HOJE É DIA
DE...
O homem que deu à luz uma cobra
(*)
Nonato Reis
Nonato Reis |
Marcelino “Barriga de Espelho”
foi cultuado em Viana e região pelas gerações seguintes à proclamação da
República. Até a deposição de Getúlio Vargas em 1945 seu nome ainda provocava
espanto e gestos de admiração, como o único homem daquelas terras capaz de
fecundar e criar na barriga uma serpente, e a ela sobreviver como que por
encanto ou milagre divino.
Chegara às terras da Palmela
ainda garoto, junto com a família, vindo do Cajari, então localidade
pertencente ao território de Viana. O pai, Vitalino, mudara-se para a Palmela a
convite do velho Antônio Feliciano de Mendonça, que o queria como capataz da
sua fazenda, a essa altura ainda em formação. Assim cresceu em meio às agruras
dos campos de pastoreio, aprendeu a cuidar do gado e da plantação, tornou-se o
melhor vaqueiro das redondezas.
A extrema habilidade no manejo
do gado e no cultivo da terra contrastava com as relações no campo pessoal. Era
bronco, tolo, desajeitado. As mulheres, tratava-as como se fossem vacas. Certa
vez, cansado de levar “fora” de uma mulher muito mais velha, que trabalhava na
Casa Grande como dama de companhia, pegou-a no laço e a levou para o mato.
Foi um pandemônio dos diabos, a
mulher chorava feito criança, dizendo que Marcelino à forçara a fazer sexo com
ele. O velho Feliciano, homem diplomático, porém enérgico, teve que intervir na
história, e depois de chamar os dois às falas e puxar as orelhas do vaqueiro,
deu o assunto por encerrado. Seu Vitalino, preocupado com a rudeza do filho,
tentava incutir-lhe modos. “Meu filho, mulher é como passarinho; se você não
tiver paciência e jeito, não entra na gaiola”.
Bons eram os puteiros, cujas
“gaiolas” viviam abarrotadas de “passarinhos”. Certa vez, passara seis meses no
mato, levando o gado de um canto a outro, fugindo do duro inverno que castigara
Viana, inundando os campos completamente. Ao retornar “na pedra” correu ao
“Cabaré de Ingraça”, escolheu uma bela morena, pediu que lhe saciasse a fome de
sexo. A mulher, treinada no ofício, apresentou-lhe o cardápio. “Você quer uma
trepada simples, “de quatro” ou ‘na engenhoca’?”. Ele coçou a cabeça, achou a
terceira opção interessante e a escolheu.
A mulher o amarrou em pés e
mãos nos suportes da cama, subiu sobre ele e começou o movimento. Crescidos à solta, os pelos dela, rijos e
fartos feito palha de aço, entrelaçaram-se aos dele, igualmente densos, e, à
medida que girava sobre o eixo intumescido do homem, formavam-se cordas, que
sob forte pressão, arrancavam tufos de pentelhos dos dois.
Marcelino gemia de dor. Pedia socorro,
mas quanto mais gritava, mais a mulher rodopiava. “Fecha os olhos e goza, meu
bem, que é a engenhoca”, pedia a mulher naquele giro alucinado. Terminada a
sessão, ela olhou o traseiro dele e viu que depositara sobre o lençol uma coisa
pastosa. “Meu filho, o que foi isso?” E ele: “foi o bagaço da cana”.
Porém o episódio que marcaria
para sempre a vida de Marcelino e o faria conhecido como “Barriga de Espelho”
aconteceu alguns anos depois. Ele começou a definhar. Perdeu peso e viço. A
única coisa que crescia era a barriga, a cada dia maior, a ponto de brilhar e
reluzir feito espelho. Chamaram o velho Trancoso, farmacêutico e médico sem
diploma, porém com fama de milagreiro.
Trancoso morava na quinta que
levava o seu nome, à beira do Igarapé do Engenho. Ali mantinha uma farmácia de
manipulação com remédios para todos os males, de asma a gripe, úlcera e
tuberculose. Preparava as fórmulas de sua própria cabeça e a elas dava nomes às
vezes jocosos. Havia o “peitoral de urucu”, para tosse; o “lambedor de jurubeba”,
para prisão de ventre, e até as pílulas “arrebenta pregas”.
Após o exame tátil, Trancoso
formulou o diagnóstico de Marcelino, mas guardou-o para si. Pegou uma bacia
grande de alumínio e lavou-a com sabão. Nela depositou dois litros de leite e
ferveu. Quando o leite amornou na bacia, mandou Marcelino sentar de cócoras
sobre ela, sem olhar para baixo.
Meia hora depois, ordenou que
levantasse. Na bacia, para espanto geral, jazia uma cobra imensa, medindo mais
de sete metros de comprimento. “Eis a solitária que te devorava as entranhas”,
disse Trancoso. A notícia correu mundo e Marcelino para sempre ficaria
conhecido como “Barriga de Espelho”, o homem que dera à luz uma cobra.
(*)
Nonato Reis, jornalista, poeta e escritor, natural de Viana- Maranhão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário