segunda-feira, 2 de abril de 2018

A Crônica do dia


HOJE É DIA DE... 



ROSA FUDÊNCIO, A DEVORADORA

(*) Nonato Reis

Se havia uma palavra para definir Rosa Fudêncio com exatidão essa seria “excesso”. A garota tinha uma predisposição para ultrapassar os limites do permitido. Fosse à mesa de refeições, ao contar uma estória, nas brincadeiras com os meninos ou no confessionário com o padre – sempre exagerava na dose.
Comia que nem um jumento, falava demais, e o que é pior: dizia o que não devia. Era alta, gorda, desengonçada.
Um dia subiu em um pé de cacau e danou-se a comer os frutos da árvore com caroço e tudo. No dia seguinte, na hora marcada do bota-fora, passou sufoco. A cólica era intensa e ela não conseguia se ver livre do inferno que lhe consumia as entranhas. 
Fez uma rápida inspeção no traseiro e viu que havia uma espécie de assoalho de caroços a fechar a saída. O jeito foi usar o dedo indicador como alavanca. E foi abrindo caminho até liberar a passagem do principal, que se esparramou no chão de um jato só.
Foi ao confessionário da igrejinha local e, sem rodeios, avisou ao padre. “Acho que pequei”. O padre pediu que ela contasse o pecado. “O que minha filha andou fazendo de errado?”. E ela, candidamente: “Padre, eu me masturbei na frente de um espelho e repeti três vezes seguidas”. 
Quase sem fôlego, o padre cortou a história. Mandou que ela rezasse dez terços completos e avisou, o dedo em riste: “Nunca mais ceda a esses impulsos, que são coisas do demônio”.
Os mais velhos diziam que Rosa não era gente, tal as traquinagens e maquinações que ela engendrava. Um primo mais novo, de apenas 10 anos, dormia o sono da tarde numa rede de fio de seda, armada na varanda da casa, um velho costume das populações ribeirinhas da Baixada Maranhense. 
Rosa tirou o calção do menino, sem que ele despertasse, amassou algumas pimentas malagueta até formar uma pasta e passou-a no brecoval da criança que, aos berros, correu até o rio e ali ficou de molho até se ver livre do ardume. O reto, porém, de tão inchado não conseguia expelir as fezes e ele teve que passar alguns dias internado no hospital da cidade, para curar a inflamação.
Nem a avó, que ela venerava como mãe, conseguiu escapar do seu veneno. Certa vez, aproveitando a ausência da velha, que fora visitar um parente, Rosa entrou na casa vazia, foi até a cozinha, pegou o bule de café, ainda quentinho, bebeu o seu conteúdo e depois urinou dentro. 
Não satisfeita, mijou a varanda de ponta a ponta, pegou um pedaço de carvão e escreveu no assoalho: “fui eu!”. Ao se deparar com a presepada, a velha não teve dúvida da sua autoria e deu-lhe uma surra com talo de tamarindo, que deixou a bunda da neta em carne viva.
De tanto fazer malvadezas, a própria Rosa beberia o gosto amargo dos seus excessos. Foi muito tempo depois, quando já morava em São Luís e contraiu núpcias. Na noite do casamento, Rosa e o marido danaram-se a fazer sexo. 
Passaram a noite, entraram pelo dia, anoiteceu de novo, amanheceu e os dois em plena atividade. O marido, já só a pele e os nervos, pedia clemência, mas Rosa, ensandecida no cio, não dava trégua.
Foi tanto sexo que a genitália dela inchou até dobrar os grandes lábios. Quando se deu conta, não conseguia mais sequer urinar e foi preciso recorrer a um serviço de urgência, apesar da resistência dela em se expor daquela forma.
O médico, antes de examiná-la, achou graça do seu sobrenome e quis saber a origem, ao que Rosa, incomodada, tratou de encurtar conversa.
- Eu não sei doutor, deve ser coisa dos meus antepassados, mas não foi para falar das minhas origens que vim aqui.
Ao ver o sexo de Rosa, inchado feito uma cuia emborcada, o médico levou um susto.
- O que foi isso, dona Rosa?
Rosa, que era tímida, deu-lhe uma resposta inviezada. 
- Doutor, se o senhor não sabe, eu é que vou saber?
- Mas a senhora não tem nem ideia do que possa ter causado isso?
Rosa tentou dissimular...
- Acho que foi algum inseto, uma formiga, quem sabe? 
E o médico, entre formal e risonho:
- Formiga nada, dona Rosa. Isso foi excesso de fudência.
...
Crônica escrita em 2017, para um segundo livro ambientado no Ibacazinho, ainda sem data para publicação
(*) Nonato Reis, é jornalista, poeta, cronista e romancista.  


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