HOJE É DIA DE...
BONI, O PEGADOR DE MULHERES
(*) Nonato Reis
Dizem que muito tempo depois
ainda se ouvia a voz por entre as sombras dos sepulcros, a ecoar a seiva que
lhe dera a vida: “eu quero é mulher!”. Benevoluto, o Boni viveu para amar o
sexo oposto. Por ele dedicou a existência e a própria morte. Nem Salomão, com o
seu vasto harém, chegara a tanto. Amou com a intensidade da alma e semeou a sua
existência no solo sagrado da mulher, como quem lança grãos de uma semente rara
em terra fértil.
Fisicamente, nada tinha de
especial. Nem mesmo espiritualmente. Era um sujeito normalíssimo em quase todos
os ângulos da visão. Mas era dotado de uma energia, um magnetismo que o
destacava na multidão como a luz a rasgar o escuro. Sei que soa preconceituoso
afirmar isto, mas bastava a mulher se aproximar dele e já parecia fadada a
virar presa fácil. Uma noite de cama com ele e nove meses depois a escolhida
daria à luz mais um de seus incontáveis rebentos.
Foi assim com “Dalva, a
ordinária!”, “Branca, a mal falada”, “Diana toda sorriso”, “Alexandra, a
sisuda”, “Poliana, a bruxinha”, “Zulmira miudinha” e assim sucessivamente. A
todas com quem deitava premiava com um aposto, como a inscrever a sua marca.
Até Crisalda, primogênita do Coronel Ponciano, homem brabo da gota e dono de
terras incontáveis, caiu na rede de Boni.
Chegara da capital, formada
normalista, para ensinar os filhos dos vaqueiros do coronel e dos demais
colonos da região. Um dia olhou o rio, descendo risonho e sereno, e quis
banhar-se em suas águas. Afundou feito uma pedra. Na agonia gritou por socorro
e viu-se de repente nos braços redentores de Boni. “A professora precisa ter
cuidado! O rio é bonito, mas tem seus perigos”. Resgatada das águas, mergulhou
no azul daquele olhar profundo para deles se tornar refém para sempre.
Ali mesmo às margens do Maracu
abriu-lhes as pernas e se deixou invadir por aquela avalanche de brisas e
trovoadas. Dois meses depois a notícia correu beirada e estourou nos ouvidos do
coronel, que juntou a cabroeira e foi ter com o pegador de sua filha. Amarrado
com as mãos para atrás, os testículos sobre uma tábua de pau d’arco, Boni viu o
jagunço armado com uma queixada de boi, pronto para a operação. Vestido a
caráter, calças de caqui enfiadas em botas de vaqueiro, revólver à cintura e
rebenque na mão, o coronel deu a ordem. “Esmaga as ovadas do malfeitor!”.
No primeiro baque surdo, Boni deu
um berro, arregalou os olhos, respirou fundo, como a agarrar o ar que lhe
escapava dos pulmões, e pediu clemência. “Não, Coronel! Eu lhe peço. Não me
prive daquilo que recebi como graça divina! Posso lhe dar uma linhagem de
machos como nenhum outro desta região seria capaz”. O coronel estancou no seu
ímpeto sanguinário e olhou dentro dos olhos de Boni. Depois concluiu: “Faz
sentido! Solta o homem que ele agora é parte da minha família”. E o levou para
casa.
Boni não apenas cumpriu sua parte
no trato direitinho, como foi além. Deu sete varões ao Coronel, um dos quais, o
primogênito, entregou como afilhado da cunhada Emília, a filha caçula do sogro.
Não demorou e a própria Emília apareceu prenhe do compadre, para espanto e
indignação do coronel.
Chamado às falas, o coronel
despejou a sua revolta em tom resignado. “Como me arrependo de não lhe ter
decepado os colhões! Foi a maior besteira que fiz nesta vida. Você é a vergonha
desta família. Onde já se viu deitar com a própria comadre! Não pode existir
pecado maior. Tu és um homem perdido diante de Deus”. Boni ouviu contrito a
ladainha do sogro e em seguida falou em pose de sábio. “Meu sogro não se avexe
não que eu e Emília somos compadres só da cintura para cima. Do umbigo para
baixo ela é mulher e das boas, que outra fêmea igual nunca tive”.
E assim, com Dalva e Emília se
revezando nos serviços de cama e as demais servindo-lhe nos intervalos, Boni
viveu quase 100 anos e, segundo ele próprio dizia, seguiu como ninguém o
mandamento do Pai que exortava a crescer e multiplicar. Já no final da vida,
abatido por doenças próprias da idade, a única coisa que nele permanecia ativa
era o sexo, que fazia regularmente todos os dias.
A velhice porém foi pouco a pouco
minando suas forças. Até que caiu de cama e dela não mais se levantou. Já com a
voz fraca, quando lhe perguntavam se queria alguma coisa, quem sabe um chá, uma
colherzinha de leite, ele respondia irritado: “eu quero é mulher!”. Perdeu
inteiramente a voz, e sempre que instado a se alimentar, fechava uma mão e com
a palma da outra sobre ela batia três vezes, simbolizando a cópula. Morreu com
o dedo indicador direito enfiado na mão esquerda.
Na hora de vesti-lo para a última
morada, a viúva deu de cara com o pênis do marido em posição de sentido. Diante
daquela cena imprópria, determinou que enfiassem o “sujeito” no traseiro do
dono.
Ocorreu porém que lá pelas tantas
da noite ela notou que uma lágrima solitária escorria do rosto do morto. Com a
ponta do lenço tentou secá-la, mas a lágrima, teimosa, continuava a brotar,
como se fora um olho dágua. Então, discreta, aproximou-se do finado e
segredou-lhe ao ouvido. “Eu te falei que esse troço doía, mas tu achava que era
frescura minha”.
(*) Nonato Reis é natural de Viana, Maranhão. É poeta e jornalista!