Imagem de Alcântara/Maranhão |
Era o ano de 1978. Eu cursava o
terceiro ano do ensino médio no Liceu Maranhense. Eu e mais uns trinta alunos
fazíamos o curso de Assistente em Administração, quando esses cursos
profissionalizantes invadiram a grade curricular do ensino secundarista, sem
muito sucesso.
Na disciplina Administração e
Controle que pretendia nos ensinar os nortes da gestão de empresas privadas ou
públicas, o professor simulou que a turma fosse uma empresa e como tarefa
tínhamos que proceder a uma rotina empresarial.
Como teste para todos, com suas
devidas tarefas, fora pensada uma viagem para a bucólica cidade histórica de
Alcântara. Iriamos num dia para retornar no outro. Alguns pensaram duas vezes
antes de ir, pois viajar embarcado, poucos tinham o costume. Para mim, que
tinha o hábito de ir e vir para minha terra, tirei de letra. Tornei-me um
encorajador dos demais.
A missão precisava seguir o que
havia sido planejado, tal como uma empresa. As metas foram propostas, os
objetivos bem explicitados. O protótipo de empresa imaginária estava sob a
direção de um amigo de classe, o César Batalha.
A casa onde iriamos ficar era
propriedade dos familiares de uma amiga de sala, a Eledith. Um velho casarão
que servia para abrigá-los em visitas ocasionais. Para esta recepção, o
anfitrião, dono da casa, viajara antecipadamente para preparar o ambiente para
receber a comitiva de estudantes. E fomos nós!
Chegado o dia da viagem. À hora
marcada estávamos todos lá na rampa Campos Melo, na Praia Grande. Ponto positivo
para a empresa, seus funcionários e diretores. Enfrentamos o mar revolto na
travessia até a cidade de Alcântara. A embarcação misturava velas e motores no
que permitia uma certa segurança. Juntamente conosco, muitos turistas também
estavam na viagem, afinal, naquele dia haveria a inauguração do museu de
Alcântara.
Chegando na cidade, fiquei
deslumbrado com a quantidade de casarões enfileirados numa extensa rua de
pedras. Vi-me em pleno século XIX, ou, como se fosse um coadjuvante dessas
novelas de épocas. Tudo muito bonito, embora a cidade parecesse adormecida no
tempo.
Naquele resto de dia,
conhecemos todos os principais pontos turísticos da cidade, além da visita ao
Museu que ali estava sendo inaugurado. Fomos até às imediações de onde seria em
breve construída a base espacial de Alcântara. Na visita à comunidade atingida
pelo projeto aeroespacial, ouvimos os reclames daqueles que abriam mão de suas
terras para um projeto que mal sabiam o que era.
Em seguida fomos até a fonte do
Miritiua. Era um lugar de brejo de onde brotavam pequenas lagoas de uma água
fria e azulada. O lugar era coberto de frondosas árvores que ajudavam numa
permanente sombra, como se quisesse proteger os que ali se abrigavam. “Não se
pode tomar banho nessas águas”. Era o que se ouvia dizer naquelas bandas. Tarde
demais. Eu já havia mergulhado numa pocinha. A água fria parecia convidativa
para um banho naquele meio de tarde.
Quando sair do banho senti um
frio que me arrepiou os poros. Parecia um aviso e um castigo pela minha
desobediência. Mesmo assim voltamos para casa. Ao chegar de volta ao casarão eu
já estava ardendo em febre. Começou então mais uma preocupação com os
companheiros de sala e empresa. Fui acomodado em uma rede armada sobre a parte
alta do sobradão, onde ficariam parte dos homens da turma.
Naquela noite havia uma festa
numa localidade próxima. Do sobrado já se ouvia o som dos reggaes que eram
trazidos pelos ventos. Os colegas estavam preparados para irem para a festa,
enquanto eu ardia numa febre que me fazia delirar. Após a ingestão de alguns
chás providenciados pelos caseiros, adormeci.
De repente, num transe, como se
aquilo fora um misto de sonho e realidade, senti me erguerem com rede e tudo.
Num supetão senti sacudirem a rede que eu dormia. Meio que grogue abri os olhos
com um grito entalado na garganta, mas não me ouvia. Era como se eu gritasse
pra dentro de mim. “Respeite a casa dos
outros. Este foi seu castigo” - alguém me dizia essas palavras. Senti uma
corrente de ar sair do quarto rumo a um janelão que estava aberto numa parede
que dava para os fundos do casarão.
Em meio a essa luta acordei
apavorado molhadinho de suor. Passei a mão na testa para conferir o grau da
febre. Senti a minha fronte fria, no que me anunciava que a elevada temperatura
corporal tinha voltado ao normal.
Lá embaixo do casarão, na porta
da rua, ouvi uns companheiros que decidiam ir ou não ir à festa. Uns optavam em
não me deixar ali sozinho, enquanto outros, e parece que a maioria, diziam:
“ele está dormindo, nem vai dar conta que fomos à festa”. O pavor de ter que
ficar ali sozinho me dera forças e eu levantei bonzinho. Apareci na sacada e
disse: “já estou bom, vou pra festa com vocês...”
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