quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

UM AUMENTO DE MENTIRINHA E UMA IMPRENSA DESINFORMADA.


Por Abdon Marinho.

AINDA é recente a demissão do Secretário Nacional de Cultura por ter usado em um pronunciamento para a internet toda a estética nazista e, até mesmo, plagiado partes de um discurso de Goebbels. Tratei do assunto em um texto específico na ocasião.
Volto a Goebbels porque como ministro da propaganda nazista – cargo que ocupou de 1933 a 1945, quando matou a família, inclusive os seis filhos e suicidou-se –, e um dos seus principais ideólogos, cunhou frases que foram imortalizadas e, pior, praticadas, que alcança os nossos dias, uma delas diz: “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”.
Tal frase ganha relevo, sobretudo, nos dias atuais quando as pessoas e, principalmente, os governantes dão pouca importância à verdade e até a relativiza.
Em tal contexto caberia à boa imprensa o relevante papel de pontuar a verdade, esclarecer os fatos e não se deixar iludir com mentiras ou com meias verdades. Esse é o importante papel que lhe destinou a Constituição Federal e para o qual lhe deu garantias.
Infelizmente, o que temos visto é o oposto disso.
Há um fato que ilustra bem o que acabo de dizer. Na segunda-feira, o governador do Maranhão anunciou, de próprio punho, através de uma rede social, o seguinte: “Novo piso de remuneração para os professores 40 h no Maranhão deve passar para R$ 6.358,96. Proposta será enviada hoje para Assembleia Legislativa. Lembro que o valor nacional é de R$ 2.886,24”.
Embora a linguagem seja truncada e própria para confundir, isso não isenta a imprensa local – e até mesmo a nacional –, da “barrigada” exaustivamente difundida de que o piso salarial dos professores no Maranhão seria de R$ 6.358,96 para os professores com 40 horas semanais. Isso porque aquilo que o governador difundiu – e a imprensa “comprou” como verdade –, não tem sustentação na realidade dos fatos.
O governador como advogado sabe, e a imprensa, por dever de ofício deveria saber, que a definição de Piso Salarial é bem específica, significa o menor salário que pode ser pago dentro de uma categoria profissional específica, no caso, os professores. Esse conceito é elementar, nem precisa viver no mundo do direito ou sindical para saber disso.
Logo, piso salarial é o salário-base do servidor sobre o qual incide todas as vantagens, progressões, etc.
Já sabia – como todos devem saber –, que o governador não mandou mensagem para a Assembleia Legislativa estipulando o piso salarial no valor informado na rede social. Na verdade, para que a patranha não ficasse tão em evidência, sua excelência não usou o termo piso salarial, “criou” a figura do “piso de remuneração”.
A razão disso? Confundir a opinião pública estadual e nacional de que a educação está sendo mais valorizada que em qualquer outro lugar do país.
Na verdade, há cinco anos que os demais servidores públicos não têm aumento real. E mesmo os professores não estão recebendo os aumentos salariais conforme deveriam.
Pesquisando sobre assunto encontrei uma tabela de remuneração para o ano de 2020 distribuída nas redes sociais por uma fonte insuspeita: o sindicato da categoria, que possui ligações umbilicais com o governo.
Na tabela do sindicato consta que a remuneração dos professores com carga horária de 40 horas varia de R$ 6.358,96 a R$ 8.092,07, mas isso com a Gratificação de Atividade de Magistério - GAM e outras vantagens.
O piso na verdade varia de R$ 2.886,24 (o valor proposto pelo governo federal) a R$ 3.672,87.
Se o leitor ficou atento aos números percebeu que o aumento concedido pelo governo estadual na verdade, para esta categoria, variou de 5 a 10% em relação aos salários que já vinham sendo pagos em 2019.
Os percentuais de aumento concedido pelo governo estadual serão praticamente “consumidos” pela elevação da alíquota previdenciária aprovada pelo governo no ano passado, ou seja, de R$ 5.839,45 a R$ 10 mil, incidirá 14,5%.
A GAM é uma conquista dos professores desde meados dos anos noventa, se não me falha a memória, mantendo-se no Estatuto do Magistério, Lei nº. 9.860, DE 1º DE JULHO DE 2013 desde então.
A GAM, sobre a qual incide os encargos previdenciários só é paga aqueles que esteja em efetivo exercício do magistério, situação bem distinta se fosse piso.
Senão vejamos:
“Art. 33. A Gratificação de Atividade de Magistério - GAM é a vantagem pecuniária atribuída aos integrantes do Subgrupo Magistério da Educação Básica, em razão de seu desempenho de Atividade de Magistério.
§ 1º A gratificação de que trata o caput deste artigo constitui salário contribuição para o Sistema de Seguridade Social dos Servidores do Estado do Maranhão.
§ 2º A gratificação de que trata o caput deste artigo será automaticamente cancelada se o servidor ativo deixar de desempenhar atividade de Magistério”.
O artigo seguinte do mesmo estatuto estabelece os percentuais que serão pagos:
“Art. 34. A Gratificação de Atividade de Magistério é calculada sobre o vencimento, nos percentuais de:
I - 75% (setenta e cinco por cento) aos ocupantes do cargo Professor I;
II - 104% (cento e quatro por cento) aos ocupantes dos cargos Professor, Professor II, Professor III, Especialista em Educação, Especialista em Educação I e Especialista em Educação II e Professor I que estejam desenvolvendo atividades de Educação Especial.
Os números revelam que o percentual de aumento “vendido” como um feito extraordinário do atual governo é bem inferior ao conferido pelo governo federal e, se chega ao final no valor informado pela autoridade, isso se deve às conquistas históricas da categoria. O atual “aumento” concedido significa uma perda para a categoria.
Em relação aos professores com carga horária de 20 horas semanais, a situação é idêntica, exceto pela maior estratificação.
O Piso, ou seja, o salário-base vai de 1443,12 (metade do proposto pelo governo federal) a R$ 1.836,43 e, com a GAM, a remuneração varia de R$ 2.727,50 a 4.046,02, variando os percentuais, em relação a remuneração recebida até agora, de 5 a 17,49%.
Para a grande maioria destes, incidirá uma alíquota previdenciária de 14% (para os que os receberão de R$ 3 mil a R$ 5.839,45) e 12% (para os que receberem de R$ 2 mil a R$ 3 mil).
Um outro elemento a ser considerado antes de se festejar o “aumento” do “piso de remuneração” concedido pelo governo é que sobre sua totalidade incidirão alíquotas de Imposto de renda a serem retidas na fonte, 7,5% a 27,5%.
Tudo isso sem considerar a inflação real de 2019 que alcançou 4,31%.
Noutras palavras, embora o governador e seus aliados, seguidores, aduladores e a imprensa desinformada estejam tecendo loas e alguns até tirando dividendos políticos, para os servidores do magistério, efetivamente, não significa nada ou quase nada de aumento, e, em algumas situações, a conjugação de alíquotas previdenciárias e de imposto de renda, pode até trazer perdas no valor real dos salários.
Outra coisa que deveria merecer a atenção do sindicato da categoria é a variação de percentuais, o que é vedado pelo Estatuto do Magistério, no seu artigo 32: “Art. 32. O Poder Executivo procederá aos ajustes dos valores do vencimento do Subgrupo Magistério da Educação Básica no mês de janeiro, no percentual do Piso Salarial Profissional Nacional do Magistério.”
Quer dizer, o aumento deveria ser linear, para todos, no mesmo percentual estipulado para o piso nacional.
Esse literal descumprimento da lei futuramente, conforme já sabemos, ensejará infinitas ações judiciais cobrando as diferenças entre o maior e o menor percentual, iguaizinhas às milhares que ainda existem em tramitação. O contribuinte sofre, mas a advocacia agradece.
Os responsáveis, auferidas suas vantagens, mais uma vez, já estarão longe para serem responsabilizados.
Vejam bem o que está acontecendo: o governo estadual “inventa” o aumento que na verdade não é aumento; a Assembleia Legislativa vai chancelar, como faz sempre; o sindicato dos servidores da educação vai fingir que não está vendo nada, nem mesmo o flagrante descumprimento do seu estatuto, que é uma lei estadual; e a imprensa vai festejar sua própria desinformação enquanto desinforma ainda mais.
Tudo isso a confirmar o que disse Goebbels há mais de setenta anos.

Abdon Marinho é advogado.


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