terça-feira, 24 de abril de 2018

Nas águas da fonte do Miritiua

Imagem de Alcântara/Maranhão

Era o ano de 1978. Eu cursava o terceiro ano do ensino médio no Liceu Maranhense. Eu e mais uns trinta alunos fazíamos o curso de Assistente em Administração, quando esses cursos profissionalizantes invadiram a grade curricular do ensino secundarista, sem muito sucesso.

Na disciplina Administração e Controle que pretendia nos ensinar os nortes da gestão de empresas privadas ou públicas, o professor simulou que a turma fosse uma empresa e como tarefa tínhamos que proceder a uma rotina empresarial.

Como teste para todos, com suas devidas tarefas, fora pensada uma viagem para a bucólica cidade histórica de Alcântara. Iriamos num dia para retornar no outro. Alguns pensaram duas vezes antes de ir, pois viajar embarcado, poucos tinham o costume. Para mim, que tinha o hábito de ir e vir para minha terra, tirei de letra. Tornei-me um encorajador dos demais.

A missão precisava seguir o que havia sido planejado, tal como uma empresa. As metas foram propostas, os objetivos bem explicitados. O protótipo de empresa imaginária estava sob a direção de um amigo de classe, o César Batalha.

A casa onde iriamos ficar era propriedade dos familiares de uma amiga de sala, a Eledith. Um velho casarão que servia para abrigá-los em visitas ocasionais. Para esta recepção, o anfitrião, dono da casa, viajara antecipadamente para preparar o ambiente para receber a comitiva de estudantes. E fomos nós!

Chegado o dia da viagem. À hora marcada estávamos todos lá na rampa Campos Melo, na Praia Grande. Ponto positivo para a empresa, seus funcionários e diretores. Enfrentamos o mar revolto na travessia até a cidade de Alcântara. A embarcação misturava velas e motores no que permitia uma certa segurança. Juntamente conosco, muitos turistas também estavam na viagem, afinal, naquele dia haveria a inauguração do museu de Alcântara.

Chegando na cidade, fiquei deslumbrado com a quantidade de casarões enfileirados numa extensa rua de pedras. Vi-me em pleno século XIX, ou, como se fosse um coadjuvante dessas novelas de épocas. Tudo muito bonito, embora a cidade parecesse adormecida no tempo.

Naquele resto de dia, conhecemos todos os principais pontos turísticos da cidade, além da visita ao Museu que ali estava sendo inaugurado. Fomos até às imediações de onde seria em breve construída a base espacial de Alcântara. Na visita à comunidade atingida pelo projeto aeroespacial, ouvimos os reclames daqueles que abriam mão de suas terras para um projeto que mal sabiam o que era.

Em seguida fomos até a fonte do Miritiua. Era um lugar de brejo de onde brotavam pequenas lagoas de uma água fria e azulada. O lugar era coberto de frondosas árvores que ajudavam numa permanente sombra, como se quisesse proteger os que ali se abrigavam. “Não se pode tomar banho nessas águas”. Era o que se ouvia dizer naquelas bandas. Tarde demais. Eu já havia mergulhado numa pocinha. A água fria parecia convidativa para um banho naquele meio de tarde.

Quando sair do banho senti um frio que me arrepiou os poros. Parecia um aviso e um castigo pela minha desobediência. Mesmo assim voltamos para casa. Ao chegar de volta ao casarão eu já estava ardendo em febre. Começou então mais uma preocupação com os companheiros de sala e empresa. Fui acomodado em uma rede armada sobre a parte alta do sobradão, onde ficariam parte dos homens da turma.

Naquela noite havia uma festa numa localidade próxima. Do sobrado já se ouvia o som dos reggaes que eram trazidos pelos ventos. Os colegas estavam preparados para irem para a festa, enquanto eu ardia numa febre que me fazia delirar. Após a ingestão de alguns chás providenciados pelos caseiros, adormeci.

De repente, num transe, como se aquilo fora um misto de sonho e realidade, senti me erguerem com rede e tudo. Num supetão senti sacudirem a rede que eu dormia. Meio que grogue abri os olhos com um grito entalado na garganta, mas não me ouvia. Era como se eu gritasse pra dentro de mim. “Respeite a casa dos outros. Este foi seu castigo” - alguém me dizia essas palavras. Senti uma corrente de ar sair do quarto rumo a um janelão que estava aberto numa parede que dava para os fundos do casarão.

Em meio a essa luta acordei apavorado molhadinho de suor. Passei a mão na testa para conferir o grau da febre. Senti a minha fronte fria, no que me anunciava que a elevada temperatura corporal tinha voltado ao normal.

Lá embaixo do casarão, na porta da rua, ouvi uns companheiros que decidiam ir ou não ir à festa. Uns optavam em não me deixar ali sozinho, enquanto outros, e parece que a maioria, diziam: “ele está dormindo, nem vai dar conta que fomos à festa”. O pavor de ter que ficar ali sozinho me dera forças e eu levantei bonzinho. Apareci na sacada e disse: “já estou bom, vou pra festa com vocês...”

sábado, 21 de abril de 2018

A TRAVESSIA DA BAÍA DE SÃO MARCOS, UMA ODISSEIA


Nonato Reis (*)

A construção da rodovia MA-014, ligando Vitória do Mearim a Pinheiro, virou uma página marcada por tragédias, agonia e sofrimento. Antes dela, a ligação da Baixada Maranhense com a capital, São Luís, só era possível por meio de embarcações rústicas a motor, em viagens que duravam até cinco dias, navegando por rios e canais, até desembocar no Golfão Maranhense e fazer a perigosa travessia da Baía de São Marcos, para enfim aportar na Rampa Campos Melo.
A viagem, repleta de obstáculos e contratempos, mais parecia um rali aquático. À espera de marés, as lanchas precisavam fundear por até doze horas. Os passageiros se obrigavam a conviver com galinhas, porcos, cabras, bois e cavalos, em meio a ruídos e odores que faziam embrulhar o estômago. 
À noite era uma algazarra dos diabos com o barulho dos animais, incomodados com aquele ambiente insólito, ávidos por se livrarem do cativeiro. 
A etapa mais aguardada e temida era a passagem do Boqueirão, um canal entre duas ilhas, já nas vizinhanças de São Luís, próximo ao Porto do Itaqui. Ali as ondas, de tão revoltas, costumavam penetrar a embarcação e promover um sacolejo infernal. Certa vez, indo para Viana, o comandante da lancha Marissol teve a “brilhante” ideia de mandar servir o jantar justo na hora em que cruzávamos o Boqueirão.
Vi pratos sendo arremessados na água como se fossem discos voadores, rodopiando sobre o próprio eixo. O meu só não teve o mesmo destino, porque o apoiei com uma das mãos, enquanto me segurava com a outra mão em uma viga do toldo.
Contornar a ilha do Tauá Mirim era outro suplício. O trecho da baía ali parecia dotado de uma energia sobrenatural, que provocavam ondas enormes. Eu tinha pavor de passar por lá, em face de uma lembrança trágica. Nas suas vizinhanças a lancha Proteção de São José bateu em um banco de areia e partiu-se ao meio. Dezenas de pessoas perderam a vida. Foi uma comoção que repercutiu por semanas e alimentou o noticiário diário de rádios e jornais.
Um sujeito chamado Torquato, negro, alto, atlético, que morava no Ibacazinho, conseguiu sobreviver ao naufrágio. Virou uma espécie de mito. Ele contava que dormia quando a lancha foi a pique. Despertou no fundo do mar. Com esforço supremo se libertou da embarcação e veio à tona. Nadou a noite toda com um maço de dinheiro preso aos dentes. No ambiente escuro feito breu orientava-se apenas pelo clarão dos raios, que riscavam o céu a todo momento. Quando, enfim, alcançou terra firme desmaiou e ali ficou, exausto, por um tempo insondável, recompondo as forças.
Cruzar a baía de São Marcos constituía um ato quase heróico, que tirava o sono dos passageiros e podia causar estresse e até depressão. Eram noites mal dormidas e marcadas por medo, ansiedade. Menos para o meu pai, que tirava a viagem de letra e, durante o percurso, dormia feito um anjo. Meu avô materno, que tinha pavor de viajar de lancha, contava uma estória engraçada. 
Os dois, que se tratavam por compadre, fizeram juntos uma viagem de Viana para São Luís. O sol ia a pino e meu pai dormia o sono dos justos. O motor da lancha começou a ratear e a soltar blocos de fumaça negra. Assustado, meu avô sacudiu a rede do meu pai, despertando-o. “O que foi, compadre?”, perguntou meu pai, entre desperto e dormindo. “Compadre, a coisa da feia! O motor da lancha está fumaçando!”, ao que meu pai balbuciou: “Não é nada, compadre”, e voltou a dormir.
Na última viagem que fiz de lancha entre Viana e São Luís, tive a companhia de Marcos Muniz, que era casado com uma tia minha. Noite alta, eu dormia. Ele me acordou, com o semblante assustado. “Nonato, a lancha encalhou em um banco de areia. Estamos em perigo!”. Eu me lembrei da estória do meu pai e segui seu exemplo. “Não há de ser nada, Marcos. Durma”. Quando abri os olhos, novamente, a lancha acabava de ancorar na Praia Grande.
(*) Poeta e escritor.

domingo, 15 de abril de 2018

A CRÔNICA DO DIA


HOJE É DIA DE...  

ZEFA E O CHÁ DE PENTELHOS
(*) Nonato Reis

Imagem ilustrativa
Zefa Mata Virgem fez fama nas terras do Ibacazinho e redondezas, não por ato de heroísmo ou qualquer coisa de que se orgulhasse e muito menos aos donos da fazenda Caiçara, de cujos filhos servira como ama de leite. Chegara na Palmela aos 13 anos, egressa do Juncal. Ali conheceu o antigo proprietário do lugar, Antônio Feliciano de Mendonça, pai de 14 filhos, entre os quais Mariano (Nhonhô), Macico, Sálvio, Deia, Bidi e Áureo.
A fazenda Caiçara fazia fronteira com a Palmela e Zefa interagia com seus moradores como se fossem a extensão de sua própria família. Gostava da vida simples do mato, cheia de atrativos, cercada de animais e plantas, na companhia daquela gente.
Acordava às 4 da manhã, para ajudar na ordenha do leite, a ser vendido em Viana. O transporte do produto no inverno era feito em canoas, e no verão, em boi cavalo e carro de bois, a partir de um ponto de apoio com palhoça e curral, construído à beira do Igarapé do Engenho. Zefa amarrava os animais a serem ordenhados e ao final da operação era premiada com uma porção espumosa do leite mugido, que tomava junto com Sálvio e seus irmãos menores.
Crescera naquele ambiente rústico e de encantamento. Atingira a juventude e, como toda mulher nessa idade, namorou e apaixonou-se. Perdeu a virgindade com um peão boiadeiro que cruzara a Palmela de passagem, num acontecimento que marcou a vida do lugar, e muito mais a de Zefa, que a partir de então ficaria conhecida com o acréscimo no nome de "Mata Virgem".
É que nessa época de pouca instrução e hábitos rudimentares a palavra “depilação” ainda não entrara no vocabulário das localidades do interior e os pelos pubianos de Zefa cresciam livremente e se entrelaçavam à semelhança de um cipoal que, praticamente, impediam a penetração de qualquer invasor.
O peão, que levou uma parte de culpa na história por falta de habilidade com a coisa, entrou errado na intimidade de Zefa e se deu mal.
O órgão sexual ficou completamente retalhado, como se cortado de gilete em todas as direções. A situação saiu do controle dos dois porque o pênis infeccionou e ele precisou ser levado às pressas para atendimento médico em Viana. A história correu mundo e Zefa, para sempre, seria lembrada com a alcunha de “Mata Virgem”.
Ocorre que o tempo é o melhor remédio para toda e qualquer ferida. Um dia Ambrósio, vaqueiro criado na fazenda Caiçara junto com Zefa como se fora filho dos patrões, engraçou-se dela e, alheio aos apelos e advertências dos mais velhos, subiu ao altar com Zefa Mata Virgem.
Foi uma festança danada, os donos da fazenda patrocinaram tudo: mataram bois, contrataram violeiros, prepararam a igreja que ficou uma beleza. Trouxeram até um sanfoneiro afamado das bandas de Exu, no Estado de Pernambuco. Os “comes e bebes” duraram dois dias, ao cabo do qual os noivos receberam de presente uma casinha nos fundos da fazenda, construída especialmente para eles.
Imagem ilustrativa
O começo da vida conjugal foi um mar de rosas, Zefa não tinha do que se queixar. O marido era habilidoso, sabia como penetrar a selva protuberante, cobria-a de mimo e de sexo, que faziam em sessões diárias, ao raiar da aurora e ao morrer do sol. Ocorre que passada a euforia, o mar perdeu água e virou córrego. Cada vez mais envolvido na labuta da fazenda, Ambrósio foi se distanciando do ambiente doméstico e dos afazeres conjugais, até que perdeu o apetite pela coisa completamente.
Atônita e certa de que o parceiro “virara o miolo” por alguma sirigaita das redondezas, Zefa Mata Virgem procurou Cristina, uma curandeira respeitada por dar vida a um enfermo desenganado do “Velho Trancoso”, e contratou-lhe os serviços.
Após tomar pé do problema, a curandeira recomendou-lhe preparar uma infusão de pentelhos e mel de abelha e dar ao marido, porém com uma advertência. “Não pode exagerar na dose. São apenas alguns pelos entrelaçados, cozidos e coados e uma colher de mel". Zefa já abria a porta e ela completou. “Bastam dois dedinhos e ele volta a brincar na selva”.
Eufórica, Zefa pegou uma tesoura e devastou metade da cabeleira pélvica. Pôs a maçaroca numa panela com um copo ao meio de mel e, por sua conta e risco, adicionou uma pimenta malagueta. Depois de fervido fez o marido beber.
No dia seguinte Ambrósio era um homem à beira da morte, de tanto vomitar por cima e por baixo. Aflita, Zefa correu à casa da curandeira e a responsabilizou pela ocorrência. “Meu marido está morrendo e a culpa é sua”.
Cristina quis saber como ela preparara a beberagem. Ela explicou que caprichara na retirada dos pentelhos e depois levantou a saia, sem calcinha, para comprovar o resultado da capina. Estupefata com o cenário, Cristina levou a mão à boca. “Pela madrugada! Tu mataste o teu homem! Eu te mandei retirar alguns pezinhos de vassoura. Não mandei devastar o matagal!”.
(*) Nonato Reis é jornalista, poeta, cronista e  romancista. É autor do romance "Lipe e Juliana". Lançará em breve o livro de crônicas "Fazenda Bacazinho".

sábado, 14 de abril de 2018

Brasileiros se dividem sobre prisão de Lula e desconfiam de seletividade na Lava Jato, diz pesquisa


A maioria da população brasileira (57%) considera que o ex-presidente Lula, preso e condenado na Operação Lava Jato, é culpado parcialmente dos crimes atribuídos a ele. Mas o país se divide em relação à prisão do petista. De acordo com pesquisa Ipsos divulgada neste sábado pelo jornal O Estado de S. Paulo, 50% são favoráveis e 46% contrários à prisão do petista.
O levantamento revela que 95% dos entrevistados acham que as investigações da Lava Jato devem continuar após a prisão do ex-presidente. Mas há desconfiança grande sobre a imparcialidade da operação. Para 52% dos entrevistados, não é correto afirmar que “a Lava Jato está investigando todos os políticos”. Outros 41% estão de acordo com essa avaliação.
Segundo o Estadão, a percepção de que “a Lava Jato está investigando todos os partidos” atingiu o mínimo histórico da série de pesquisas Ipsos no fim de semana da prisão de Lula. Apenas 43% dos eleitores manifestaram concordância com a frase, e 47% disseram o contrário.
“É a primeira vez, em dois anos, que aparece como minoritária a parcela da população que compartilha da avaliação de que todos os partidos são investigados”, destaca a reportagem. Em abril de 2016, 66% da população via a Lava Jato como empenhada em investigar todas as legendas.
De acordo com a pesquisa, 73% acreditam que existe uma forte percepção de que “os poderosos querem tirar Lula da eleição”. Outros 23% discordam.
A maioria (55%) também concorda com a avaliação de que “a Lava Jato faz perseguição política contra Lula”. Outros 41% discordam. Os entrevistados também se dividem quando confrontados com a afirmação de que “a Lava Jato está mostrando que Lula é mais corrupto que os outros políticos”: 44% concordam e 51% discordam. É conclusivo a percepção de que, para muitos dos entrevistados, o que se queria era mesmo tirar Lula da disputa eleitoral.
O Ipsos ouviu 1.200 pessoas entre os dias 7 e 9 de abril. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos.
Do site Congresso em foco.

segunda-feira, 2 de abril de 2018

A Crônica do dia


HOJE É DIA DE... 



ROSA FUDÊNCIO, A DEVORADORA

(*) Nonato Reis

Se havia uma palavra para definir Rosa Fudêncio com exatidão essa seria “excesso”. A garota tinha uma predisposição para ultrapassar os limites do permitido. Fosse à mesa de refeições, ao contar uma estória, nas brincadeiras com os meninos ou no confessionário com o padre – sempre exagerava na dose.
Comia que nem um jumento, falava demais, e o que é pior: dizia o que não devia. Era alta, gorda, desengonçada.
Um dia subiu em um pé de cacau e danou-se a comer os frutos da árvore com caroço e tudo. No dia seguinte, na hora marcada do bota-fora, passou sufoco. A cólica era intensa e ela não conseguia se ver livre do inferno que lhe consumia as entranhas. 
Fez uma rápida inspeção no traseiro e viu que havia uma espécie de assoalho de caroços a fechar a saída. O jeito foi usar o dedo indicador como alavanca. E foi abrindo caminho até liberar a passagem do principal, que se esparramou no chão de um jato só.
Foi ao confessionário da igrejinha local e, sem rodeios, avisou ao padre. “Acho que pequei”. O padre pediu que ela contasse o pecado. “O que minha filha andou fazendo de errado?”. E ela, candidamente: “Padre, eu me masturbei na frente de um espelho e repeti três vezes seguidas”. 
Quase sem fôlego, o padre cortou a história. Mandou que ela rezasse dez terços completos e avisou, o dedo em riste: “Nunca mais ceda a esses impulsos, que são coisas do demônio”.
Os mais velhos diziam que Rosa não era gente, tal as traquinagens e maquinações que ela engendrava. Um primo mais novo, de apenas 10 anos, dormia o sono da tarde numa rede de fio de seda, armada na varanda da casa, um velho costume das populações ribeirinhas da Baixada Maranhense. 
Rosa tirou o calção do menino, sem que ele despertasse, amassou algumas pimentas malagueta até formar uma pasta e passou-a no brecoval da criança que, aos berros, correu até o rio e ali ficou de molho até se ver livre do ardume. O reto, porém, de tão inchado não conseguia expelir as fezes e ele teve que passar alguns dias internado no hospital da cidade, para curar a inflamação.
Nem a avó, que ela venerava como mãe, conseguiu escapar do seu veneno. Certa vez, aproveitando a ausência da velha, que fora visitar um parente, Rosa entrou na casa vazia, foi até a cozinha, pegou o bule de café, ainda quentinho, bebeu o seu conteúdo e depois urinou dentro. 
Não satisfeita, mijou a varanda de ponta a ponta, pegou um pedaço de carvão e escreveu no assoalho: “fui eu!”. Ao se deparar com a presepada, a velha não teve dúvida da sua autoria e deu-lhe uma surra com talo de tamarindo, que deixou a bunda da neta em carne viva.
De tanto fazer malvadezas, a própria Rosa beberia o gosto amargo dos seus excessos. Foi muito tempo depois, quando já morava em São Luís e contraiu núpcias. Na noite do casamento, Rosa e o marido danaram-se a fazer sexo. 
Passaram a noite, entraram pelo dia, anoiteceu de novo, amanheceu e os dois em plena atividade. O marido, já só a pele e os nervos, pedia clemência, mas Rosa, ensandecida no cio, não dava trégua.
Foi tanto sexo que a genitália dela inchou até dobrar os grandes lábios. Quando se deu conta, não conseguia mais sequer urinar e foi preciso recorrer a um serviço de urgência, apesar da resistência dela em se expor daquela forma.
O médico, antes de examiná-la, achou graça do seu sobrenome e quis saber a origem, ao que Rosa, incomodada, tratou de encurtar conversa.
- Eu não sei doutor, deve ser coisa dos meus antepassados, mas não foi para falar das minhas origens que vim aqui.
Ao ver o sexo de Rosa, inchado feito uma cuia emborcada, o médico levou um susto.
- O que foi isso, dona Rosa?
Rosa, que era tímida, deu-lhe uma resposta inviezada. 
- Doutor, se o senhor não sabe, eu é que vou saber?
- Mas a senhora não tem nem ideia do que possa ter causado isso?
Rosa tentou dissimular...
- Acho que foi algum inseto, uma formiga, quem sabe? 
E o médico, entre formal e risonho:
- Formiga nada, dona Rosa. Isso foi excesso de fudência.
...
Crônica escrita em 2017, para um segundo livro ambientado no Ibacazinho, ainda sem data para publicação
(*) Nonato Reis, é jornalista, poeta, cronista e romancista.