sábado, 3 de abril de 2021

MALHAÇÃO DE JUDAS

 Por Marcondes Serra Ribeiro

 

Romper a aleluia era um temor em meus tempos de criança, porque não sofríamos castigos durante a semana, até a chegada do sábado, quando pagávamos pelas traquinagens praticadas até a sexta-feira. Qualquer falha cometida, merecia de papai a dura observação: “Sábado a gente rompe a aleluia é cedo!”. Eu sofria por antecipação, pois sabia que aquela promessa seria penosamente cumprida e rezava para que fosse da forma menos padecente, entre a palmatória, a corda de sisal molhada e a pitanga, nem sei qual preferia.
  A Semana Santa, de banhos nos campos, deliciosas tortas e os castigos da aleluia, também tinha outros esperados atrativos!

Recordo-me dos tempos em que no Sábado de Aleluia, também chamado de Sábado Santo, acontecia a tão esperada Malhação de Judas ou Queima de Judas - um festejo popular que representava a morte de Judas Iscariotes, o discípulo que traiu Jesus Cristo e, por isso mesmo, mereceria a vingança representada folcloricamente por dolorosa morte.

Era uma comemoração alegre, bem articulada em sua extemporaneidade e transposição à realidade, onde a representatividade do ato da traição revestia-se de ansiedade e muita curiosidade em saber qual figura ou personalidade da vida pública seria contemplada com a vingança popular e amanheceria enforcado, pendurado em poste ou árvore de local movimentado, com a devida placa de identificação, para ser “malhado”, em ritual de queimação do boneco.

Os escolhidos pelos organizadores da tradicional brincadeira eram especialmente as autoridades, os políticos identificados como traidores da população, por seus atos corruptos e merecedores de serem representados por bonecos de panos, confeccionados caprichosamente, com detalhes na indumentária e nos acessórios, que os lembrassem bem.

Para dar mais ênfase à brincadeira, era comum colocarem bombas no enchimento do boneco, que explodiam durante a queima, sob a gritaria dos presentes. Interessante e bem aguardado antes da queimação do Judas era a leitura de seu testamento, com as últimas vontades quanto à disposição de seus bens, contemplativo de algumas pessoas da comunidade, com itens especialmente adequados à cada uma.

Assim, eram “deixadas” dentaduras - para quem estivesse banguela; dinheiro – para quem tivesse dívidas a pagar; cintos – para quem andasse com as calças caindo; óleo de peroba – para quem tivesse pouca vergonha; cuecas – para quem tivesse sido flagrado com as suas rasgadas; óculos escuros – para quem gostasse de exibir-se com um e outras coisas que se ajustassem ao herdeiro ou herdeira. Era uma alegre festividade popular que não deveria estagnar no tempo!

Se a brincadeira prosseguisse e chegasse aos dias atuais, não faltariam elementos que preenchessem os requisitos da “homenagem vingativa”, pois autoridades corruptas existem em profusão – verdadeiros “Judas”, traidores que caem no desagrado do povo.