segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Os filhos do capitão


Por Marli Gonçalves

Marli Gonçalves
Os três filhos do Capitão. Eles não são três; são quatro os meninos. Mas o quarto, Jair Renan, ainda não preocupa e não aparece muito – é imberbe, 20 anos, e de qualquer forma vamos vê-los crescer, ele e a sua irmã mais novinha, às nossas vistas, nos próximos quatro anos. Os três que estão na política já dão trabalho e o que falar. Flávio, Carlos e Eduardo me fazem lembrar de certas reinações, as dos Sobrinhos do Capitão, uma HQ histórica do século passado. Lembra?

Os dois molequinhos (na história dos Sobrinhos, sim, eram dois, Hans e Fritz, gêmeos), levadíssimos, infernizavam a vida do Capitão, que não era propriamente tio, era aquela coisa de tio, tia, que a gente chama qualquer um mais velho que nós. Atazanavam na verdade tudo e todos os que estavam à sua volta, e apanhavam, apanhavam muito. Pouco adiantava.

Aqui no nosso caso real que também certamente vai render história, os três irmãos parecem combinar entre si é mais como aterrorizar a vida da outra banda, a que não votou no pai deles, não necessariamente por ser petista, ressalte-se, por favor. Foram quase 2/3 da população, 61,8% dos aptos a votar que, ou sumiram, ou anularam, branquearam ou estrelaram seus votos. É muita gente.

Flávio, 37 anos, Eduardo, 34 anos, e Carlos, 35 anos, são filhos de Rogéria, a primeira ex-mulher do presidente eleito. Pensam o que? Michelle, a nossa jovem futura primeira dama, é a terceira esposa do Capitão. Olha só – também poderia haver outra série: “As esposas do Capitão”.

Voltando aos três que não são mosqueteiros, mas estão se saindo excelentes marqueteiros, inclusive de si próprios, veja que Flávio e Eduardo tiveram votação recorde, respectivamente para senador pelo Rio de Janeiro e deputado federal por São Paulo. Carlos já é vereador no Rio de Janeiro. Assim ocupam todas as Casas com a mais nova marca da política nacional. Um carimbo. Radicais e empinados.

E opinam sobre tudo. Quando não vêm com suas opiniões fresquinhas que disparam principalmente pelo Twitter, a rede onde acharam seus reinados de poucos caracteres, toda hora aparecem vídeos de suas opiniões e feitos que deve ter gente cavoucando até a marca e a cor das cuecas deles todos.

Já pitacaram sobre fechar o Congresso, aquecimento global, Direitos Humanos, Educação, áreas sobre as quais destilam desinformação e preconceitos, assim como sobre a História recente do Brasil que devem ter aprendido em livros com páginas arrancadas, só pode ser.

Adoram arrumar uma briga. Suas falas e aparições estão criando é ainda mais muitos outros problemas para o pai, que até parece estar tentando montar um governo razoável enquanto lida com uma equipe boquirrota, começando a já gostar de ser fonte “confiável” dos jornalistas cativados que ganham declarações logo desmentidas. É rápido, gente: os caras estão gostando do poder, de Brasília, dos segredos dos caminhos e corredores, de soltar balões de ensaio com nomes que se valorizam imediatamente após aparecerem em lista de indicados. Notícias chegarão sopradas pelos ventos.

Os garotos de Bolsonaro, não. Esses não são novatos. Já vivem isso tudo praticamente desde que nasceram, já que o pai tem quase 30 vividos na política. Só houve uma mudança importante, do baixo clero ao mais alto cargo da República.

Isso sobe pra cabeça. Tomara que o pai deles cuide disso também. Nem precisa dar palmadas; só puxão de orelhas. Para não virarem Os Três Patetas.

(*) Jornalista formada pela FAAP, em 1979. Diretora da Brickmann&Associados Comunicação, B&A


sexta-feira, 2 de novembro de 2018

A crônica do dia


HOJE É DIA DE... 


O LUTO E A MARCHINHA DO ZÉ PEREIRA


Nonato Reis

O luto é um desses rituais que acometem as civilizações do Planeta desde tempos imemoriais, independente de credo, origem, cultura ou localização. Do Japão ao Egito, de Singapura aos Estado Unidos, passando pelo Brasil e os demais países latinos, o culto à memória dos mortos se impõe como um dever de família, muitas vezes extensivo ao Estado, divergindo apenas na forma de exprimir o sentimento pela ausência dos que partiram para o Além.
No ocidente, por exemplo, é costume exteriorizar a dor com o uso da cor preta - herança do velho império romano - que pode ser expresso na forma de uma fita no chapéu ou um lacinho no bolso da camisa, mas também toma toda a indumentária.
A padronização do preto passa a ideia de mistério, noite, de algo carregado. Já no Oriente, especialmente o Japão e a China, a cor predominante é o branco, para simbolizar a leveza e a paz.
O uso da cor varia conforme a cultura, e há lugares onde se usa o azul, o roxo, o amarelo e até o vermelho - caso da África do Sul. O que importa mesmo é mostrar que o coração sangra pela morte de alguém muito querido.
O problema é que, por ser uma simbologia, nem sempre o que se vê é o que de fato acomete a alma. Em Viana dos anos 60 e 70, o luto era de tal forma aplicado que às vezes acabava por provocar situações engraçadas e até bizarras.
Um desses casos aconteceu comigo. Foi na semana em que minha avó paterna morrera. Eu só tinha 13 anos, experimentava a transição da infância para a mocidade, e só pensava em vadiagem. Cinco dias depois do desenlace de D. Mariana, houve um Baile de São Gonçalo, próximo de onde morava. Eu adorava os festejos do santo e esbarrei entre respeitar a memória da falecida e atender aos impulsos do coração.
Deixei a razão de lado e segui os prazeres mundanos.
Foi uma noitada memorável, regada a cachaça da terra, e muita curtição nos braços de uma roxa morena - mas roxa até o talo do nariz - ao som de Amado Batista, Diana e Reginaldo Rossi. 
Voltei para casa aos primeiros raios da manhã e ao abrir a porta dei com meu pai, ainda só de cuecas enrolado em um lençol velho, envergando em uma das mãos um caniço de pescar piranha. "Ordinário, a minha mãe mal esfriou no caixão e tu já nessa pagodeira", disse ele, a taca já comendo no lombo até que do caniço restassem apenas pedaços.
Anos antes morrera a mãe de um tio por aproximação (na verdade ele era esposo de uma tia minha). Foi em junho de 1966, poucos dias antes da Copa do Mundo daquele ano. O Brasil chegava ao torneio embalado pela conquista do bicampeonato no Chile, e exibia no elenco estrelas consagradas como Pelé, Gerson e Garrincha, todos no auge da forma física e técnica.
O tio era um aficcionado por futebol, desses que não perdem sequer uma “pelada”. O luto o impedia de acompanhar a Copa e para não cair em tentação pediu à concunhada que levasse para a casa dela o velho rádio transglobe.
Aconteceu que o amor pelo futebol falou mais alto e ele não perdeu um jogo sequer.
Era o primeiro a chegar na casa de Dudu, todo vestido de preto, e o último a sair, depois que a Rádio Tupi encerrava a programação esportiva.
Dava dó vê-lo feito um boneco de cera, sem poder vibrar junto com a galera a cada gol do Brasil. 
O martírio dele só não foi maior porque naquela copa a seleção canarinho, contrariando todos os prognósticos, se houve muito mal e acabou eliminada ainda na fase de grupos.
Lembro-me também de um caso em que a digníssima matrona de um amigo meu achou de bater as botas logo no mês de fevereiro. 
O carnaval chegou e, desembarcado de São Luís na noite do primeiro dia da folia, encontrei Aldair, vestido de preto até o chapéu, postado à porta do Clube Alvorada, os olhos compridos de nostalgia.
Eu o cumprimentei, manifestando o sentimento de pesar, como era de praxe, e quis saber o que ele fazia ali em um local tão impróprio diante daquela circunstância. 
Meio constrangido, explicou que a namorada estava dentro do clube e, segundo as más línguas haviam-no soprado ao ouvido, enfeitando-lhe os cornos nos braços de outro.
- Nonatinho, me ajuda! Eu preciso dar um flagra nessa vadia.
- Mas o que eu posso fazer por ti?
- Troca a tua camisa com a minha. É só o tempo de eu pegar a sem-vergonha no flagra.
Hesitei. Aquilo me parecia fora de propósito, mas diante da insistência e da aflição dele, acabei cedendo. Não havia como recusar ajuda a um amigo que se encontra com a cabeça em brasa. Fomos a um puxadinho lateral às escura e com ele troquei de camisa.
Aldair adentrou o clube rapidamente e, ao contrário do que me dissera, não voltou mais. De tanto esperar pelo retorno dele e prevendo algo de ruim com o amigo, achei por bem verificar a situação com os próprios olhos.
Dentro do clube apinhado fui abrindo caminho pela multidão ensandecida, que se esbaldava ao som da marchinha “Viva Zé Pereira”.
Qual não foi o meu susto ao ver Aldair, aos pulos, suado e já sem camisa, abraçado a duas belas morenas, a gritar “Viva Zé Pereira, que morreu de caganeira”.
Sem nada entender berrei no seu ouvido:
- Cara, que diabo é isso? Tua mãe não morreu?
E ele, sem perder a pose, devolveu:
- Morreu, foi pro céu e me deixou neste inferno. O que posso fazer, senão arder no fogo de Satanás?
Eu, que não tinha nada a ver com a história, passei a mão na cintura de uma das meninas que ele carregava e sair a pular e gritar: “Viva Zé Pereira, que morreu de caganeira”.

(*) Nonato Reis, jornalista, poeta, cronista e romancista natural de Viana-MA.