segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

A ascenção do caboclo mamador

 Por Antônio Francisco de Sales Padilha (*)

 

A tarde findando, passando o bastão para a noite que espreitava o momento de entrar em cena. O sol refletia seus exuberantes raios avermelhados nos coqueiros da casa de Luís Brenha. Os coqueiros balançavam como se estivessem dançando para anunciar que a noite seria clara, a brisa leve e quem sabe as estrelas cintilariam e clareariam a mente de Rodolfo, um belo mancebo, que além da beleza, gabava-se de sua arguta inteligência. “Tudo que quero, eu consigo” afirmava sempre, orgulhoso de sua tenacidade, que, às vezes, podia lhe colocar em situações embaraçosas, mas sempre resolvidas da melhor maneira plausível, o que lhe levou a pensar que além da beleza, seria o mancebo mais inteligente daquelas plagas.

Eduardo, sabedor de que Nizete, afamada mãe de santo da cidade, estaria mandando bater tambor nessa noite, convidou Rodolfo para assistirem à cura, pois, na roda do candomblé, sempre acontecia “cura” de alguém que se encontrava enfermo - mais de doenças psicológicas do que físicas, quando o doente recebia umas boas baforadas de charutos, acompanhadas de rezas, benzimento e era envolvido pelas energias dos seres espirituais (encantados) atraídos pelos chamamentos e que costumavam baixar no terreiro.

Rodolfo arrumou-se, vestindo uma calça bem colada, a la Dória, apertada o suficiente para lhe deixar andando todo empinado e uma camisa polo, onde ficavam evidentes seus músculos peitorais avantajados, resultado de boas horas de treinos na academia de Lulu (o atleta). Arrumou seu cabelo, corte imitado do Dr. Hollywood, benzutado com uma generosa quantidade de creme de pentear para preservar a mecha de cabelo caindo no fugaz olho verde esquerdo, borrifou seu perfume Cabrochard , adquirido no mercado Ver o Peso em Belém do Pará, que exalava o aroma da floresta amazônica, lhe deixando irresistível, tal qual o Boto em dia de lua cheia.

A uns trezentos metros do terreiro de Izete, já se podiam ouvir o tilintar dos tambores, palmeados com energia e sensibilidade, principalmente por Nhô Nhô, que não somente tocava o seu atabaque como, tal qual o Maestro Herbert von Karajan, dirigia grupo de músicos que compunha a orquestra do terreiro, orgulho de Nizete, que fazia questão de dizer: nenhum terreiro tem uma parelha de tambor como a minha.

Rodolfo, ao chegar, chamou à atenção das meninas que gostam de meninos e dos meninos que gostam de meninos, tanto bela beleza física, pela calça apertada, que mostrava o contorno da cueca e de outras coisas mais e pelo aroma do Cabrochard que inundou o recinto, abafando e intimidando o fraco cheiro do defumador que tinha sido lançado no ar, antes do início dos trabalhos, para purificar o ambiente.

A certa altura, Nhô Nhô deu entrada para a orquestra, que prontamente respondeu ao seu gesto atacando a tempo o ponto (intróito convidatórium) de entrada das mães, pais, filhos e filhas dos santos, que em passos processionais, adentraram no centro do terreiro.

Todos vestidos de branco, com exceção de Ivete e Alzira, uma jovem branca, de 1,65 cm de altura, com seus 50 kg bem distribuídos, bunda arrebitada, pernas grossas, olhos verdes, lábios carnudos e com os seios protuberantes bem à mostra, o que despertava os instintos mais primitivos de acasalamento de qualquer homem que aprecie e goste de mulher, que vestiam vermelho escarlate.

Alguns dos pais e filhos de santos que gostam de homens, já tinham até pedido para Mãe Ivete que não aceitasse Alzira na roda do tambor, pois ela desviava à atenção dos visitantes do terreiro da verdadeira função do culto, pois ninguém prestava atenção nos trabalhos, pois todos ficavam inebriados com a beleza e a leveza da dança de Alzira. Rodolfo não foi exceção. Ao olhar os seios de Alzira, foi tomado por uma excitação tão forte que não se conteve, nem titubeou e afirmou ao Eduardo:- queres apostar quanto como vou chupar o peito daquela mulher? Indicando Alzira como a escolhida.

Eduardo, conhecedor dos princípios que regem um ritual de terreiro, e sabedor que isso seria impossível, afinal Alzira era casada, não teve dúvida. - Aposto 300 reais como tu não consegues. Trato feito, afirmou Rodolfo, já revirando os olhos e tremendo o corpo como se estivesse sido tomado por um ataque de epilepsia. Jogou-se no chão de terra batida, deixando empoeirada a bela cabeleira e a calça, que por pouco não se partiu. Alguém gritou: - ele tá no santo, ele tá no santo.

Como um animal, que se finge de morto para enganar seu algoz, Rodolfo deu um salto tão alto que pareceu mesmo que estava no santo, quem sabe um caboclo pulador, e após uns três rodopios no terreiro começou a cantar:- “eu sou o caboclo mamador, eu sou o caboclo mamador, eu vim prá mamar, eu vim prá mamar, eu vim prá mamar, eu vim”. E a cada vez que entoava seu canto, agora mais portentoso, com um arranjo feito incontinenti por Nhô Nhô, que percebeu a importância daquele momento, Rodolfo se aproximava dos seios de Alzira, que não se sabe se, em respeito ao santo ou, inebriada pelo Cabrochard de Rodolfo e pelo seu hálito de cravinho, que ele costumava mascar para deixar o hálito agradável, quando ia encontrar uma parceira, permitia que Rodolfo, vez por outra encostasse muito de leve o nariz em seu peitoral.

Os assistentes da performance percebendo a intenção de Rodolfo, começaram a comentar: esse caboclo vai mamar; ora se vai; ninguém pode impedir um santo de fazer o que ele quer quando ele baixa. A cada volta que dava no terreiro, Rodolfo rodopiava e se aproxima mais e mais de Alzira, que nada poderia fazer a não ser abaixar um pouco o vestido vermelho e deixar o mamilo à mostra para que o caboclo mamador cumprisse o seu desiderato. Manequinho, marido de Alzira, começou a se incomodar com aquela situação. Como ficaria sua reputação se o caboclo mamador conseguisse seu intento?

Lembrou de Raimundo de Dico que, apesar de casado, saia toda noite para a parte do quintal onde ficava o pergolado de madeira para sustentar a plantação de maracujá e a mulher desconfiada, em uma noite de lua cheia, seguiu e encontrou Mamede montado em cima dele. A mulher, estupefata, perguntou: - o que é isso, seu safado? O marido, se soltou de Mamede, levantou a calça e fingindo que estava no santo respondeu:- não sou eu, mulher, é caboclo do maracujá. Mesmo assim, a mulher não respeitou o santo e lhe encheu de bordoadas com o cabo de vassoura e ele ficou muito falado na cidade. Por onde ele passava ouvia algum engraçadinho dizer:- lá vai o caboclo do maracujá. Ora, Ora, todo mundo vai me chamar de corno de santo, pensou Manequinho. Não, não posso deixar isso acontecer.

Como que tomado por um insight inconsciente freudiano, Manequinho caiu no terreiro tão desajeitado, pareceu mais um saco de batatas, mesmo assim, não se fez de rogado, foi se levantando lentamente e meio desengonçado começou a dançar. Manequinho rodopiou e conseguiu chegar bem perto de Rodolfo que estava praticamente com a cabeça bem posicionada para atingir os seios de sua esposa e se dirigindo bem pra perto do ouvido de Rodolfo, iniciou seu ponto: eu sou o caboclo comedor, eu sou o caboclo comedor, eu vim pra comer eu vim pra comer o fiofó do caboclo mamador. Rodolfo, ao perceber a enrascada que tinha se metido, afastou-se de Alzira e se estatelou no chão, revirando os olhos e começou a gemer. Os presentes começaram a gritar: “tira ele da roda, tira ele da roda que o santo foi embora”.

Rodolfo, discretamente, com os olhos entreaberto viu Alzira deslizando no chão batido, parecia agora uma bailarina dançando a morte do cisne (ou seria do guará?) de Camille Saint Saëns   ”a cada instante, devemos morrer, e deixar morrer aquilo que já não tem mais sentido dentro de nós, guardando a devida beleza de termos feito parte do grande espetáculo da Vida”.

Rodolfo teve que deixar morrer a sua prepotência de que tudo ele podia e que era mais inteligente de que os outros, pois, nesta vida, sempre haveremos de encontrar alguém mais inteligente que nós, onde a gente menos espera.

(*) Natural de São Bento, escritor, maestro, professor e Doutor em Música.