domingo, 6 de agosto de 2017

A CRÔNICA DO DIA

HOJE É DIA DE... 

O homem que deu à luz uma cobra

(*) Nonato Reis

Nonato Reis
Marcelino “Barriga de Espelho” foi cultuado em Viana e região pelas gerações seguintes à proclamação da República. Até a deposição de Getúlio Vargas em 1945 seu nome ainda provocava espanto e gestos de admiração, como o único homem daquelas terras capaz de fecundar e criar na barriga uma serpente, e a ela sobreviver como que por encanto ou milagre divino.

Chegara às terras da Palmela ainda garoto, junto com a família, vindo do Cajari, então localidade pertencente ao território de Viana. O pai, Vitalino, mudara-se para a Palmela a convite do velho Antônio Feliciano de Mendonça, que o queria como capataz da sua fazenda, a essa altura ainda em formação. Assim cresceu em meio às agruras dos campos de pastoreio, aprendeu a cuidar do gado e da plantação, tornou-se o melhor vaqueiro das redondezas.

A extrema habilidade no manejo do gado e no cultivo da terra contrastava com as relações no campo pessoal. Era bronco, tolo, desajeitado. As mulheres, tratava-as como se fossem vacas. Certa vez, cansado de levar “fora” de uma mulher muito mais velha, que trabalhava na Casa Grande como dama de companhia, pegou-a no laço e a levou para o mato.

Foi um pandemônio dos diabos, a mulher chorava feito criança, dizendo que Marcelino à forçara a fazer sexo com ele. O velho Feliciano, homem diplomático, porém enérgico, teve que intervir na história, e depois de chamar os dois às falas e puxar as orelhas do vaqueiro, deu o assunto por encerrado. Seu Vitalino, preocupado com a rudeza do filho, tentava incutir-lhe modos. “Meu filho, mulher é como passarinho; se você não tiver paciência e jeito, não entra na gaiola”.

Bons eram os puteiros, cujas “gaiolas” viviam abarrotadas de “passarinhos”. Certa vez, passara seis meses no mato, levando o gado de um canto a outro, fugindo do duro inverno que castigara Viana, inundando os campos completamente. Ao retornar “na pedra” correu ao “Cabaré de Ingraça”, escolheu uma bela morena, pediu que lhe saciasse a fome de sexo. A mulher, treinada no ofício, apresentou-lhe o cardápio. “Você quer uma trepada simples, “de quatro” ou ‘na engenhoca’?”. Ele coçou a cabeça, achou a terceira opção interessante e a escolheu.

A mulher o amarrou em pés e mãos nos suportes da cama, subiu sobre ele e começou o movimento.  Crescidos à solta, os pelos dela, rijos e fartos feito palha de aço, entrelaçaram-se aos dele, igualmente densos, e, à medida que girava sobre o eixo intumescido do homem, formavam-se cordas, que sob forte pressão, arrancavam tufos de pentelhos dos dois.

Marcelino gemia de dor. Pedia socorro, mas quanto mais gritava, mais a mulher rodopiava. “Fecha os olhos e goza, meu bem, que é a engenhoca”, pedia a mulher naquele giro alucinado. Terminada a sessão, ela olhou o traseiro dele e viu que depositara sobre o lençol uma coisa pastosa. “Meu filho, o que foi isso?” E ele: “foi o bagaço da cana”.

Porém o episódio que marcaria para sempre a vida de Marcelino e o faria conhecido como “Barriga de Espelho” aconteceu alguns anos depois. Ele começou a definhar. Perdeu peso e viço. A única coisa que crescia era a barriga, a cada dia maior, a ponto de brilhar e reluzir feito espelho. Chamaram o velho Trancoso, farmacêutico e médico sem diploma, porém com fama de milagreiro.

Trancoso morava na quinta que levava o seu nome, à beira do Igarapé do Engenho. Ali mantinha uma farmácia de manipulação com remédios para todos os males, de asma a gripe, úlcera e tuberculose. Preparava as fórmulas de sua própria cabeça e a elas dava nomes às vezes jocosos. Havia o “peitoral de urucu”, para tosse; o “lambedor de jurubeba”, para prisão de ventre, e até as pílulas “arrebenta pregas”.

Após o exame tátil, Trancoso formulou o diagnóstico de Marcelino, mas guardou-o para si. Pegou uma bacia grande de alumínio e lavou-a com sabão. Nela depositou dois litros de leite e ferveu. Quando o leite amornou na bacia, mandou Marcelino sentar de cócoras sobre ela, sem olhar para baixo.

Meia hora depois, ordenou que levantasse. Na bacia, para espanto geral, jazia uma cobra imensa, medindo mais de sete metros de comprimento. “Eis a solitária que te devorava as entranhas”, disse Trancoso. A notícia correu mundo e Marcelino para sempre ficaria conhecido como “Barriga de Espelho”, o homem que dera à luz uma cobra.


(*) Nonato Reis, jornalista, poeta e escritor, natural de Viana- Maranhão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário