sábado, 2 de junho de 2018

A CRÔNICA DO DIA




HOJE É DIA DE... 


VALDENEZ, O PARCEIRO E CONSELHEIRO DE VADIAGEM

Nonato Reis (*)

Em tempos remotos o Ibacazinho formou uma comunidade genuína pelos laços de sangue. Primos casavam com primas numa espiral de parentesco que varava gerações. Nesse contexto, o coletivo assumia o formato de uma enorme família e mais do que parentes, primos eram como irmãos. Eu, filho único de homem, posso dizer que tive dezenas de irmãos, mesmo que nascidos de pais e mães diferentes, e a todos devoto um carinho especial.
Porém com um deles tive uma convivência maior e as marcas dessa relação carrego até hoje com um misto de cumplicidade e reconhecimento. Valdenez, o Vadico, era filho de Marcos e Mendoca, três anos mais velho do que eu. Foi o meu dileto parceiro de vadiagem e peripécias pelo universo feminino. Éramos como unha e carne. Estávamos sempre juntos em alguma empreitada.
Muito mais experiente com o sexo oposto do que eu, atribuía-se o direito de me dar conselhos e indicar os caminhos que eu devia seguir para conquistar o coração de uma mulher.
Foi ele quem, certa vez, olhando-me com gravidade, corrigiu em mim um grave defeito: “Para com esse negócio de usar palavras melosas, porque isso não cola. Mulher gosta é de homem com atitude. Um pouco cafajeste, mas sem deixar de parecer correto”.
Eu achava que Vadico sabia tudo sobre as mulheres, e isso fazia com que sempre se desse bem em suas incursões. Quando, feliz da vida, dizia-lhe que “ganhara” uma menina, há muito cortejada, ele ria de um modo superior e confidenciava para o meu desencanto: “ah, essa eu já peguei”. Eu só não o mandava à puta que o pariu em respeito a Mendoca, que eu tinha como uma segunda mãe.
Para ele, em assuntos de mulher eu era bobo e inexperiente, no que estava absolutamente certo, e isso o fazia julgar-se no direito de determinar quando e quem eu devia namorar. Ele engatou um flerte com uma bela morena, que apelidou de “Lapiseira Bic” (acho que pelas suas formas longilíneas). Aí cismou que eu tinha que namorar a irmã dela, muito mais bonita. “Vai ser bom, porque a gente faz uma dobradinha, com direito a rodízio”.
Eu ouvia aquelas coisas como se não fosse comigo, interessado que estava em uma de suas irmãs. Era um troço complicado, uma espécie de chove-não-molha, um nó que não atava e nem desatava nunca. Eu não sei por quê, Valdenez não via a relação com bons olhos. Sempre que tocava no assunto com ele, cortava a conversa imediatamente, com um argumento vago: “Cara, esquece minha irmã, ela não é mulher para ti”. Eu insistia: “mas por que, não?” E ele, evasivo: “Por que não, vai por mim”.
Um dia, já cansado daquele samba de uma nota só, decidi agir como homem e selei o namoro com a irmã dele. Não durou uma semana, porque o primo, agindo de forma subreptícia, tratou de “jogar água no chope”. Colocou na minha frente, como isca, uma menina linda, e eu caí feito um peixe. Ele dizia:
- Cara, pega essa garota, que é um colosso; outra igual tu não vai encontrar. Já falei com ela, está tudo certo. É só você chegar e tomar posse do banquete.
Eu argumentava que aquilo não era correto, eu estava comprometido com a irmã dele e queria seguir com o namoro. Ele insistia, como a apaziguar a minha inquietação.
- Fica tranquilo, ela não precisa saber de nada. Vai por mim, mulher não gosta de homem certinho.
Eu fui na dele e quebrei a cara. No dia seguinte, após ‘ficar’ com a garota, a irmã dele já sabia de tudo e me mandou às favas, para o meu desconsolo.
Ele botou na cabeça que eu devia fazer uma incursão pelas casas de luz vermelha da cidade, para ganhar "cancha". 
- Todo homem precisa passar por esse aprendizado entre as coxas de uma puta.
Fomos parar no "Luz da Serra", o maior cabaré de Viana na época, onde ele batia ponto toda semana e tinha a mulher que quisesse. Arranjou-me uma negra, que dizia ser um assombro na cama. Uma noite em claro com ela em um quarto caindo aos pedaços, eu saí de lá mais morto do que vivo.
Fui parar no comércio de Marcos, o pai dele, que quando me viu, ficou espantado.
- Rapaz, o que foi isso? Por onde tu andou?
Respondi que passara a noite com uma mulher, e ele concluiu rápido.
- Na certa tu foste para lá com o bonito lá de casa.
Nem precisei responder. A resposta estava na cara.

Em que pese o vasto leque de conquistas com a mulherada, Valdinez casou ainda jovem e formou uma bela família. Teve três filhos, dois homens e uma mulher, e a maior alegria e prova de amizade ele me deu, quando um certo dia, ao anunciar a concepção do segundo filho, segredou-me ao ouvido. “Te prepara porque esse moleque será teu afilhado”. 
Eu jamais batizei o menino, mas daquele dia em diante seria tratado como “compadre”, além de primo e irmão.
(*) Nonato Reis é Jornalista e Escritor. Natural de Viana, Maranhão.


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