Glauco Humai |
Por Glauco Humai
"Ao invés de renovarem as
práticas, de se disporem a pensar e agir fora de seus nichos em nome do que é
melhor para o país, os nossos atuais representantes insistem em honrar o
compromisso com seus próprios interesses"
A equipe econômica do governo nos brindou, na primeira semana do ano,
com a proposta de uma emenda à Constituição que flexibilizaria um dos baluartes
da administração pública, a chamada “regra de ouro”. Esse princípio determina
que o governo não pode tomar empréstimos acima de sua capacidade de
investimento.
De acordo com o presidente Michel Temer, a alteração se justificaria
porque o Brasil não vai conseguir honrar seus compromissos financeiros por
muito tempo se a Reforma da Previdência não for aprovada. Com a PEC, Michel
Temer e seu sucessor poderiam fazer dívidas para pagar, por exemplo, as
despesas com pessoal, sem, por isso, serem processados por crime de
responsabilidade.
Depois de sofrer reiteradas críticas da imprensa e de especialistas, e
de muito disse-me-disse na própria equipe econômica, o presidente anunciou que
a discussão ficaria para “um outro momento”. Porém, cabem aqui algumas
reflexões sobre o que a mera cogitação da proposta tem a ensinar sobre o atual
modo de funcionamento da política brasileira.
Num atentado à Lei de Responsabilidade Fiscal disfarçado de gestão
econômica, o governo Temer tentou legitimar a mesma prática apontada como
justificativa para o impedimento de sua antecessora. A atitude não revela
apenas a hipocrisia e o oportunismo que guiam um grupo de partidos, liderados
pelo do presidente da República, que há décadas ditam as regras e os rumos do
país.
Revela, sobretudo, a inabilidade técnica e política de resolver o
problema do rombo nas contas públicas – e aqui me refiro não só ao governo. A
falta de recursos é real; quais são as prioridades? Como conter o aumento
crescente das despesas básicas – aumento que hoje supera o crescimento do PIB –
para evitar a necessidade de endividamento?
"Mudar as regras da Previdência é necessário,
como já defendi aqui, mas não é a única solução"
Mudar as regras da Previdência é necessário, como
já defendi aqui, mas não é a única solução. Seria hora de conceder isenção
tributária bilionária às petroleiras, como o governo fez em dezembro, por
exemplo? De desonerar os grandes produtores rurais? Não seria justamente esse o
momento de promover um ajuste fiscal às custas das grandes fortunas?
E que a queda na inflação de 2017, divulgada na
última semana, não nos iluda: de acordo com o economista da Fundação Getúlio
Vargas Samuel Pessôa, publicado em artigo no jornal Folha de S. Paulo, “a ausência de ajuste fiscal nos
recolocará inexoravelmente no abismo inflacionário dos anos 1980”.
Ao invés de renovarem as práticas, de se disporem a pensar e agir fora
de seus nichos em nome do que é melhor para o país, os nossos atuais
representantes insistem em honrar o compromisso com seus próprios interesses.
Propagam práticas nodosas e empurram com a barriga problemas eternos. Os
doentes caídos nos corredores dos hospitais, sem atendimento por falta de
recursos, são o resultado.
A ideia de derrubar a “regra de ouro” denuncia a falta de vínculo com um
projeto de Brasil. Se o que orienta minhas decisões é o compromisso de eleger
os candidatos do meu partido, e em nome disso eu manipulo a legislação para
fazer dívidas que não sei como serão pagas, que espécie de gestor público sou
eu? A quem eu sirvo?
Os
movimentos de renovação política têm sido criticados por apontarem que os
melhores quadros para a mudança estão fora do sistema tradicional. É óbvio que
valorizamos a experiência, tanto que muitos dos nossos membros vêm da gestão
pública. Mas, diante de mais esse exemplo de falta de coerência vindo do
Palácio do Planalto, eu pergunto a vocês: que tipo de escola tem sido a
política brasileira?
Nenhum comentário:
Postar um comentário