domingo, 18 de junho de 2017

E quase tudo virou saudades

Japeçoca
Há muito queria escrever sobre tudo que tinha na minha terra e hoje não tem mais, ou é muito difícil de se encontrar. E a penca de coisas é enorme. Para tanto tive de fazer uma verdadeira regressão psicológica. Um mergulho no tempo. E certamente não mencionarei tudo que o tempo guardou no esquecimento. Mas procurarei ser fiel às minhas lembranças: as veredas por onde andei, os frutos que saboreei e do muito que preencheu os dourados dias da minha infância.

Retrocedi no tempo e me vi nos meus dias de férias na casa de meus avós maternos no Boticário, - uma reentrância de campo onde se espalhava um extenso tapete verde de capim de marreca. Às primeiras chuvas o campo se enchia e logo vinham as vegetações imergindo do solo submerso. Eram as orelhas de veado, os pajés, as vitórias-régias, as gapeuas, os guarimãs que logo recebiam as primeiras japeçocas em seus acasalamentos e berçário. Nas primeiras horas daquelas manhãs ou nos fins daquelas tardes ouvia-se o cantar delas que cruzavam o estreito ressaco de enseada em direção à casa de Seu Doquinha ou lá pras bandas do Urucu. Era comum se vê singrando os campos nunca cercados, pessoas que faziam daquele habitat o seu próprio sustento e meio. As canoas e os marás eram utensílios de uso de todos que por ali moravam.

A parte alta de terra começava quase sempre por um rosário de quirizeiros, cujos frutos perfumavam o ambiente em suas épocas. Os tarumãs e as ingás também ganhavam aspecto em meio a plantação nativa. Mais no alto sobressaiam-se as casas dos moradores com seus quintais e roças.

A casa do meu avô Heráclito ficava em uma parte mais alta. À frente, um terreiro sempre limpo onde pastavam os animais e onde quase sempre era improvisado um campinho de futebol. Do lado a velha “casa-do-forno”. Mais para a direita ficava a casa de Seu José Castro, enquanto para o lado esquerdo morava o ranzinza Seu Zé Costa. Meu avô, de cuja lembrança me foge à memória, era um senhor severo, daqueles que empenhavam a palavra como a honra maior de um homem. Minha avó, Andrelina – a quem nós chamávamos carinhosamente de Delica - era extremamente dócil. Tinha nos seus pequenos olhos o profundo de um azul-mar. Era ela quem nos acolhia, quando das travessuras, do relho que era anunciado e quase sempre cumprido.

Bico-de-brasa
Afora a casa, quase sempre se tinha um poço no quintal, além, de uma sentina, um chiqueiro, um galinheiro e uma estrebaria. A primeira parte do quintal era quase sempre constituído de algumas árvores frutíferas, tais como, limoeiros, laranjeiras, tanjarineiras, algumas bananeiras e mangueiras. Sobressaia-se também um jirau e uma armação de paus que, fincados no chão, se cruzavam em xis para o suporte de canteiros suspensos, onde se plantavam as ervas e os temperos caseiros. Muito difícil vê-se quintal assim hoje em dia.

Do lado da estrada que vinha até a casa de meu avô uma frondosa mangueira nos presenteava com uma espécie rara de manga: a sapatinho. Confesso que nunca vi em outro lugar, acho que era o último exemplar. Era um tipo pequena, mas de um sabor agridoce sem igual. Era a preferida dos bezerros que costumavam por ali pernoitarem. Outras grandes árvores também compunham a beleza ímpar daquele lugar. Nelas costumavam se ver exemplares de tucanos, ainda que raros. Mas eram comuns naqueles tempos os bicos-de-brasa, os japis – estes tinham na grande árvore seus ninhos bem trançados que balançavam ao sabor do vento matinal. Por ali também visitavam as rolinhas “fogo-pagô”, e as pipirinhas pardas e azuis. Nas roças, nos arrozais, faziam algazarra os curiós, caboquinhos e bigodes. Todos livres, leves e soltos a grazinarem suas sinfonias nas manhãs de minha infância.

Entre as astúcias dos meninos daqueles tempos, uma era imprescindível. Menino que se prezasse valente, astuto e traquina, tinha que ter uma baladeira, uma cordinha, ou um pequeno cabresto, afim de campear os carneiros que pastavam soltos nos campos e capoeiras. Os machos nos serviam de montaria, enquanto as fêmeas quase sempre tinham outras utilidades.

Na volta pra casa, exceto as responsabilidades de ir para o Grupo Escolar e para a aula particular – coisa que sempre fomos obrigados a fazer, eu, meus irmãos e muitos da minha época – na casa de Dona Ubaldina, a vida seguia seu curso normal de menino. Uma pelada nos campinhos improvisados, o jogo de bolinhas, a bola de meia, o dinheiro de carteira de cigarros, os chevrolets feitos de latas de sardinhas com pneus de rolhas de vidros de penicilina, além de algumas tarefas caseiras, como o recolhimento crepuscular dos animas e o agasalhar de algumas poucas criações. Isto era muito comum nas famílias da época. Algumas vezes, em tempos já mais estios, os animais se afastavam pra mais longe e quase sempre não retornavam para casa no cair da tarde. Era certo que no dia seguinte tinha-se que ir atrás. O rumo era o Arrebenta, o Cazumba, o Jamari e o Candonga. As vezes se tinha êxito, mas quando não, a busca se repetia no dia seguinte.

Pipira azul
Nestas andanças por entre as capoeiras, uma fartura de frutos do mato sempre apareciam do nada, como se quisessem nos encantar com os seus sabores silvestres. Eram maracujazinhos-do-mato, murtas, goiabas-araçás, maria-pretinhas, cauaçus e os deliciosos tucuns-verdes. As amejubas eram raras, mas com faro apurado podia se achar. Das palmeiras diversas e em seu tempo também se achavam as macaúbas e os marajás. Nos campos, os bandos de graúnas-de-peito vermelho faziam seu balé de cores e cantos. Tudo ali existia naquele tempo diante dos nossos olhos...  Hoje, quase nunca mais se tem ou se vê essas maravilhas do interior.

A busca pelos animais de casa me rendia um prazer imensurável de liberdade e conhecimento. Em algumas vezes, eu, perdido entre as guloseimas do mato, esquecia até da razão de estar naquelas andanças, enquanto o burro e o cavalo faziam o caminho de volta pra casa e chegavam primeiro do que eu, me permitindo às vezes uma pisa pela vadiagem.

Já na boca da noite, era preciso tomar o banho às pressas, antes que os caburés começassem seu canto noturno. Morria de medo. Precisava estar preparado para ouvir as histórias de Dona Palica, que entre uma cachimbada e outra, contava pra a meninada da redondeza, as histórias de reis e rainhas de um reino distante, bem como as dos bichos, em especial as de Coelho e Tia Onça, as que mais me encantavam.

Assim caminhava a noite. A lua quase que constante nos céus daqueles tempos, nos convidada para as brincadeiras de “cair no poço”. Chegava a hora de dormir. O pai-nosso, a Ave-Maria nos guardavam e nos protegiam. E assim embalávamos nossos dias na pureza da vida.


Hoje tudo isso é filme na minha lembrança que um dia vivi e que o tempo não me deixa viver outra vez. 

terça-feira, 6 de junho de 2017

Rui, Jorge e Damasceno: Os irmãos Figueiredo juntos novamente.

Os irmãos Rui, Jorge e Damasceno Figueiredo
Soube ainda há pouco, ao abrir minha rede social Facebook do falecimento de um grande amigo do meu pai, e por extensão também meu amigo. Refiro-me a Rui Gonçalves Figueiredo. Já era um senhor idoso. Vivera 84 anos. Natural de São João Batista, Rui, que segundo informações sofria do Mal de Alzheimer, faleceu na cidade de Parauapebas, Estado Pará.

O fato em si me comoveu, mas o que me chamou a atenção, além das muitas condolências manifestadas por muitos dos que o conheceram e por ele tinham alguma afinidade, ainda que a de simples conterrâneo, foi a foto postada por um dos seus sobrinhos. Na imagem ali estavam os três filhos de seu Artur Marques Figueiredo. Todos já falecidos: Rui, Jorge e Damasceno.

Fiquei a pensar como é de fato a vida. E como ela é de maneira frágil. Um dia estamos aqui, em outro dia não. Me fez reafirmar o que já passei a cultivar há um certo tempo: o tempo de hoje. Valorizar, respeitar e amar os verdadeiros amigos. Irmanar-se cada vez mais com aqueles que são o sangue do nosso sangue. Entendo cada vez mais que a vida é um permanente tecer de sentimentos bons, afinal, como diria o poeta, cada um compõe a sua história. Fazer o bem é mágica para se ter o bem.

Em pose de irmãos que se amavam, se respeitavam e se davam muito bem, os três aparecem abraçados. Comovente, sem dúvida. O registro se nos traz lembrança, aos familiares traz muito mais, pois era um tempo de vida e aqui eles estavam. Hoje não estão mais. Trouxeram consigo a marca familiar dos Gonçalves Figueiredo, ao lado de mais duas irmãs, Zinaura e Naura Gonçalves Figueiredo, ainda vivas.

João Damasceno o mais novo dos três foi o primeiro a se ir. Faleceu em 2004, vitimado por um câncer de próstata.  Era um boêmio. Poeta nas horas vagas. Convivi com ele alguns momentos de poesia. Vi-o recitar muitos dos seus poemas, infelizmente dispersos e levados consigo. De boa instrução, Damasceno sempre exercia funções cidadãs na nossa cidade. Foi funcionário público estadual. Serviu por muitos anos como vigilante do Colégio Acrísio Figueiredo. Sempre foi afeito ao trabalho, seja como lavrador, pois sempre tinha sua roça, seja como proprietário de olarias. Porém era com a função de açougueiro que mais se identificava. Era um exímio magarefe. Trabalhou por muitos anos nos mercados de nossa cidade.

Jorge Figueiredo tem destaque sobretudo na vida política de nossa cidade. E assim já tem seu nome na história joanina. Reservo em especial outros escritos sobre a vida e a obra política deste que foi de simples chofer de caminhão a ser uma das grandes lideranças políticas de sua terra. Um ano após a morte do seu irmão mais moço, o coração do ex-coletor estadual, ex-vereador e ex-prefeito não resistiu. Jorge faleceu em 2005. Era um homem por quem eu tinha um profundo respeito, cujo sentimento ele me retribuía com grande admiração.

Rui, o mais velho, foi-se hoje. Foi pra mim, o mais hábil dos velhos cortadores de carne do antigo mercado municipal, que ficava onde hoje é a praça de eventos. Foi lá que o conheci, nas minhas primeiras responsabilidades de rapazinho, quando ainda de madrugada era preciso estar no mercado. Naquela época de pouco provimento, era preciso ser astuto, pois o mercado era um lugar também de barulho. Era preciso gritar alto para se fazer ouvido. Talvez por isso o velho Rui fora aos poucos perdendo a audição. Tinha que se falar alto para que ele nos ouvisse. E nem se zangava quando a gente o chamava de “surdo”.   Foi também funcionário público estadual. Era vigia. Foi lotado por muitos anos até se aposentar no Colégio Acrísio Figueiredo.  Sempre que nos encontrávamos, ele perguntava pelo meu pai, e fazia questão de dizer que eram amigos. E isso, como se fosse uma missão, me fazia mais amigo dele.

Hoje os três filhos-homens de seu Artur não estão mais aqui, mas a fotografia agora se repete, só que em outro plano, o dos céus. O de Deus. Se aqui no plano dos homens, pairam as dores, as lembranças, as lágrimas, no plano celestial, os irmãos se reencontram. E certamente abrirão sorrisos ao se abraçarem, afinal, a vida segue, e a morte é só passagem. E o céu é um lugar de plena felicidade.

Aos familiares o nosso profundo pesar.



quinta-feira, 1 de junho de 2017

Ex-prefeita Maria Raimunda começa a pagar caro pela sua desastrosa administração

Ex-Prefeita Maria Raimunda
A ex-prefeita Maria Raimunda que ficou conhecida pelos seus impropérios e muito mais pela desastrosa administração à frente da Prefeitura de São Vicente Férrer, começa a pagar pelos seus "pecados" administrativos. Ela que afirmava que a "alegria vem das tripas", terá certamente agora motivos para chorar. E a razão segue-se abaixo. 
O juiz Bruno Barbosa Pinheiro, titular da comarca de São Vicente Férrer, condenou a ex-prefeita do município, Maria Raimunda Araújo Sousa – também conhecida nas redes sociais como “prefeita caloteira” – por atos de improbidade administrativa praticados na sua gestão . Entre as penalidades à ex-gestora, a suspensão dos direitos políticos por cinco anos; multa de 20 (vinte) vezes o valor da remuneração mensal, quando chefe do executivo, e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de três anos.
A sentença foi proferida em Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa movida pelo Ministério Público Estadual em desfavor da ex-prefeita. Na ação, o MPE cita o inquérito civil nº 001/2013, instaurado no âmbito da Promotoria de Justiça do Município (São Vicente Férrer), que constatou como condutas improba atribuídas à ex-gestora a não realização de concurso público; manutenção de servidores em desacordo com a lei; utilização de critérios pessoais para contratação e exoneração de servidores; impedimento aos servidores concursados/estáveis de exercerem seus cargos, sem a instauração de procedimento administrativo; não pagamento regular dos salários dos servidores e prática de nepotismo na administração municipal.
Em vista dos fatos, à época da ação (2013), o autor requereu o afastamento liminar da requerida e a exoneração dos parentes da mesma do quadro da Prefeitura.

Em contestação, a ré sustentou ter verificado, no início da gestão, a existência de servidores contratados e concursados que não trabalhavam, mas apenas recebiam salários, motivo pelo qual teriam sido exonerados. Ainda segundo a ex-prefeita, a gestão entendeu que a realização de concurso público no início do exercício do cargo seria uma medida demasiadamente complexa, razão pela qual somente no fim do primeiro mandato enviou à Câmara Municipal projeto de realização de concurso.


Sobre o atraso de salários, Maria Raimunda alegou que o problema vinha da gestão anterior ao seu mandato, mas que estava adotando medidas para regularizar o pagamento. Em relação ao nepotismo, a ex-prefeita afirmou à época que a contratação de parentes não constitui violação à Súmula Vinculante nº 13, do STF, mas, ainda assim, garantiu, exonerou todos os parentes de cargos políticos.
Tentativa de ludibriar o Poder Judiciário

Sobre essa última afirmação, o juiz frisa, em suas fundamentações, que, embora constem dos autos portaria de exoneração da filha da ex-prefeita, Linda Sousa Penha, do cargo de secretária municipal de saúde, e datada de 20 de novembro de 2013, provas juntadas pelo autor da ação atestam que a mesma continuou a exercer livremente o cargo, pelo menos até o dia 17 de junho de 2014.
Linda teria, inclusive, assinado parte da prestação de contas do Município no exercício de 2014, bem como ofícios encaminhados à Promotoria de Justiça do Município e datados de dezembro de 2015, além de janeiro, fevereiro e março de 2016.

Imenso dolo 

Sobre o atraso no pagamento de salários de servidores, o juiz destaca que no dia 10 de março de 2016 o MPE informou que a irregularidade continuava. O juiz ressalta que a irregularidade culminou no bloqueio de 60% dos recursos das contas do Município de São Vicente Férrer, e o posterior bloqueio integral de todas as contas municipais durante a última semana da gestão da ré.


“Salta, pois, aos olhos, o imenso dolo da prática dos atos relacionados, com interferência na vida dos munícipes, indo além do dolo genérico, consistente na vontade livre e consciente de agir em desacordo com a norma, que já é suficiente à configuração de cada uma das condutas descritas como ato administrativo que atenta contra os princípios da administração”, conclui o juiz.
(Com informações do Blog da Silvia Teresa)