O
DIA EM QUE O MARANHÃO ENCHEU AS MALAS DE DÓLARES
Por Nonato Reis
Nonato Reis |
E o que seriam causos? Na
definição mais inteligíveis, histórias contadas de forma simples e direta,
porém com leveza e senso de humor. Os causos podem ser inventados ou não e,
independente da veracidade, o que conta mesmo é a versatilidade com que são
narrados.
No Brasil, os mineiros ganharam a
fama de exímios contadores de histórias, mas em todas as regiões do País o
gênero se disseminou e contagiou gênios da Literatura, como o poeta Mário
Quintana, gaúcho, e Graciliano Ramos, alagoano, que publicou uma obra
memorável, “Histórias de Alexandre”, livro protagonizado por um vaqueiro
contador de causos.
No Maranhão, esses artistas da
palavra vicejam aos magotes, especialmente no meio rural, e sobre eles escrevi
uma crônica, reunindo os mais destacados com quem tive o privilégio de
conviver.
Um deles, um tio-avô meu, de nome
Levi, que reunia plateias para ouvir suas histórias, quase sempre envolvendo
espíritos e pescadores. Também o Zé Branquinho, que gostava de se exibir nos
velórios, atraindo para si a atenção de um público marcado pela dor da partida
do ente querido. Cumpria assim o papel importante de desanuviar o clima de
opressão que marcam as cerimônias fúnebres.
Domingos Dutra |
De Domingos Dutra ouvi uma
história engraçada, mesmo que difícil de acreditar. Era o início dos anos 90,
Edison Lobão vencera as eleições para o Governo do Maranhão, numa eleição
aguerrida com o senador João Castelo. Governador, deu de cara com os cofres
vazios. O dinheiro mal dava para pagar as obrigações legais. Como fazer os
investimentos que se faziam inadiáveis, para garantir a retomada do
desenvolvimento?
Lobão correu a Sarney, seu mentor
político, e ambos tiveram uma ideia mirabolante. Articular uma grande reunião
com chefes europeus e tentar convencê-los a investir num Estado que, mesmo
falido, tinha enorme potencial estratégico. Lobão imaginava sensibilizar os
governantes usando a figura emblemática de Sarney que, mesmo com enorme rejeição
interna, pela gestão desastrosa no exercício da Presidência, gozava de
prestígio internacional, onde era visto como estadista e homem de letras,
responsável por conduzir o País de volta ao regime democrático.
A reunião teve lugar no
parlamento francês, em Paris, e foi marcada pelo sentimento de comoção, em face
do quadro dramático do Maranhão, que ostentava a condição de unidade mais pobre
da federação, berço da fome e do analfabetismo. A França, como colonizadora do
Estado e fundadora da única capital brasileira não lusa, tomara a iniciativa de
liderar uma ajuda emergencial ao Estado, em dinheiro vivo, por meio de
doações.
Diante de um plenário lotado, que
aguardava com ansiedade a chegada do governador maranhense, uma enorme sacola
corria de mão em mão entre os chefes de Estado, para que depositassem nela
somas em dólares, a moeda forte da época.
Passou-se meia hora, a sacola
abarrotada de dinheiro sobre a mesa solene, e nada de Lobão. Mais outra meia
hora, todos já à beira de um ataque de nervos, sem saber o que acontecera com o
mandatário maranhense, e eis que adentra o recinto aquela figura esquálida, “um
caniço em forma de gente, vestido de paletó e gravata”.
Foi um espanto geral! O
governador do Estado era a própria imagem da desnutrição que assolava o Estado.
Alguns chefes de Estado, tocados de emoção, não conseguiam conter as lágrimas.
Aquilo constituía uma hecatombe.
Lobão, então, ao perceber o clima de solidariedade da plateia, caminhou, passos
trôpegos, até a tribuna, situada do lado esquerdo da mesa, sacou uma fotografia
do bolso do paletó e a exibiu diante daquele amontoado de câmeras e flash
apontados sobre ele.
Pegou o microfone e anunciou:
“Minha gente, este é o homem que me faz oposição no Maranhão”. Então irrompeu
nos telões a imagem longilínea do deputado Domingos Dutra que, de tão magro,
parecia o faquir das Américas.
De dor, o plenário veio abaixo. A situação do Maranhão era devastadora, e uma
única sacola de dinheiro mal daria para abastecer por uns tempos a mesa dos
políticos famintos. Faltava contemplar o povo, resgatar o distante berço irmão
da ignomínia. E assim, sob as ordens do governo francês, deu-se início ao
ritual de malas gigantes, que entravam vazias e saiam do plenário abastecidas
de dólares.
...
Integra o livro de contos e crônicas "Domingos Dutra, o homem que desafiou o Futi", previsto para 2019.
Integra o livro de contos e crônicas "Domingos Dutra, o homem que desafiou o Futi", previsto para 2019.
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