sexta-feira, 19 de maio de 2017

O triste fim de um bando de canalhas

Por Caio Fernandes
Francis Bacon é autor de uma frase que costumo usar em momentos históricos como o de hoje, 17 de maio de 2017. Dizia ele que a verdade é filha do tempo e não da imposição.
Nada mais apropriado para o dia em que caiu por terra, definitivamente, a máscara de soberba e hipocrisia que encobria a decrepitude de um sistema político dominado por uma escória que foi capaz de arruinar uma democracia inteira em defesa dos mais inconfessáveis interesses.
Ironia das ironias, foi por medo do mais atual instrumento de tortura da idade moderna, a prisão preventiva indefinida, que os donos da JBS, Joesley e Wesley Batista, proporcionaram a mais avassaladora delação premiada de toda a operação Lava Jato.
Não deixa de haver nesse episódio uma espécie de justiça providencial.
Utilizados como ferramentas medievais na insana busca de argumentos minimamente aceitáveis para incriminar Lula, Dilma e o PT, prisão preventiva e delações foram exatamente os recursos que acabaram por provar a escandalosa conspiração que depôs uma presidenta honesta e perpetuou uma caçada jurídica e midiática de décadas ao maior líder popular desse país. 
Iniciada desde os primeiros minutos em que Dilma Rousseff foi reeleita em outubro de 2014, o conluio capitaneado pelo projeto de poder derrotado nas urnas utilizou-se de todos os meios, instituições inclusive, para minar e inviabilizar o governo reconduzido pelo povo ao poder.
Munidos com o capital do alto empresariado, do jornalismo de guerra da mídia familiar e da justiça cooptada da primeira instância até a mais alta corte, a nata da corrupção política brasileira enganou descaradamente uma parcela significativa da população buscando a desestabilização do governo.
Nada representa melhor o que significou o golpe de Estado sofrido pelo país do que a aceitação do processo de impeachment ter sido feita por um criminoso como Eduardo Cunha. O mesmo que, agora está provado, confabulava com o vice decorativo e sua quadrilha, a tomada violenta do poder.
Poucos messes após uma das mais vergonhosas sessões já vistas na Câmara dos Deputados, o Senado dava cabo de um projeto vitorioso de inclusão social e redução da desigualdade que perdurou por mais de uma década.
Entrou em cena a mais pavorosa malta já reunida no Palácio do Planalto. A truculência, o machismo, a misoginia, a incompetência e a falta de diálogo foram postos em ação para ruir a soberania brasileira em pagamento dos relevantes serviços prestados pelos grandes interesses internacionais.
Em apenas um ano de governo, o Brasil retrocedeu décadas. Ficamos mais pobres, mais desiguais, mais desempregados. Fatiamos e doamos a Petrobrás a empresas internacionais. Condenamos a educação e a saúde a décadas sem investimentos. Perdemos todo o prestígio internacional que conseguimos a duras penas.
Em resumo, um escândalo num dia, um desastre no outro. Quando não os dois. 
A delação dos donos da JBS vem pôr fim a um dos mais obscuros momentos políticos de nossa história. Restou desmoralizado todo o governo Temer, o Supremo Tribunal Federal que foi incapaz de impedir os atos de Eduardo Cunha e a operação Lava Jato que terá agora que lidar, fatalmente, com aqueles a quem tanto tentou proteger. 
Escrevi em 7 de julho de 2016, pouco antes da votação do impeachment no Senado Federal, um artigo intitulado “O desfecho de Temer será ainda pior do que o de Cunha”. 
Não resta dúvidas que esse medíocre que ora rasteja no lamaçal de imundície que ele próprio criou, entrará para a história do Brasil como o político mais odiado de todos os tempos. 
Que a profecia seja cumprida e que este seja o triste fim de uma canalha.

Caio  Fernandes - Economista com MBA na PUC-Rio, Carlos Fernandes trabalha na direção geral de uma das maiores instituições financeiras da América Latina.

quinta-feira, 18 de maio de 2017

“ O cala-boca”

A carne e a Unha (Temer e Cunha)
Era sintomático o silêncio de Eduardo Cunha. Principalmente depois que ele ameaçou jogar “farofa” no ventilador. Disse que derrubaria a República. E está cumprindo, calado ou não.
Como bem indagou o jornalista Ricardo Noblat, por que o silêncio de Eduardo Cunha custa tão caro a Temer? Entre os tantos segredos guardados por Cunha e que, se revelados, seriam capazes de derrubar toda a República, há muito que se desvendar.
“Tem que manter isso, viu?” – disse Temer a Joesley Batista, dono do JBS, depois de ouvi-lo contar que pagava mesada a Eduardo Cunha e ao doleiro Lúcio Funaro, presos em Curitiba, para que não abrissem o bico.
Certo dia, quando Cunha ainda presidia a Câmara dos Deputados e Temer era vice-presidente, os dois se reuniram no Palácio do Jaburu com uma alta autoridade do Banco Central.
Depois dos cumprimentos iniciais e de uma troca de comentários desimportantes, Temer saiu da sala deixando a sós Cunha e a tal autoridade. Só voltou quando a conversa dos dois havia terminado. Sobre o que falaram Cunha e a autoridade do Banco Central? A Lava Jato quer saber.
A preocupação de Temer em manter Cunha calado, mesmo que atrás das grades, deixa bem claro que o ex-presidente da Câmara é um arquivo vivo e sabe de muitos fatos escabrosos da política brasileira, que podem transformar a República num verdadeiro colapso. Acredite, pior ainda que os dias atuais…
Autor da reportagem que revelou a existência de gravações feitas pelo empresário Joesley Batista contra o presidente Michel Temer (PMDB) e o senador Aécio Neves (PSDB-MG), a coluna de Lauro Jardim, do Globo, informa nesta quinta-feira (18) que o dono da JBS contou ter pagado propina de R$ 60 milhões ao tucano em 2014.
https://t.dynad.net/pc/?dc=5550003218;ord=1495116611035Os pagamentos, conforme a coluna, foram feitos por meio de notas fiscais frias a diversas empresas. Joesley também contou que comprou o apoio de vários partidos políticos para apoiar a candidatura de Aécio à Presidência da República naquele ano. O senador chegou ao segundo turno, mas acabou derrotado pela presidente Dilma Rousseff (PT), então reeleita.
Aécio e Zezé Perrela
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai analisar pedido de prisão do senador e do deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR). Joesley gravou conversa com Aécio em que o tucano lhe pede R$ 2 milhões. O dinheiro foi entregue em quatro parcelas de R$ 500 mil a Frederico Pacheco de Medeiros, primo do senador. Além de Frederico, foram presos nesta manhã Andréa Neves, irmã de Aécio, e Menderson Souza Lima, assessor do senador Zezé Perrella (PSDB-MG).
As residências e os gabinetes de Aécio, Perrella e Rocha Loures foram alvo de mandados de busca e apreensão.
Gravações
De acordo com o jornal O Globo, Rocha Loures foi flagrado recebendo R$ 500 mil de Joesley para tratar de assuntos da JBS. Perrella é pai de Gustavo Perrella, apontado como o dono da empresa que recebeu os recursos destinados a Aécio. Um assessor do senador foi identificado como a pessoa que transportou os valores.
Em negociação para acordo de delação premiada, Joesley e seu irmão Wesley entregaram documentos e gravações à Procuradoria-Geral da República e ao ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato. No encontro, segundo o jornal O Globo, Joesley contou a Temer que estava dando a Eduardo Cunha e ao operador Lúcio Funaro – presos em Curitiba – uma mesada para ficarem calados. Diante da informação, Temer incentivou: “Tem que manter isso, viu?”.
Após a revelação do caso, dois pedidos de impeachment foram apresentados contra Temer na Câmara.  Na presença de Joesley, o presidente indicou o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) para resolver um assunto da J&F (holding que controla a JBS). Em seguida, segundo a reportagem, Rocha Loures foi filmado recebendo uma mala com R$ 500 mil enviados pelo empresário goiano.
(Com informações do site Congresso em Foco.)


domingo, 14 de maio de 2017

Moro murcha, Lula cresce

Por Mauricio Dias — 
A politização obsessiva da Lava Jato provou ser prejudicial para os inquisidores da República de Curitiba

As mais recentes pesquisas de opinião, outra vez vantajosas para Lula, acirraram mais o temor dos adversários do metalúrgico representados por parte da população mais endinheirada, tendo como porta-voz a oposição da mídia conservadora

Essa reação nervosa contra Lula tem o apoio, circunstancial, do desempenho dos operadores da Lava Jato, guiados pela tirania imposta pelo juiz Sergio Moro e orientados por certas regras da 13ª Vara Criminal Federal do Estado do Paraná. Em outras palavras, teria sido melhor para os inquisidores se a busca de corruptos e corruptores não tivesse sido politizada. 

Em busca de um meio qualquer e na esperança de ordenar a prisão do ex-presidente, o badalado magistrado às vezes perde as estribeiras com decisões no gênero da exigência da presença de Lula na audiência de todas as 87 testemunhas elencadas pela defesa. Esse estranho confronto com o acusado talvez revele o início de desprestígio de Moro após três anos em cena. 

O metalúrgico e o magistrado vão se encontrar no próximo dia 10 de maio, em Curitiba, quando o ex-presidente for depor. Frente a frente, diria Moro. Cara a cara, Lula replicaria. Até agora o juiz carece de provas “robustas”, como se diz nos corredores da Justiça. 

Moro começa a murchar. Lula, ao contrário, cresce. O ex-presidente não desaparece como pretendiam seus adversários. Ou melhor, inimigos dispostos a destruí-lo. O golpe contra Dilma Rousseff, nota-se agora, resgatou parte dos danos provocados na influência política de Lula ao longo do processo. 

Em parte, isso é explicável. O fortalecimento do ex-presidente, após os possíveis estragos da Lava Jato, contrapõe-se à ascensão de Michel Temer ao poder. Apoiado pelo PSDB, a crise caiu no colo da extrema direita. Jogar a culpa só no governo petista não colou. 

O líder petista tem hoje o maior “potencial de votos” numa projetada disputa pela Presidência da República, em 2018, segundo números do Ibope. A rejeição a ele, embora elevada (51%), caiu 14% desde o golpe e já incluindo nesses números os processos da Lava Jato. Entra nessa história, pela convicção e não pela comprovação, o triplex de Guarujá, cuja propriedade é atribuída a Lula.

O segundo depoimento de Léo Pinheiro, diretor da OAS preso há quase um ano, desdiz o primeiro. Numa suplicante delação, ampliada e melhorada na perspectiva de Moro, ele tentou detonar uma bomba ao afirmar que Lula deu a seguinte ordem a ele: “Se houver provas, destrua”.
Pinheiro não apresentou provas e ainda deixou um rastro de incredibilidade na própria resposta que atribuiu a Lula. Seria mais crível ao soar da seguinte forma: “Se houver provas, rasga essa merda”. 

(*) Maurício Dias é jornalista e escreve para a Revista Carta Capital.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

A MPB de luto

A música brasileira teve nos últimos dias duas grandes perdas. Porém os públicos de um, talvez não fossem do outro. Os estilos eram diferentes. Enquanto um passeava nas composições alheias e aferia os louros de uma carreira glamorosa, o outro cortava fundo na própria carne da poesia. Falo de Jerry Adriani vitimado repentinamente por um câncer pancreático, e de Belchior, vitimado pelo canto que brotava de suas veias e coração poéticos.

Retomo a missão de alimentar o blog com o texto que diz tudo o que eu diria sobre esse fenomenal artista da língua e da música brasileira. 


A arte de Belchior

Por  Jotabê Medeiros

Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, ou simplesmente Belchior comandou uma rebelião silenciosa na música popular brasileira. Uma rebelião contra os totens da geração anterior (Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil), contra as limitações impostas pela ditadura policial, contra a diminuição do papel libertário da juventude na afirmação do futuro, contra os horizontes curtos da poesia musical de deglutição fácil.

Ex-monge capuchinho, ex-estudante de medicina, ele trouxe uma ética rígida de comprometimento e romantismo para a nossa literatura musicada, e ninguém jamais irá tão longe quanto ele, nunca. Primeiro, porque Belchior foi tão distante em seu questionamento que optou pela própria desaparição como sua derradeira obra.

De recursos musicais parcos, Belchior apareceu para a música em 1967, em Fortaleza, no Ceará, arregimentado na faculdade de medicina pelos amigos talentosos (Jorge Mello, Fausto Nilo, Augusto Pontes, Fagner, Amelinha) para as fileiras da música. Tocava um violãozinho limitado, conhecia Luiz Gonzaga e Cego Aderaldo, assim como Ray Charles e Beatles. Tinha, contudo, um componente delirante: a filosofia católica, que tinha estudado como frade no Mosteiro de Guaramiranga entre 1963 e 1966.

Seus embates entre a culpa católica e o visionarismo libertário fizeram dele o maior poeta de sua geração. Como Rimbaud e William Blake, que ele amava, atravessou territórios entre a alma e o corpo para forjar sua obra, que é inigualável.

Belchior viveu em festas faustosas e morou em canteiro de obras. Fascinou Elis Regina e também Raul Seixas. Enfrentou a exceção democrática com os versos mais duros e guerrilheiros que a MPB conheceu, mas que eram tão finos que os censores nem entenderam direito. Debateu com Caetano Veloso e foi ao Congresso em busca de melhores condições de pagamentos de direitos autorais.

Seus discos-chave são os três primeiros: "Mote & Glosa", "Alucinação" e "Coração Selvagem". Nesses três discos, exercitou as qualidades que o distinguiriam para sempre. "Mote & Glosa" é a experimentação mais vanguardística aplicada à tradição regional, ao pó do sertão. "Alucinação" é a visão do Dylan caboclo, é a transcriação da folk music em uma estrutura de romantismo suburbano. "Coração Selvagem" é o manifesto libertário, o rompimento com as amarras sociais.

Belchior viveu entre o Rio e São Paulo, estabelecendo-se nesta última. Foi o primeiro a fazer uma canção como se deve para a metrópole que abraçou, a pauliceia. Chama "Passeio", está no seu primeiro disco.

Produziu discos nos Estados Unidos ("Todos os Sentidos" e "Era Uma Vez um Homem e o Seu Tempo"), brigou de faca com seu grande antípoda musical, Fagner, amou muitas mulheres e foi cortejado como sex symbol pela indústria musical. “Mas a mulher, a mulher que eu amei, não não pode me seguir, não”. Almejou tornar-se independente da indústria e construiu suas próprias gravadoras (Paraíso Discos) e estúdio (Camerati). Fracassou.

Não houve artista mais fora dos trilhos do que Belchior na música brasileira. Foi o grande outsider da canção, até Raulzito era mais gregário do que ele. Fez canções concretistas em 1967, 1968. Falou de psicanálise, futebol, Fernando Pessoa, João Cabral de Melo Neto, Dante Alighieri, Drummond. Em suas canções, nada disso soa blasé, forçado, é tudo orgânico, macio, encaixado. Belchior nunca foi papudo - são famosos os versos de "Velha Roupa Colorida" nos quais ele cita Poe, Beatles e Luiz Gonzaga de uma tacada só.

A grandeza de sua poesia movimentou teses de doutoramento, acendeu a chama em artistas jovens do Brasil todo, que abraçava como parceiros, como Gracco (compositor de "Coração Alado") e até artistas de outros quadrantes, como Arnaldo Antunes e Aguilar, de São Paulo. Mas, em toda sua trajetória, o desejo de desaparecer, o inconformismo com os rumos da vida coletiva e também a individual marcavam seus versos. Cumpriu-se uma profecia. Como ele disse, na canção "Depois das Seis" (do disco "Objeto Direto"):

“Até logo. Eu vou indo.
Que é que eu estou fazendo aqui?
Quero outro jogo
Que este é fogo de engolir”

Do UOL