domingo, 19 de novembro de 2017

A CRÔNICA DO DIA

HOJE É DIA DE...  

MIRREGUE, O PEGADOR!

(*) Nonato Reis

Nonato Reis
Eu participava de uma operação nacional do Projeto Rondon em Mari, um município nos arredores de João Pessoa, na Paraíba. Como a minha função era de supervisão, sobrava-me tempo para conversar com os moradores, conhecer o seu quotidiano, identificar seus personagens. Certo dia um líder comunitário aproximou-se de mim e comentou: pena que você chegou tarde e não conheceu o “Mirregue”.
Levei um susto. “Mirregue?” “O que significa isso?” O cara sorriu e explicou. “Mirregue foi um milagre da espécie macho, o maior pegador que conheci. Ganhou esse apelido ainda na infância. Baixinho e rechonchudo, adorava fazer sexo com animais, de preferência vacas e jumentas". 
Como não conseguia alcançar a altura ideal para a cópula, pedia a ajuda de alguém, dizendo 'mirregue'!, que significa 'me sobe, me levanta'.
Eu caí na risada e quis saber mais sobre o mito. O líder contou-me que a compulsão por sexo o fazia diferenciado. “Dizem que nem Salomão foi páreo para ele. Nunca passou uma noite sem sexo. Teve mais de 2.000 mulheres, e em pelo menos metade delas deixou herdeiros. Quase formou uma cidade só com os seus descendentes. O cara era um reprodutor contumaz. Não havia nada igual”.
Ocorre que o tempo passa para todos, e para ele passou rápido demais. Um dia, sem mais nem menos, o pinto de Mirregue embicou e parou de funcionar. Para ele foi como morrer. Entrou em depressão, deixou de comer, ficou transtornado. Os amigos o aconselharam a procurar um médico, não um médico qualquer, desses que dão consulta toda semana em postos de saúde, porém um especialista do ramo.
Com muito sacrifício conseguiu a consulta e explicou o seu drama ao urologista que, alguns exames depois e meses de espera, receitou-lhe umas pílulas branquinhas, com a recomendação de que não extrapolasse a dose, que devia ser apenas um comprimido antes do ato sexual.
Mirregue, ansioso para ver o companheiro de volta ao batente, ignorou a recomendação do médico e tomou logo cinco cápsulas de uma vez. O efeito foi avassalador. Com o pinto vivíssimo novamente, partiu para descontar o atraso. Pegou a esposa e com ela passou a noite inteira dedicado aos prazeres da carne. No dia seguinte, morta de sono e alquebrada, e vendo o marido naquela danação louca, arrumou as trouxas e abandonou a casa. 
Ele olhou em volta e se deparou com a cunhada, que assistia à cena estupefata. Sem tempo a perder, deitou-a no chão de cimento duro e lançou-se sobre ela. Já no final da tarde, igualmente exausta, a cunhada se desvencilhou das garras de Mirregue e bateu em retirada.
Foi até a cozinha e esbarrou na empregada Tertulina, famosa pelos atributos traseiros, que procurava algum condimento nos armários da pia. Lá pelas tantas da noite, Tertulina, suando em bicas e com as pernas bambas, conseguiu escapar do massacre e correu para a rua, a gritar por socorro. Alguém precisava fazer alguma coisa. Ou amarravam o patrão ou ele colocaria a população feminina da cidade em polvorosa.
Vendo Mirregue de arma em punho, pronto para novas refregas, os vizinhos não tiveram outra saída: enrolaram-no em um lençol e o levaram para João Pessoa, onde passou por uma intervenção cirúrgica para desobstrução dos canais que irrigam o pênis e sustentam a ereção. Mirregue livrou-se do priapismo, mas seu companheiro de jornada sexual aposentou-se, para sempre condenado à flacidez.
De desgosto definhou e viu a morte surgir diante dele. No leito mórbido, às pessoas que o tentavam reanimar, oferecendo-lhe alimento, ele respondia num fiapo de voz: “eu quero é f...”. Depois, já sem voz, quando lhe perguntavam se queria alguma coisa, quem sabe um chá ou uma colherzinha de leite, batia várias vezes com a palma da mão direita na outra mão fechada, num gesto que simboliza o ato sexual.
Já perto do fim, pálido e sem forças, apenas encostava a ponta do dedo indicador de uma mão na entrada do círculo formado pela outra mão, como quem toca cuíca, em resposta sobre se desejava alguma coisa.
Até que os movimentos cessaram e o dedo saliente ficou para sempre enterrado no vão da outra mão. Após sua morte, a casa em que morava virou tapera e palco de assombrações. Tarde da noite, ao passar por ali, as pessoas diziam ver um vulto vestido em uma saia branca a implorar por ajuda: “mirregue!!!”


(*) Nonato Reis, é jornalista, poeta, cronista e romancista nascido em Viana-MA.

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