada com o nome do governador, numa ação cuidadosamente planejada, para consolidar os novos tempos no Maranhão e ligá-los ao seu arquiteto político.
Mais do que expandir os limites físicos da cidade, a ponte tinha o papel de incrementar a fé da população na capacidade realizadora do governo e a prova disso é que jornais da época como O Dia e O Imparcial saudavam-na como um marco do desenvolvimento urbano, da estética e do imaginário progressista. O jornal O Dia, em sua edição de 4 de julho de 1968, assinala em tom ufanista que “será uma das obras mais importantes no setor de urbanização de São Luís”.
A construção era acompanhada no passo a passo pela imprensa e o governador fazia inspeções quase diárias. Quando a construtora Itapoã, responsável pela obra, implantou o último pilar, O Imparcial noticiou o feito, informando que o governador assistira ao acontecimento. Dezenove meses depois, um a menos que o previsto no cronograma, a ponte seria inaugurada em grande estilo, numa festa que ficaria gravada no imaginário da cidade por muitos anos.
Ao dá-la por concluída, Sarney caminhou a pé, com a mulher Marly e as demais autoridades, toda a extensão de concreto, a partir da Beira-Mar até o palanque armado na outra margem do rio, onde se realizou a cerimônia de inauguração. Em seu discurso, usou um tom metafísico. “(a ponte) é a afirmação de todos nós (...), porque quando a maré enchia e quando a maré vazava a ponte do passado (também) vazava”.
No auge da empolgação, como bom orador, recorreu a um viés messiânico. “Conheci o poder e ‘o prover’, como dizia Summer Wells. Sei hoje olhá-lo dos dois lados do rio. Senti e agradeci a Deus, como verdade, aquele poder que Ele deu de dizer: “Faça-se a ponte do São Francisco! E ela se fez!”.
A ponte, como sabemos, não trouxe apenas o progresso para São Luís, mas também as suas contradições. Permitiu a urbanização de um vasto território, até então esparsamente ocupado, mas não promoveu a inclusão dos segmentos pobres que habitavam o mangue ao redor do São Francisco e da Ponta d’Areia.
Canoeiros que faziam a travessia entre o São Francisco e a Beira-Mar ficaram sem a sua fonte de sobrevivência. Pescadores e operários perderam suas casas, demolidas para darem lugar à avenida Marechal Castelo Branco. Até hoje habitam áreas insalubres e marginalizados das políticas públicas. Para esse contingente de excluídos, a “ponte da esperança” permanece como uma promessa vazia, que jamais se cumpriu.

(*) Nonato Reis é jornalista, poeta e romancista.

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