Nonato Reis*
A Baixada Maranhense é uma região historicamente esquecida das
instâncias de decisão. Hoje bem menos do que no passado, é verdade, porque
agora existe a malha rodoviária que permite a integração física entre as
cidades e os vilarejos com a capital e os demais centros urbanos do País. Antes
tudo eram trevas. Ao descaso dos gestores públicos somava-se o isolamento
geográfico. As ligações com São Luís só se davam por meio de lanchas e vapores,
navegando rios e mares em viagens que duravam até oito dias.
Viramos algumas páginas desse livro sombrio, mas o cerne da questão
permanece: a marginalização política -, como um garrote a condenar ao atraso
aquela vasta região de rios, lagos, campos e florestas, repositório de uma
história belíssima, até hoje contada apenas por esparsos capítulos, frutos da
iniciativa isolada de alguns de seus filhos mais brilhantes.
Antes se dizia que a Baixada precisava eleger representantes nos
parlamentos em São Luís e Brasília, para que assim pudesse ser inscrita no mapa
das políticas públicas do Estado e da União. Nas últimas décadas elegeram-se
dezenas de deputados estaduais e federais egressos da Baixada. Criou-se uma
frente política na Assembleia Estadual em defesa da região. Tivemos até um
Presidente da República, filho de Pinheiro ou São Bento (Sarney afirma ser de
Pinheiro, mas sua biografia conta que ele nasceu num lugarejo pertencente a São
Bento). E em que isso serviu para mudar o horizonte da Baixada?
De concreto, nada. Existe um projeto denominado “Diques da Baixada”,
criado no âmbito do governo federal que, se executado tal como no papel, pode
ser a redenção da região. Um dos maiores gargalos do desenvolvimento regional é
o fenômeno da salinização, que significa o avanço das águas salgadas sobre os
estoques de água doce, que no verão se reduzem drasticamente, permitindo a
contaminação dos lagos, rios e lençóis freáticos, pela água que vem do Golfão
Maranhense, o que gera um rastro de destruição sobre a fauna e a flora
lacustres.
Há também, no âmbito do Estado, uma versão tupiniquim desse projeto,
denominado “Diques de Produção”, que possui objetivos menos ousados, e
compreende a construção de barragens entre tesos próximos um do outro, para
controlar a entrada de água salgada nos rios e lagos. Some-se a isso a
elaboração, pelo governo estadual, de projetos nas áreas de psicultura, pecuária,
agrícola e até de beneficiamento de alguns produtos típicos da região.
De um modo geral, os diques são importantes porque tratam essa questão
de forma científica, fazendo com que a água doce, por meio de um sistema de
comportas, permaneça o ano todo em bom nível nos cursos naturais, em benefício
das populações que residem às margens dos rios e dos lagos e vivem da pesca, da
caça e da agricultura de subsistência. Em que pese os esforços políticos para
alavancar o conjunto de ações previstas, o projeto ainda é visto com
desconfiança.
E por que isso ocorre? Porque falta uma ação conjugada entre poder
público e sociedade – sociedade aqui entendida em sua forma organizada. Não
adianta criar bons projetos se não houver a força intermediadora dos organismos
sociais, que têm o papel de ouvir a população, discutir com ela, encaminhar
propostas e fazer pressão nas diversas instâncias de poder, para que sejam
efetivadas. É assim que as coisas funcionam no regime democrático.
Muitos municípios da Baixada já dispõem de academias de letras, que vejo
como fóruns importantes do conhecimento acadêmico. Mas até aqui elas funcionam
naquele formato anacrônico de reuniões fechadas e improdutivas. É importante
que as academias se reformulem na sua concepção original, e de organismo
estático e ausente passem a atuar como uma força viva da sociedade, criando
ideias, cobrando soluções, fazendo a interlocução com as prefeituras e os
demais poderes.
Também há que se destacar a criação do Fórum em Defesa da Baixada,
formado por luminares de diversas áreas de atuação, todos amantes da região e
dispostos a criar mecanismos que ajudem a melhorar a vida das populações.
Atualmente o Fórum se dedica a desenvolver o projeto de um livro de crônicas,
com temáticas e personagens da Baixada.
A Baixada Maranhense já foi uma região importante nos seus primórdios,
tendo sido alvo da ação de padres jesuítas e aventureiros espanhóis que para cá
vieram – alguns antes mesmo do Descobrimento – atraídos pelos relatos da
existência de minas de ouro ao longo da bacia do Turiaçu. Não por acaso a
missão de Conceição do Maracu, que deu origem à cidade de Viana, instalou-se em
terras do Ibacazinho, como estratégia para explorar o território sob influência
do rio Turiaçu e granjear riquezas.
Assim vejo a Baixada sustentada em dois pilares fundamentais: um de
natureza histórica, importantíssimo; e outro que aponta para o desenvolvimento
de uma região, que por séculos ficou imersa no esquecimento. Como contribuição,
proponho a criação de um Instituto Histórico e Geográfico da Baixada, com a
missão de resgatar esse vasto patrimônio cultural e elaborar políticas que
valorizem e estimulem ações voltadas para o contexto da Baixada Maranhense.
Um exemplo prático seria contatar autores e estudos sobre ícones e
personagens da região, sistematizar esse conhecimento por meio de publicações,
viabilizar a edição de livros, articular com as prefeituras a inclusão de
disciplinas sobre história da Baixada nos conteúdos curriculares das escolas
municipais. Por enquanto o IHGB é uma ideia embrionária, mas que pode criar
formas e ajudar a resgatar esse rico patrimônio para as gerações futuras. Fecho
com “Prelúdio”, a bela música de Raul Seixas. “Um sonho que se sonha
só/é só um sonho só/ mas sonho que se sonha junto é realidade”.
*Jornalista, natural de Viana, na Baixada Maranhense.
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