sexta-feira, 25 de agosto de 2017

A CRÔNICA DO DIA


HOJE É DIA DE... 

Nas ondas do rádio AM
(*) Nonato Reis

Nonato Reis
A humanidade ainda haverá de erguer um monumento, no coração do mundo, em homenagem ao italiano Gluglielmo Marconi, ao russo Alexander Popov e ao brasileiro Roberto Landell de Moura pelo inestimável legado para o progresso das civilizações. Aos três, de modo distinto, é atribuída a invenção do rádio, seguramente a maior descoberta do Século XIX, e talvez uma das três mais importantes de toda a história universal.
Depois do rádio, os inventos seguintes, no campo das comunicações, passaram a ser uma espécie de repetição, no que diz respeito à engenharia de processamento. Tudo o que veio depois dele, como a televisão, os satélites, o telefone e a internet sem fio, utiliza a mesma base tecnológica, as ondas eletromagnéticas, como forma de propagação. O rádio está assim na gênese das comunicações à distância, delas constituindo não apenas a matriz como também suas ramificações.
Foi o primeiro veículo de massa a integrar o mundo moderno, dentro daquela concepção de aldeia global, prevista pelo estudioso Marshall Mc Luhan. Fez história na esteira das duas grandes guerras mundiais, que sacudiram o século XX, possibilitando a cobertura em tempo real no front das batalhas, em que pese a tentativa de censura, num ambiente em que o segredo é arma estratégica.
No Maranhão, não tenho a menor ideia de quando o rádio foi inaugurado. Mas a primeira lembrança que a minha memória guarda da Amplitude Modulada remete ao início dos anos 60. Eu era então um menino ensaiando as primeiras sílabas do alfabeto. Morava no interior. Beira de rio. Mato fechado. Os casebres de palha eram erguidos em plena floresta, que se abria em capoeiras para recebê-los. Rádio nessa época, marcada pela luz de querosene, constituía uma raridade. Apenas famílias de fazendeiros se davam ao luxo de possuir um Philco Transglobo de nove faixas.
Naturalmente não dispúnhamos desse tesouro em casa, mas eu podia perceber os seus sinais sonoros há poucos metros de distância, na fazenda de um tio por parte de pai. Durante o dia o receptor ficava sintonizado, invariavelmente, na Rádio Difusora. Lembro de um locutor, talvez o Murilo Campelo – não tenho certeza – que gostava de informar a hora de um modo inusitado. Enchia os pulmões de ar, fazia vibrar as cordas vocais com intensidade e anunciava: “o relógio marrrrrrrrrrrrrrrrrrrrcarrrrrrrrrrrrrr (...)”.
Rádio naquela época era uma espécie de colosso. No interior os moradores nem tinham noção de como funcionava a engenhoca. Muita gente olhava o aparelho com um misto de espanto e devoção, à semelhança dos indígenas quando se depararam com os primeiros portugueses da era do Descobrimento. Lembro que algumas pessoas se postavam por trás do receptor, e espiavam para dentro do equipamento, tentando localizar a voz que soava dos autofalantes
Se o rádio era visto como algo do outro mundo, os radialistas beiravam à divindade. Certa vez, já nos anos 70, Arnould Filho e Maurício José visitaram Viana. A cidade parou para recebê-los. No campo da aviação, uma multidão cercou o avião que os transportava e seguiu com eles em em cortejo festivo até a Praça da Prefeitura, onde realizou-se um ato público. Em tempos atuais, é como se um galã da TV Globo ou um presidente da República desfilasse em carro aberto pelo interior do país.
Uma prova da força quase sobrenatural que esse veículo exercia sobre as massas é um episódio dos anos 70, engendrado e levado ao ar pela Rádio Difusora. Inspirada em A Guerra dos Mundos, um programa levado ao ar nos EUA pelo americano Orson Welles, e que simulava a conquista da Terra por extraterrestres, a Difusora encenou uma invasão alienígena na Ilha de São Luís a partir do Campo dos Perizes. O toque de realismo que deu à estória, aliado ao alcance da emissora, colocou a cidade em pandemônio. Foi um verdadeiro alvoroço, com pessoas gritando e correndo desnorteadas. Tiveram que interromper a transmissão, para evitar uma tragédia de proporções gigantescas.
Não por acaso aqueles anos constituem a chamada fase dourada do Rádio AM no Maranhão. Nesse tempo a televisão ainda era uma ideia distante, circunscrita aos grandes centros urbanos. O rádio era então o principal veículo de informação, entretenimento e difusão coletiva, promovendo a integração entre as diversas regiões do Estado. São Luís constituía o foco irradiador, onde se encontravam sediadas todas as emissoras AM, com destaque para as rádios Difusora, Timbira, Gurupi, Ribamar e, por último, a Educadora, implantada na segunda metade dos anos 60.
Nessa época surgem programas memoráveis, como Quem Manda é Você, apresentado por José Branco, na Rádio Difusora; o Programa do Galinho, com Carlos Henrique, pela Educadora; Alegria na Taba, com Raimundo Coutinho, pela Timbira; e Um Ouvinte e Seis Sucessos, pela Ribamar. E é quando aparecem verdadeiras lendas do rádio no Maranhão, algumas ainda em atividade até hoje, como Herberth Fontenele, Fernando Souza, Carlos Henrique, Canarinho, Rui Dourado, José Santos.
Como esquecer o poeta Bernardo Coelho de Almeida e a sua memorável “Difusora Opina”? Eu era então criança, mas não conseguia escapar do poder de sedução dos seus textos leves, concisos, precisos. Nos cinco minutos que duravam o editorial, permanecia de ouvidos grudados no rádio como que magnetizado por uma força invisível. O Bernardo era um gênio da palavra e, por meio dela, alcançou a imortalidade.
 Dizem que o destino gosta de brincar com os nossos sonhos e que aqui e ali costuma nos pregar peças. Eu, menino nascido e crescido sobre o brejo da Baixada, decidi vir para São Luís completar os estudos. Meio que sem querer, optei por fazer Jornalismo. Jamais imaginei que, no exercício da profissão, pudesse esbarrar com aqueles mitos da radiofonia, fazer-me colega de trabalho de alguns deles e até me tornar amigo de outros. Carlos Henrique, por exemplo, me chama de “Nonatinho”, num diminutivo que muito me honra e enobrece. Frank Matos, quase um irmão, me trata familiarmente de Nonato. Othelino Filho, Jota Kerley, Djalma Rodrigues, apenas de Reis, que é como a maioria me conhece.
Este ano, por ocasião do dia dos pais, Geraldo Castro, essa legenda da Amplitude Modulada, editou em seu facebook uma mensagem alusiva à data. Sensibilizado com o texto, fiz um comentário, mais ou menos assim: “Cuidemos dos nossos pais, enquanto a vida se faz”. Ao que ele respondeu. “Como sempre sábias palavras do meu mestre”. O rádio tem essa tríplice capacidade: de emocionar, de surpreender e de inverter a ordem das coisas.

 (*) Nonato Reis é jornalista, poeta e cronista natural de Viana, Maranhão.

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