sábado, 30 de setembro de 2017

A CRÔNICA DO DIA

HOJE É DIA DE... 


INÁCIO, O JAPA!

(*) Nonato Reis

Nonato Reis
Ainda hoje, quase quarenta anos depois, não consigo conter uma onda de riso sempre que me lembro de Inácio. Eu o conheci no primeiro ano do ensino básico. Chegara de Viana recentemente, onde terminara o curso ginasial, e me preparava para dar início a um novo ciclo de estudos. O colégio ficava no Bairro de Fátima e a turma, em pouco tempo, ganharia projeção dentro e fora dos muros da escola, pelas armações e trapalhadas que ocorriam frequentemente em sala de aula.
De todos os alunos Inácio era o mais canalha, capaz de arquitetar as tramas mais ousadas, como a que culminou com a queda literal da professora de educação moral e cívica sobre a mesa posta na frente das carteiras, que chamava de posto de observação, e fora preparada, ardilosamente, por ele para desabar justo na hora em que ela sentasse sobre o móvel. A professora, baixinha, atarracada e braba, costumava sentar na mesa, sempre que aplicava provas, para que, em um plano mais elevado, pudesse observar quem tentava colar.
Inácio descobriu que as peças da mesa eram apenas encaixadas. Então as juntou de tal forma que bastava uma pressão maior sobre elas para que desintegrassem o conjunto. Jamais esqueci a imagem da professora de pernas para o alto, toda desengonçada, para o delírio da turma. E depois o diretor assomando na sala, vermelho de raiva, louco para saber quem havia sido o autor daquela trama. Como todos se mantivessem em silêncio, impingiu à turma inteira três dias de suspensão que, longe de representar uma punição, fora recebida como prêmio.
Inácio era um negro alto e forte. Tinha as mãos e os pés enormes. Usava cabelo black power (que à época se penteava com um garfo, em forma de pente), calça boca de sino e tamancos de salto. Sua maior proeza era falar ou fazer as coisas mais absurdas e se manter sério, o olhar grave, como se nada de anormal houvesse acontecido.
Para o meu azar, achou de dividir a carteira dupla comigo. Assim, ele aprontava e eu, que tinha o riso solto, acabava assumindo a culpa. A professora de química era uma loira alta, do tipo tanajura. Usava calças justas que realçavam ainda mais o traseiro imenso. Quando passava por nossa carteira, a bunda quase roçando o meu braço, Inácio pegava uma espécie de palmatória de madeira, que guardava no interior da carteira, e ameaçava bater na bunda da professora, levando a turma a uma sonora sessão de riso.
A professora imediatamente se virava, para saber de quem partira a “gracinha”. Inácio se mantinha impassível feito estátua, ao passo que eu gargalhava e a custo evitava botar os bofes pela boca de tanto rir. Então, o dedo em riste sobre mim e a cara enfezada de general, bradava: “rua, seu moleque!”. Eu deixava a sala com o sangue fervendo, mas não sem antes apontar o dedo para Inácio e ameaçá-lo: “tu me pagas, filho da puta!”.
E acabou que de tanto aprontar, o dia de Inácio chegou. Foi numa tarde em que o professor de Física, encharcado de álcool até a tampa, faltou ao expediente, deixando a turma entregue à própria sorte. 
No meio da algazarra, alguém apontou para a bunda de Inácio e gritou: “negão, tu estás sem cueca!”. Inácio não se deu por achado e ainda colocou lenha na fogueira. “Meu irmão, o termo certo não é “está sem”, porque na verdade eu não uso mesmo. Cueca só serve para esconder o pinto. Eu não tenho por que esconder”.

Luíza, uma garota debochada, que assistia à cena, interveio,
- Eu acho que tu mentes, Inácio. Eu só acredito vendo. 
A turma entrou num clima de suspense, logo desfeito por Inácio que, resoluto, baixou a calça até o joelho, escancarando as partes íntimas.
Foi uma gritaria dos diabos. Os homens assobiavam e riam. Parte das mulheres tratou de sair da turma; outra parte, estupefata, cobria os olhos. A exceção foi Luíza que, calma, os braços cruzados, fitou o ventre de Inácio, como que decepcionada.
- Poxa, Inácio, eu que pensei que tu eras todo grande ... Isso é pinto que se apresente? Parece prego de japonês.
A turma foi ao delírio, e Inácio, pela primeira vez abatido, subiu as calças, sem saber aonde pôr a cara. Na mesma hora colei nele um aposto e para sempre ficaria conhecido como “Inácio, o japa”.
(*) Nonato Reis é jornalista, poeta e cronista, natural de Viana, Maranhão.


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