HOJE É DIA
DE...
INÁCIO, O JAPA!
(*) Nonato Reis
Nonato Reis |
Ainda hoje, quase quarenta anos depois, não
consigo conter uma onda de riso sempre que me lembro de Inácio. Eu o conheci no
primeiro ano do ensino básico. Chegara de Viana recentemente, onde terminara o
curso ginasial, e me preparava para dar início a um novo ciclo de estudos. O
colégio ficava no Bairro de Fátima e a turma, em pouco tempo, ganharia projeção
dentro e fora dos muros da escola, pelas armações e trapalhadas que ocorriam
frequentemente em sala de aula.
De todos os alunos Inácio era o mais canalha,
capaz de arquitetar as tramas mais ousadas, como a que culminou com a queda
literal da professora de educação moral e cívica sobre a mesa posta na frente
das carteiras, que chamava de posto de observação, e fora preparada, ardilosamente,
por ele para desabar justo na hora em que ela sentasse sobre o móvel. A
professora, baixinha, atarracada e braba, costumava sentar na mesa, sempre que
aplicava provas, para que, em um plano mais elevado, pudesse observar quem
tentava colar.
Inácio descobriu que as peças da mesa eram
apenas encaixadas. Então as juntou de tal forma que bastava uma pressão maior
sobre elas para que desintegrassem o conjunto. Jamais esqueci a imagem da
professora de pernas para o alto, toda desengonçada, para o delírio da turma. E
depois o diretor assomando na sala, vermelho de raiva, louco para saber quem
havia sido o autor daquela trama. Como todos se mantivessem em silêncio,
impingiu à turma inteira três dias de suspensão que, longe de representar uma
punição, fora recebida como prêmio.
Inácio era um negro alto e forte. Tinha as
mãos e os pés enormes. Usava cabelo black power (que à época se penteava com um
garfo, em forma de pente), calça boca de sino e tamancos de salto. Sua maior
proeza era falar ou fazer as coisas mais absurdas e se manter sério, o olhar
grave, como se nada de anormal houvesse acontecido.
Para o meu
azar, achou de dividir a carteira dupla comigo. Assim, ele aprontava e eu, que
tinha o riso solto, acabava assumindo a culpa. A professora de química era uma
loira alta, do tipo tanajura. Usava calças justas que realçavam ainda mais o
traseiro imenso. Quando passava por nossa carteira, a bunda quase roçando o meu
braço, Inácio pegava uma espécie de palmatória de madeira, que guardava no
interior da carteira, e ameaçava bater na bunda da professora, levando a turma
a uma sonora sessão de riso.
A
professora imediatamente se virava, para saber de quem partira a “gracinha”.
Inácio se mantinha impassível feito estátua, ao passo que eu gargalhava e a
custo evitava botar os bofes pela boca de tanto rir. Então, o dedo em riste
sobre mim e a cara enfezada de general, bradava: “rua, seu moleque!”. Eu
deixava a sala com o sangue fervendo, mas não sem antes apontar o dedo para
Inácio e ameaçá-lo: “tu me pagas, filho da puta!”.
E acabou que de tanto aprontar, o dia de
Inácio chegou. Foi numa tarde em que o professor de Física, encharcado de
álcool até a tampa, faltou ao expediente, deixando a turma entregue à própria
sorte.
No meio da algazarra, alguém apontou para a bunda de Inácio e gritou: “negão,
tu estás sem cueca!”. Inácio não se deu por achado e ainda colocou lenha na
fogueira. “Meu irmão, o termo certo não é “está sem”, porque na verdade eu não
uso mesmo. Cueca só serve para esconder o pinto. Eu não tenho por que
esconder”.
Luíza, uma garota debochada, que assistia à cena,
interveio,
- Eu acho que tu mentes, Inácio. Eu só acredito vendo.
- Eu acho que tu mentes, Inácio. Eu só acredito vendo.
A turma entrou num clima de suspense, logo desfeito por
Inácio que, resoluto, baixou a calça até o joelho, escancarando as partes
íntimas.
Foi uma gritaria dos diabos. Os homens assobiavam e riam.
Parte das mulheres tratou de sair da turma; outra parte, estupefata, cobria os
olhos. A exceção foi Luíza que, calma, os braços cruzados, fitou o ventre de
Inácio, como que decepcionada.
- Poxa, Inácio, eu que pensei que tu eras todo grande ...
Isso é pinto que se apresente? Parece prego de japonês.
A turma foi ao delírio, e Inácio, pela primeira vez
abatido, subiu as calças, sem saber aonde pôr a cara. Na mesma hora colei nele
um aposto e para sempre ficaria conhecido como “Inácio, o japa”.
(*) Nonato Reis é jornalista, poeta e cronista, natural de Viana, Maranhão.
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