HOJE É DIA DE...
Nas ondas do
rádio AM
(*) Nonato
Reis
Nonato Reis |
A humanidade ainda haverá de erguer um
monumento, no coração do mundo, em homenagem ao italiano Gluglielmo Marconi, ao
russo Alexander Popov e ao brasileiro Roberto Landell de Moura pelo inestimável
legado para o progresso das civilizações. Aos três, de modo distinto, é
atribuída a invenção do rádio, seguramente a maior descoberta do Século XIX, e
talvez uma das três mais importantes de toda a história universal.
Depois do rádio, os inventos seguintes,
no campo das comunicações, passaram a ser uma espécie de repetição, no que diz
respeito à engenharia de processamento. Tudo o que veio depois dele, como a
televisão, os satélites, o telefone e a internet sem fio, utiliza a mesma base
tecnológica, as ondas eletromagnéticas, como forma de propagação. O rádio está
assim na gênese das comunicações à distância, delas constituindo não apenas a
matriz como também suas ramificações.
Foi o primeiro veículo de massa a
integrar o mundo moderno, dentro daquela concepção de aldeia global, prevista
pelo estudioso Marshall Mc Luhan. Fez história na esteira das duas grandes
guerras mundiais, que sacudiram o século XX, possibilitando a cobertura em
tempo real no front das batalhas, em que pese a tentativa de censura, num
ambiente em que o segredo é arma estratégica.
No Maranhão, não tenho a menor ideia de
quando o rádio foi inaugurado. Mas a primeira lembrança que a minha memória
guarda da Amplitude Modulada remete ao início dos anos 60. Eu era então um
menino ensaiando as primeiras sílabas do alfabeto. Morava no interior. Beira de
rio. Mato fechado. Os casebres de palha eram erguidos em plena floresta, que se
abria em capoeiras para recebê-los. Rádio nessa época, marcada pela luz de
querosene, constituía uma raridade. Apenas famílias de fazendeiros se davam ao
luxo de possuir um Philco Transglobo de nove faixas.
Naturalmente não dispúnhamos desse
tesouro em casa, mas eu podia perceber os seus sinais sonoros há poucos metros
de distância, na fazenda de um tio por parte de pai. Durante o dia o receptor
ficava sintonizado, invariavelmente, na Rádio Difusora. Lembro de um locutor,
talvez o Murilo Campelo – não tenho certeza – que gostava de informar a hora de
um modo inusitado. Enchia os pulmões de ar, fazia vibrar as cordas vocais com
intensidade e anunciava: “o relógio marrrrrrrrrrrrrrrrrrrrcarrrrrrrrrrrrrr
(...)”.
Rádio naquela época era uma espécie de
colosso. No interior os moradores nem tinham noção de como funcionava a
engenhoca. Muita gente olhava o aparelho com um misto de espanto e devoção, à
semelhança dos indígenas quando se depararam com os primeiros portugueses da
era do Descobrimento. Lembro que algumas pessoas se postavam por trás do
receptor, e espiavam para dentro do equipamento, tentando localizar a voz que
soava dos autofalantes
Se o rádio era visto como algo do outro
mundo, os radialistas beiravam à divindade. Certa vez, já nos anos 70, Arnould
Filho e Maurício José visitaram Viana. A cidade parou para recebê-los. No campo
da aviação, uma multidão cercou o avião que os transportava e seguiu com eles
em em cortejo festivo até a Praça da Prefeitura, onde realizou-se um ato
público. Em tempos atuais, é como se um galã da TV Globo ou um presidente da
República desfilasse em carro aberto pelo interior do país.
Uma prova da força quase sobrenatural que
esse veículo exercia sobre as massas é um episódio dos anos 70, engendrado e
levado ao ar pela Rádio Difusora. Inspirada em A Guerra dos Mundos, um programa
levado ao ar nos EUA pelo americano Orson Welles, e que simulava a conquista da
Terra por extraterrestres, a Difusora encenou uma invasão alienígena na Ilha de
São Luís a partir do Campo dos Perizes. O toque de realismo que deu à estória,
aliado ao alcance da emissora, colocou a cidade em pandemônio. Foi um
verdadeiro alvoroço, com pessoas gritando e correndo desnorteadas. Tiveram que
interromper a transmissão, para evitar uma tragédia de proporções gigantescas.
Não por acaso aqueles anos constituem a
chamada fase dourada do Rádio AM no Maranhão. Nesse tempo a televisão ainda era
uma ideia distante, circunscrita aos grandes centros urbanos. O rádio era então
o principal veículo de informação, entretenimento e difusão coletiva,
promovendo a integração entre as diversas regiões do Estado. São Luís
constituía o foco irradiador, onde se encontravam sediadas todas as emissoras
AM, com destaque para as rádios Difusora, Timbira, Gurupi, Ribamar e, por
último, a Educadora, implantada na segunda metade dos anos 60.
Nessa época surgem programas memoráveis,
como Quem Manda é Você, apresentado por José Branco, na Rádio Difusora; o
Programa do Galinho, com Carlos Henrique, pela Educadora; Alegria na Taba, com
Raimundo Coutinho, pela Timbira; e Um Ouvinte e Seis Sucessos, pela
Ribamar. E é quando aparecem verdadeiras lendas do rádio no
Maranhão, algumas ainda em atividade até hoje, como Herberth Fontenele,
Fernando Souza, Carlos Henrique, Canarinho, Rui Dourado, José Santos.
Como esquecer o poeta Bernardo Coelho de
Almeida e a sua memorável “Difusora Opina”? Eu era então criança, mas não
conseguia escapar do poder de sedução dos seus textos leves, concisos,
precisos. Nos cinco minutos que duravam o editorial, permanecia de ouvidos
grudados no rádio como que magnetizado por uma força invisível. O Bernardo era
um gênio da palavra e, por meio dela, alcançou a imortalidade.
Dizem que o destino gosta de
brincar com os nossos sonhos e que aqui e ali costuma nos pregar peças. Eu,
menino nascido e crescido sobre o brejo da Baixada, decidi vir para São Luís
completar os estudos. Meio que sem querer, optei por fazer Jornalismo. Jamais
imaginei que, no exercício da profissão, pudesse esbarrar com aqueles mitos da
radiofonia, fazer-me colega de trabalho de alguns deles e até me tornar amigo
de outros. Carlos Henrique, por exemplo, me chama de “Nonatinho”, num diminutivo
que muito me honra e enobrece. Frank Matos, quase um irmão, me trata
familiarmente de Nonato. Othelino Filho, Jota Kerley, Djalma Rodrigues, apenas
de Reis, que é como a maioria me conhece.
Este ano, por ocasião do dia dos pais,
Geraldo Castro, essa legenda da Amplitude Modulada, editou em seu facebook uma
mensagem alusiva à data. Sensibilizado com o texto, fiz um comentário, mais ou
menos assim: “Cuidemos dos nossos pais, enquanto a vida se faz”. Ao que ele
respondeu. “Como sempre sábias palavras do meu mestre”. O rádio tem essa
tríplice capacidade: de emocionar, de surpreender e de inverter a ordem das
coisas.
(*) Nonato Reis é jornalista, poeta e cronista natural de Viana, Maranhão.
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