José Sarney
José Sarney |
O Brasil passa por
uma deformação do regime democrático com o que Nelson Jobim chamou de
judicialização da política, o que dá margem a alegações de politização da
Justiça.
Sem dúvida se vê a cada dia o perigo
que isso significa para o aperfeiçoamento do regime democrático: os partidos
deixam de funcionar como instituições autônomas e independentes, que resolvem
as próprias questões, para submeter-se à Justiça. Ela é chamada para dirimir as
disputas políticas, que são, pela natureza do regime, de competência interna
corporis dos partidos.
Isto levou à deformação de que são
assim tratadas as questões que envolvem alguns partidos, que deviam ser
resolvidas pelas diversas câmaras legislativas e seus regimentos. Diga-se de
passagem que estes são dispositivos estabelecidos pela própria Constituição
(artigos 51, 52 e 57) e com competências por ela definidas.
As consequências deste procedimento
têm sido danosas. Criaram um tipo de democracia em que quem resolve as questões
políticas são os tribunais e a Justiça. Mas é preciso fazer ressalva que quem
criou o modelo foram os partidos políticos, que foram à Justiça – e continuam
indo – para resolver quaisquer controvérsias que existam na interpretação das
regras de sua própria competência.
O resultado é que os partidos não
funcionam e não decidem. E não existe democracia partidária interna – nem dão
margem a que ela exista.
Quando estas questões envolvem o
funcionamento do Congresso Nacional e a vida partidária dentro do Congresso
Nacional, a regra devia ser a solução democrática das maiorias, que, em todo o
mundo, dirimem os conflitos dentro das casas legislativas.
A Suprema Corte não pode ser chamada
para resolver se as galerias devem ser esvaziadas ou não, o que já aconteceu.
Outro absurdo que foi cometido é ela decidir a composição das comissões
partidárias e de inquérito previstas na Constituição, que já foram objeto de
interpretações judiciais no sentido de obrigar à nomeação de membros. Enfim, é
intrusão de toda maneira na interpretação dos regimentos internos.
Renovo a observação de que a
responsabilidade é dos partidos políticos, que demandam os tribunais,
estabelecendo uma nova forma de decisão no funcionamento do Congresso Nacional.
Quantas vezes, como parlamentar vi, ao ser proclamada uma decisão que por
qualquer modo não agradava a um lado, imediatamente a parte não satisfeita
tomar o microfone dizendo que iria recorrer ao Supremo Tribunal Federal.
Tornou-se um hábito resolver juridicamente os incidentes comuns a toda casa
colegiada.
O Congresso Nacional entregou ao
Supremo Tribunal Federal a mais alta responsabilidade do país, a de ser guarda
da Constituição. Portanto sua função deve ser exercer esta guarda, e não
interferir em questões menores, regimentais ou de normas inferiores a lei. Essa
prática é antidemocrática e tem debilitado a democracia brasileira, e muitas
vezes tem criado graves impasses.
Nenhum comentário:
Postar um comentário