quinta-feira, 25 de abril de 2019

A CRÔNICA DO DIA


HOJE É DIA DE... 


MIRREGUE, MAIOR QUE SALOMÃO
(*) Nonato Reis


Eu participava de uma operação nacional do Projeto Rondon, em Mari, município nos arredores de João Pessoa, na Paraíba. Como tinha função de supervisão, sobrava-me tempo para fazer o que sempre gostei: conversar com os moradores, conhecer o seu quotidiano, identificar os seus personagens. Certo dia um líder comunitário aproximou-se de mim e comentou:
- Pena que você chegou tarde e não conheceu o Mirregue.
Levei um susto. 
- Mirregue!!?
Quis saber o que significava aquilo. O cara sorriu e explicou. 
- Mirregue foi um milagre da espécie macho. Ganhou esse apelido ainda na infância. Baixinho e rechonchudo, adorava fazer sexo com animais. Como não conseguia alcançar a altura ideal para a cópula, pedia a ajuda de alguém, dizendo “mirregue!”, que significa me sobe, me levanta.
Achei aquilo engraçado, e na mesma hora me lembrei de Charles, um sujeito que morava em Viana e tinha compulsão por sexo com animais. Dizem que Charles, na fase mais aguda, ali dos 15 para os 18 anos, dizimou a criação de galinhas de sua família e não dava sossego aos fazendeiros da região. A ponto de Zé Aroucha, um criador de ovelhas, tê-lo procurado de garrucha em punho, disposto a apertar o gatilho, coisa que só não aconteceu pela intervenção da esposa dele, que se lançou entre os dois aos prantos. 
- Não faça isso, porque você mata ele e acaba com a nossa vida.
Mas o assunto aqui é Mirregue, e devo dizer que me interessei por saber mais sobre o mito. O cidadão contou-me que o ímpeto sexual o fazia diferenciado.
“Dizem que nem Salomão foi páreo para ele. Nunca passou uma noite sem sexo. Teve mais de 2.000 mulheres, e em pelo menos metade delas deixou herdeiros. Quase formou uma cidade só com os seus descendentes. O cara era um reprodutor incrível. Não havia nada igual”.
Ocorre que o tempo passa para todos, e para ele passou rápido demais. Um dia, sem mais nem menos, o pinto de Mirregue embicou e parou. Pediu aposentadoria. Para ele foi como morrer. Entrou em depressão, deixou de comer, ficou transtornado. 
Os amigos o aconselharam a procurar um médico, não um médico qualquer, desses que dão consulta toda semana em postos de saúde, porém um especialista do ramo. 
Com muito sacrifício conseguiu a consulta e explicou o seu drama ao urologista que, alguns exames depois e meses de espera, receitou-lhe umas pílulas branquinhas, com a advertência de que não extrapolasse a dose, que devia ser apenas um comprimido antes do ato sexual.
Mirregue, ansioso para ver o companheiro de volta à arena, ignorou a recomendação do médico e tomou logo cinco cápsulas de uma vez. O efeito foi devastador. Com o pinto vivíssimo novamente, partiu para descontar o atraso. 
Primeiro pegou a esposa e com ela passou a noite inteira dedicado aos prazeres da carne. No dia seguinte, morta de sono e alquebrada, e vendo o marido naquela danação, arrumou as trouxas e abandonou a casa. 
Mirregue olhou em volta e se deparou com a cunhada, que assistia à cena estupefata. Sem lhe dar tempo de reagir, deitou-a no chão de cimento duro e lançou-se sobre ela. Já no final da tarde, igualmente exausta, a cunhada se desvencilhou das garras de Mirregue e bateu em retirada.
Foi até a cozinha e, arma em punho, esbarrou na empregada Tertulina, famosa pelos atributos traseiros, que procurava algum condimento nos armários da pia.
Lá pelas tantas da noite, Tertulina, suando em bicas e com as pernas bambas, conseguiu escapar do massacre e correu para a rua, a gritar por socorro. Alguém precisava fazer alguma coisa. Ou amarravam o patrão ou ele dizimaria a população feminina da cidade.
Vendo Mirregue com o dedo no gatilho, pronto para novas refregas, os vizinhos não tiveram outra saída: enrolaram-no em um lençol e o levaram para João Pessoa, onde passou por uma intervenção cirúrgica para desobstrução dos canais que irrigam o pênis e sustentam a ereção. 
Mirregue livrou-se do priapismo, mas seu companheiro de jornada sexual vestiu o pijama, sempre condenado à flacidez. 
De desgosto definhou e viu a morte surgir diante dele. No leito mórbido, às pessoas que o tentavam reanimar, oferecendo-lhe alimento, ele respondia num fiapo de voz: “eu quero é f...”. Depois, já sem voz, quando lhe perguntavam se queria alguma coisa, quem sabe um chá ou uma colherzinha de leite, batia várias vezes com a palma da mão direita na outra mão fechada, num gesto que simboliza o ato sexual. 
Já perto do fim, pálido e sem forças, apenas tocava com a ponta do dedo indicador de uma mão na entrada do círculo formado pela outra mão, em resposta sobre se desejava alguma coisa. Até que os movimentos cessaram e o dedo saliente ficou para sempre enterrado no vão da outra mão. 
Após sua morte, a casa em que morava virou tapera e palco de assombrações. Tarde da noite, ao passar por ali, as pessoas diziam ver um vulto vestido em uma saia branca a implorar por ajuda: “mirregue!!!”

(*) Nonato Reis é jornalista, poeta e escritor.

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