domingo, 30 de maio de 2021

CORPO SÃO, MENTE NEM TANTO

 Por José Carlos Gonçalves

 

Em minhas andanças, invariavelmente ministrando aulas e imbuído de tamanha curiosidade, travei conhecimento com algumas crendices e práticas, que vieram somar-se às conhecidas de minha infância e adolescência e que se cristaliza(ra)m num "patrimônio inestimável", principalmente, do "povo baixadeiro".

O início de tudo, assustador, na minha infância, foi eu ser submetido ao sulfato de sódio, às primeiras horas, para que se processasse uma limpeza no corpo, e esperar ... "a reação".  Estava, assim, condenado a "não botar a cara pra fora de casa".  No entanto, o que mais me intrigava era a função infalível da chave da porta principal da casa, guardada firmemente, na mão, com o intuito de evitar o "baldear". Quão horríveis eram aquelas situação e "gororoba"!

Mas ... "há gosto pra tudo", e crenças para todos os gostos!

Fácil, então, é entender por que no nosso cotidiano, "as manias" sucedem-se. E uma das mais comuns, que nos acompanha, a bem da verdade, é o temor/terror de perdemos nossa mãe, por deixarmos a "chinela emborcada"! Quando não muito, pode causar-nos um "baita azar". Logo, é melhor não "se arriscar-se"!

 Nesse amálgama de sensações, encontram-se algumas situações bem pitorescas como uso de "chás de bosta de cachorro e de cu de barata", que "se não matam, engordam".

Um papel de destaque, nesse cenário, têm as crianças (e suas diligentes mães), já que são protagonistas de uma série de "procederes", que se apresentam fantásticos. De forma que se encontram mães desesperadas, "sem saber mais o que fazer" com as suas mijonas. Porém, isso é "moleza": basta que as banhem debaixo de suas "redinhas", quando lavadas e “sorvadas" "à buraçanga", para não mais encharcá-las nas frias madrugadas. Outras mães buscam socorro no pilão, "socando" os seus "pequeninos", por três vezes, às sextas-feiras, visando desencambotar-lhe as pernas. Há as mães que colocam um "pintinho" nas bocas dos rebentos, permitindo, assim, que "desenrolem" a fala. Já as mães, que precisando amansar a brabeza,  dão-lhes um banho com água dormida "ao sereno". Como diziam os mais velhos, "é batata!"

Entretanto, não acabou o "arsenal"! Deparo-me, constantemente, com o "lado" médico-científico, que socorre as mães e salva as crianças, "aos montes". "Um verdadeiro tratado de medicina", em que as mães se apoiam contrita e sabiamente. Assim, cura-se a "rutura do imbigo", passando um pano, um "cueiro", "enroladinho”, por cima do umbigo, e depois o deixando (o pano) debaixo de um "pote". Para acelerar a cicatrização do umbigo, usa-se "a casa do marimbondo", invólucro feito com terra, que em três dias o milagre está feito. Ninguém duvida da infalibilidade da folha de coentro, morna, em forma de "um charutinho”, que, colocada dentro do ouvido, ameniza, se não elimina, os incômodos causados pela otite. Já as crianças, com dor de cabeça, são curadas com o leite e as folhas, "novinhas", de pião roxo, colocados em suas "fontes". As sementes de mamão, sim, senhor, são o melhor antídoto para lombrigas; e a "tosse braba" é curada pelos "bons fluidos" de um cordão feito com pedaços de tamboeira, do milho (...)

Infelizmente, algumas práticas estão desaparecendo com o avanço da tecnologia, que torna cada um de nós um cientista, um incrédulo, um indiferente. Por isso, já não se cospe no fogo, ao degustar a deliciosa melancia, evitando a "enjoada" dor de barriga; nem se toma, em jejum, "mijo" de vaca preta, curando a sufocante asma; nem se "caça" melão de São Caetano, para eliminar a "pira de cachorro"; nem se planta arruda, para,  embebida na cachaça ou tiquira, quebrar o mal olhado, desaparecer com a "izipra", erguer a  espinhela caída, fechar a arca aberta; ou chá de buchinha, com suas mil e duzentas utilidades; ou  ... o uso do  chá do bico do pica-pau!

Bom, isto é assunto para outra crônica!

(*) José Carlos Gonçalves é professor e escritor.