quarta-feira, 13 de junho de 2018

A história de São João Batista: A educação no começo


Quem vê São João Batista hoje com uma rede escolar, digamos, suficiente, nem imagina como foi difícil no início, antes da emancipação e nos primeiros anos de ter se tornado município. Tentaremos diante de algumas poucas informações enredar essa história.

Como de todo a educação no Maranhão estava a cargo do Estado como instituição. Reconstruir os passos da educação pública em solo joanino durante o período da primeira metade do século XX e as duas primeiras décadas da segunda metade, anos em que se consolidam nossas homenageadas e será o nosso enfoque, não será tarefa fácil.  Esta atividade torna-se ainda mais desafiadora quando essa reconstrução é elaborada por meio do confronto de esparsas informações e de fontes históricas que, ao serem inquiridas em um contexto específico, retratam de forma (in)certa, ou não, de como esta história foi sendo construída. Além disso, essas fontes demonstram o papel que a educação, ou simplesmente o ensino, foi assumindo em uma cidade onde, a exemplo de outras, a escolarização era considerada um privilégio de poucos.

Assim pensando, se aprender era privilégio para os mais aquinhoados, ensinar também não era para qualquer um, mesmo que para estes poucos lhes coubessem a nobreza, o respeito, e a profunda admiração de seus discípulos. Ao menos isto tinham os nossos nobres mestres e mestras do passado.

O contexto do ensino, nesse período, marcado pela precariedade e altos índices de analfabetismo precisava ser encarado e isso não seria tarefa fácil. A dificuldade de escolas e de professores somava-se à própria dificuldade do distrito de São João Batista. Poucos se aventuravam na arte de ensinar. Na região de Boticário, Pedras e adjacências era notável os ensinamentos do Professor Raimundo Firmo, que apesar das dificuldade de toda ordem, alfabetizava e ensinava toda uma geração a ler e escrever. Notável também o trabalho alfabetizador de Artur Marques Figueiredo, homem culto, de caligrafia estilizada e bela, fundamentais na função de Escrivão por ele desempenhada anos mais tarde. Professora Anita Costa foi outra mestra que marcou as primeiras gerações. Ensinou a ler e escrever a muitos meninos numa escola que ficava nas imediações onde hoje é o Fórum da Justiça. Para tanto, neste tempo, com a devida permissão, a temida “palmatória” era coadjuvante instrumento de trabalho do professor.

Na sede do então distrito sabe-se que a Professora Onezinda Castelo Branco, umas das primeiras normalistas, esposa do comerciante Martinho Castelo Branco, também ensinou a muitos. A escola pública onde ela ensinou ficava onde hoje é o Centro de Convenções, denominada Escola Rural Getulio Vargas, construída por Francisco Figueiredo quando prefeito de São Vicente Férrer.  A figura do professor leigo, ou seja, aquele que apresentava conhecimentos mínimos já era uma realidade naqueles tempos. O que mais valia era aprender a ler e escrever e saber fazer contas.

O incremento maior de normalistas em nossas escolas estaduais só se deu após a emancipação do município em 1958. Vale lembra que a demanda reprimida nas séries do antigo primário era cada vez maior a proporção que se passavam os anos. A rede estadual dispunha de um único estabelecimento denominado Grupo Escolar Clodomir Milett. Anos depois fora construído o Grupo Escolar Estado de Santa Catarina. Neste, brilhou o talento de professoras que foram trazidas para a missão de ensinar além do ler e escrever. Iracema Ferreira de Araújo foi precisa nessa arte e disciplinamento. Muitos que, como eu, iniciaram seus estudos na década de 60 passaram pela mão firme de Dona Iracema.  

Mas era preciso muito mais. Expressões linguísticas, cálculos matemáticos, iniciação de uma Língua Estrangeira. A idealização de um curso ginasial também se fazia necessário. Para tanto uma cooperativa buscou parceria com a Campanha Nacional de Educandários Gratuitos (CNEG), depois denominado de Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC). Assim, por volta de 1965, foi fundado o Ginásio José Maria de Araújo que passou a contar com os préstimos profissionais das normalistas e de professores com formação secundarista, como Zeca de Neco, Matilde Gomes, Antônio Marques Filho e, mais tarde Luis Lílio Saraiva, José Guilherme, Jucelino Lindoso, e tantos outros. Para este início foi também de fundamental importância a gestão precisa e a autoridade dos padres Heitor Piedade e Dante Lasangna.

Nos anos da administração do prefeito Achilles dos Santos Jacinto algumas professoras normalistas chegaram em solo joanino. Em 1964 chegaram as notáveis professoras Carmelita e Maria Creusa, ambas recém-formadas. Depois chegara a professora Lourdes Frazão. Anos mais tarde, a professora Carmelita retornou para sua cidade natal, Caxias, ficando apenas dona Creusa que aqui contraiu matrimônio e continuou a prestar os mais relevantes serviços a toda uma geração. A professora Loudes Frazão também fez de São João Batista sua morada, uma vez que aqui casou com o comerciante Procópio Meireles Filho. Também registre-se a presença de dona Penha, esposa do coletor Dário, que era professora normalista e que fundou à época o primeiro Jardim de Infância; do professor Eliurdes Vieira  e da professora Josefina Martins.

A presença de professoras normalistas vindas de outras localidade se fazia necessária, uma vez que as nossas primeiras normalistas, egressas do nosso ginásio e formadas na Escola Normal de São Luís, só começaram a retornar com a formação em magistério, nos primeiros anos da década de 70. A esta época, o Estado brasileiro implantava muitos projetos que visava uma diminuição dos altos índices de analfabetismo. São desse tempo o Projeto João de Barro, o Mobral, o Curso Madureza, e até as iniciativas da igreja católica com a “Escola Paroquial Pé no Chão”. Em 1971, o governo do Estado implantava um incremento na educação com o chamado “Projeto Taurus” e com ele, o município recebeu outro grupo de normalistas. Desta feita vieram as professoras Jocelene Luz, Ana Maria (Aninha), Maria Frazão, Florita Bitencourt e Maria de Jesus Viana (Dona Viana), que aqui também constituiu família e se tornou cidadã joanina.

O grupo maior de professoras normalistas eminentemente joaninas, aquelas que primeiro concluíram o ginasial na CNEG/CNEC só chegaram por volta de 1974. Era prefeito à época Jorge Figueiredo, Assim chegaram Gracinha Ferreira, Francinete Melônio, Ana Márcia Ferreira, Vilma Figueiredo, Dalva Câmara, Mariana Penha e Silva, Ruth Meireles, Olímpia Penha, Telma Araújo, Edinete Alves, e muitas outras que, em se formando a posteriori e  somadas às que aqui estavam, aos poucos foram contribuindo na educação de muitas gerações.  Já entre as muitas professoras que exerciam a regência de sala de aula na rede municipal, mas sem a habilitação em magistério, através do Programa Logus tornaram-se habilitadas.
Em meio a esse processo, o nosso ginásio evoluiu para Escola Normal Ginasial José Maria de Araújo, e então os nossos e as nossas normalistas passaram a ter essa formação aqui mesmo, em solo joanino.


segunda-feira, 11 de junho de 2018

A história de São João Batista: O velho porto da Raposa


Dando sequência às postagens que faremos toda esta semana sobre São João BatiDando sequência às postagens que faremos toda esta semana sobre São João Batista e sua história, publico hoje uma crônica que integra o nosso livro de crônicas que estamos produzindo e que deverá ser publicado em breve. Ela trata sobre o Porto da Raposa. Um espaço responsável, no viés economia, pela emancipação de São João Batista. Os fatos aqui mencionados são só um recorte das muitas histórias vividas naquele lugar. Nos dias que se seguem haveremos de falar do poder legislativo e das nossas primeiras normalistas entre outros assuntos. Para hoje o texto é: O velho porto da Raposa.


 é: O velho porto da Raposa.
O VELHO PORTO DA RAPOSA


Não sei ao certo quando surgiu o Porto da Raposa. Quando me entendi, ele já existia. Mas só vim conhecê-lo de fato quando vim para a cidade pela primeira vez. Tinha que se passar por ali. Era lá o embarque nas lanchas que nos trazia até a capital.

Encravado às margens de extenso Igarapé que rasga continente adentro, o antigo Porto da Raposa ficava no povoado campestre de mesmo nome, a poucos quilômetros do Golfão Maranhense (Baia de São Marcos) e do estuário do Rio Mearim. De um lado uma extensa cortina verde formada por manguezais, de outro, mais para dentro do continente, extensas áreas de campos e tesos.

Ao longo de muitas décadas foi a única porta de entrada e saída de muitos municípios da baixada, especialmente São João Batista, São Vicente Férrer, Matinha, entre outros. Estamos falando de mais de meio século. Naquele tempo não havia estradas que ligassem estes municípios à Capital do Estado. O porto cumpria assim então a sua primordial finalidade. Era ponto de escoamento de mercadorias que iam e vinham e de embarque de passageiros que se destinavam rumo a São Luís e vice-versa.

Ainda lembro vagamente de algumas particularidades daquele lugar. Eram dois os principais atracadouros, exatamente para duas lanchas que costumavam fazer o transportes de cargas e passageiros. Eram dois pares de extensas passarelas, construídas de achas e mourões de mangue que nos levavam até ou a parte baixa, ou à parte alta da lancha, o convés, onde ficava o timoneiro, ou mestre, e onde ficavam os passageiros.

Às vezes três ou mais lanchas ancoravam por ali.  Todas bem nomeadas. Maria do Rosário. Santa Teresa, esta, pequenina e valente, boa de navegação. A Proteção de São José, que sucumbiu na maior tragédia náutica ocorrida naquela travessia. A Ribamar. A Fátima. A Nova Estrela e a Imperatriz foram as últimas dos tempos auge do transporte marítimo. Nestas últimas fiz a maioria das minhas viagens.

A Raposa era um lugar como muitos outros numa área de campo. As casas de jirau, mostravam que ali em épocas de inverno costumava ser úmido e encharcado. Eram habitações de madeiras, desde o assoalho até as paredes. As cobertas, algumas eram de telhas de barro, outras de pindobas. Naqueles tempos de plena atividade do velho porto, Raposa devia ter umas cinquenta casas. A maioria eram de pessoas que viviam em função do porto. Pequenos comerciantes, estivadores, donos de pequenas embarcações e até mesmo ambulantes que viviam da compra e venda de mercadorias e produtos. Eram todos hospitaleiros. Lembro de Seu Dominguinhos, sempre cortês, atencioso, mas, dizem os que mais o conheciam, de uma astúcia e malícia sem precedentes.

Entre as muitas peripécias atribuídas a Seu Dominguinhos está a de ter dado um pernoite ao Padre Dante que certa vez se deparou numa noite escura e não quisera voltar pra sede. Fora aconselhado a ficar por ali. Após acomodar o Padre em uma rede, contam que Seu Dominguinhos acendeu uma fogueira de pau de siriba, uma espécie de mangue que ao queimar expele uma fumaça ardente aos olhos de qualquer cristão, ainda mais a quem não era acostumado, como o sacerdote italiano. Contam que o Padre passou a noite em claro, rezando para que logo amanhecesse, enquanto Dominguinhos se contorcia de risos. Ao amanhecer os olhos do reverendo pareciam duas bolas de sangue.

As principais casas de comércio e pequenos restaurantes estavam ali em redor do armazém. Um velho prédio de alvenaria que servia como uma espécie de alfândega. Era lá que trabalhavam os fiscais da receita estadual. Ali eram expedidas e pagas as guias de impostos sobre o que era embarcado, fossem cofos de farinha, cofos de banana, cofos de criações, pequenos e grandes animais. Quase nada passava sem as vistas dos coletores de impostos. Nos dias de embarque e desembarque era bastante intenso o movimento de pessoas por ali. Fossem os que viajavam, os que ali trabalhavam, e os que apenas buscavam estar no meio do vai e vem das pessoas. Não faltavam também os donos de bancas de jogo de caipira. Mas era uma alegria só. O povoado era tão movimentado que ganhou até um gerador de luz para garantir a permanência das pessoas que por ali transitavam e trabalhavam até o zarpar das lanchas.

Nos dias que não se tinha esse movimento proporcionado pelas lanchas, o povoado de Raposa mantinha um quotidiano normal. Moradores em suas tarefas diárias preparavam-se para o dia seguinte. O incremento maior do porto fora sem dúvida quando da construção da “barragem da Raposa”. Esta grandiosa obra - tanto pela extensão como na forma de como fora construída, realizada pelo então prefeito Luiz Figueiredo - permitiu um tráfego maior de veículos por mais tempo ao longo do ano.

A partir da abertura da Estrada da Beta, nome que fora dado inicialmente pela população para o ramal São João Batista – Bom Viver, que ligou a sede do município à MA -014, começaram ainda que com muitas dificuldades por conta das condições da estrada, os transportes de cargas e passageiros por via terrestre, fato este que atingiu frontalmente o cerne da economia gerada no Porto de Raposa por conta do transporte marítimo. Os primeiros ônibus a fazerem linha para São João Batista e até mesmo para outros municípios da Baixada foram os da Expresso Florêncio, que inúmeras vezes não completavam o trajeto da viagem.

Hoje, com poucas casas e sem aquele fervilhar de pessoas que faziam dali um marco da economia do município, o Porto da Raposa precisa se redescobrir com um outro propósito. A rodovia nos leva até a capital São Luís, ou a terras além do estado.

Sempre defendi que o antigo e outrora próspero Porto da Raposa deveria absorver em tempos atuais outras finalidades. Ao que parece, por obra e graça do tempo e pela resistência de alguns poucos moradores que ali ainda residem, esta é uma realidade próxima das novas gerações. Por conta de sua aprazibilidade e beleza natural, o velho Porto de Raposa ressurge como uma ponto de lazer rústico.


domingo, 10 de junho de 2018

São João Batista e sua história

Ao longo desta semana São João Batista completará 60 anos.  Como marco desta data iremos publicar postagens que ficarão também na história. Serão textos que falam da nossa história, fatos que marcaram a nossa gente. Estaremos ao mesmo tempo receptivo a outras contribuições. No nosso endereço eletrônico aqui no blog (jb.azevedo@hotmail.com) receberemos as contribuições em forma de textos ou manifestações diversas.
Começaremos a desmontar fatos que muitas vezes são contados ou escritos de forma equivocada. Para tanto procuramos pesquisar em tantas fontes. Conversar com alguns conterrâneos que plenos de lucidez colaboraram com informações preciosas a cerca de nossa história. 


São João Batista: 60 anos ( A verdadeira história)

Neste dia 14 de junho, próxima quinta-feira, a cidade de São João Batista, distante 288 quilômetros da capital, completará 60 anos de emancipação política. Naqueles tempos de política ferrenha, onde os comandantes políticos mandavam e desmandavam, a cidade experimentara, antes de 1958, um curto período de emancipação. Antes em divisão territorial datada de 01/07/1950, o município de São Vicente é constituído de 2 distritos: São Vicente de Férrer e Ibipeuara, este mais tarde São João Batista. Mas em 1952, por força de Lei Estadual, o então distrito de Ibipeuara é elevado à categoria de município com a nova denominação, São João Batista. Neste período esteve como intendente o comerciante José Ribamar Martins. Esta emancipação dura até dezembro de 1954, quando por força do Acórdão do Superior Tribunal Federal, retorna São João Batista à condição de distrito de São Vicente Férrer, com a denominação de Ipipeuara, novamente. Somente pela Lei Estadual de nº 1608 de 14 de junho de 1958, o município é criado em definitivo. Nesse mesmo ano houve eleições municipais, em outubro, elegendo-se como primeiro prefeito, Merval Marques Figueiredo, que tomou posse em 15 de dezembro de 1958.


São João Batista: 60 anos

Nos primeiros anos da vida emancipatória de São João Batista merecem destaque duas personalidades políticas: José Maria de Araújo e Francisco Figueiredo. Estes dominavam a política que se fazia no município de São Vicente Férrer, e depois no município de São João Batista. Ambos, inclusive, chegaram a ser prefeitos de São Vicente Férrer e deputados estaduais. Nesses sessenta anos, o município elegeu 13 prefeitos, mesmo tendo sido governado por 16, por ocasião de cassação temporária ou em definitiva de seus titulares. Atualmente é prefeito o Engenheiro João Cândido Dominice.
Ao longo de toda essa existência, a terra-mãe-gentil, São João Batista, gerou incontáveis inteligências para o estado do Maranhão, para o Brasil e para o mundo. Um plêiade de talentos cunhados em homens e mulheres que espalhados pelo mundo levam a pujança e a força de ser joanino. 

Parabéns a todos os joaninos! 
Parabéns, minha terra querida!


sábado, 2 de junho de 2018

A CRÔNICA DO DIA




HOJE É DIA DE... 


VALDENEZ, O PARCEIRO E CONSELHEIRO DE VADIAGEM

Nonato Reis (*)

Em tempos remotos o Ibacazinho formou uma comunidade genuína pelos laços de sangue. Primos casavam com primas numa espiral de parentesco que varava gerações. Nesse contexto, o coletivo assumia o formato de uma enorme família e mais do que parentes, primos eram como irmãos. Eu, filho único de homem, posso dizer que tive dezenas de irmãos, mesmo que nascidos de pais e mães diferentes, e a todos devoto um carinho especial.
Porém com um deles tive uma convivência maior e as marcas dessa relação carrego até hoje com um misto de cumplicidade e reconhecimento. Valdenez, o Vadico, era filho de Marcos e Mendoca, três anos mais velho do que eu. Foi o meu dileto parceiro de vadiagem e peripécias pelo universo feminino. Éramos como unha e carne. Estávamos sempre juntos em alguma empreitada.
Muito mais experiente com o sexo oposto do que eu, atribuía-se o direito de me dar conselhos e indicar os caminhos que eu devia seguir para conquistar o coração de uma mulher.
Foi ele quem, certa vez, olhando-me com gravidade, corrigiu em mim um grave defeito: “Para com esse negócio de usar palavras melosas, porque isso não cola. Mulher gosta é de homem com atitude. Um pouco cafajeste, mas sem deixar de parecer correto”.
Eu achava que Vadico sabia tudo sobre as mulheres, e isso fazia com que sempre se desse bem em suas incursões. Quando, feliz da vida, dizia-lhe que “ganhara” uma menina, há muito cortejada, ele ria de um modo superior e confidenciava para o meu desencanto: “ah, essa eu já peguei”. Eu só não o mandava à puta que o pariu em respeito a Mendoca, que eu tinha como uma segunda mãe.
Para ele, em assuntos de mulher eu era bobo e inexperiente, no que estava absolutamente certo, e isso o fazia julgar-se no direito de determinar quando e quem eu devia namorar. Ele engatou um flerte com uma bela morena, que apelidou de “Lapiseira Bic” (acho que pelas suas formas longilíneas). Aí cismou que eu tinha que namorar a irmã dela, muito mais bonita. “Vai ser bom, porque a gente faz uma dobradinha, com direito a rodízio”.
Eu ouvia aquelas coisas como se não fosse comigo, interessado que estava em uma de suas irmãs. Era um troço complicado, uma espécie de chove-não-molha, um nó que não atava e nem desatava nunca. Eu não sei por quê, Valdenez não via a relação com bons olhos. Sempre que tocava no assunto com ele, cortava a conversa imediatamente, com um argumento vago: “Cara, esquece minha irmã, ela não é mulher para ti”. Eu insistia: “mas por que, não?” E ele, evasivo: “Por que não, vai por mim”.
Um dia, já cansado daquele samba de uma nota só, decidi agir como homem e selei o namoro com a irmã dele. Não durou uma semana, porque o primo, agindo de forma subreptícia, tratou de “jogar água no chope”. Colocou na minha frente, como isca, uma menina linda, e eu caí feito um peixe. Ele dizia:
- Cara, pega essa garota, que é um colosso; outra igual tu não vai encontrar. Já falei com ela, está tudo certo. É só você chegar e tomar posse do banquete.
Eu argumentava que aquilo não era correto, eu estava comprometido com a irmã dele e queria seguir com o namoro. Ele insistia, como a apaziguar a minha inquietação.
- Fica tranquilo, ela não precisa saber de nada. Vai por mim, mulher não gosta de homem certinho.
Eu fui na dele e quebrei a cara. No dia seguinte, após ‘ficar’ com a garota, a irmã dele já sabia de tudo e me mandou às favas, para o meu desconsolo.
Ele botou na cabeça que eu devia fazer uma incursão pelas casas de luz vermelha da cidade, para ganhar "cancha". 
- Todo homem precisa passar por esse aprendizado entre as coxas de uma puta.
Fomos parar no "Luz da Serra", o maior cabaré de Viana na época, onde ele batia ponto toda semana e tinha a mulher que quisesse. Arranjou-me uma negra, que dizia ser um assombro na cama. Uma noite em claro com ela em um quarto caindo aos pedaços, eu saí de lá mais morto do que vivo.
Fui parar no comércio de Marcos, o pai dele, que quando me viu, ficou espantado.
- Rapaz, o que foi isso? Por onde tu andou?
Respondi que passara a noite com uma mulher, e ele concluiu rápido.
- Na certa tu foste para lá com o bonito lá de casa.
Nem precisei responder. A resposta estava na cara.

Em que pese o vasto leque de conquistas com a mulherada, Valdinez casou ainda jovem e formou uma bela família. Teve três filhos, dois homens e uma mulher, e a maior alegria e prova de amizade ele me deu, quando um certo dia, ao anunciar a concepção do segundo filho, segredou-me ao ouvido. “Te prepara porque esse moleque será teu afilhado”. 
Eu jamais batizei o menino, mas daquele dia em diante seria tratado como “compadre”, além de primo e irmão.
(*) Nonato Reis é Jornalista e Escritor. Natural de Viana, Maranhão.